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Coronavírus: sinos soam toque usado durante gripe espanhola em São João del-Rei

Sinos tocam três vezes ao dia nas igrejas da cidade para chamar a população para orar pelo fim da pandemia; templos religiosos estão fechados como forma de prevenção

Por Rafaela Mansur
Publicado em 24 de março de 2020 | 11:55
 
 
 
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Na cidade onde os sinos falam, a histórica São João del-Rei, no Campo das Vertentes, só se ouve lamento em forma de toques. As igrejas abandonaram os repiques festivos e passaram a soar apenas o toque da penitência, o que aconteceu pela última vez em 1918, durante a gripe espanhola, que matou 50 milhões de pessoas ao redor do mundo. O som dos sinos é ouvido entre os casarões da cidade três vezes ao dia e, desta vez, busca chamar os fiéis para orar, dentro de casa, pelo fim da pandemia do coronavírus. Todos os templos religiosos do município estão fechados como forma de prevenção à Covid-19.

"Na tradição católica, esse toque da penitência serve para momentos de tragédia e desgraças comuns, para poder banir as doenças. As igrejas em geral têm feito isso, mas aqui, no centro histórico, elas obedecem a padrões de linguagem conservados há muitos anos. A última vez que os sinos precisaram tocar dessa forma foi durante a gripe espanhola. De lá para cá, não houve nada que tivesse essa gravidade, e o toque foi esquecido", afirma o superintendente de Cultura da cidade, Ulisses Passarelli. Ele diz que muitos moradores da cidade nem mesmo conheciam o toque.

Assista ao vídeo registrado por Miguel Mourati:

"É um toque tristonho, como o momento pede, de introspecção. É uma forma de se conectar com o sagrado e, humildemente, pedir misericórdia", afirma. Segundo o superintendente, o toque da penitência está sendo emitido em igrejas como Nossa Senhora do Carmo, Nossa Senhora do Pilar, Nossa Senhora do Rosário e Nossa Senhora das Dores.

De acordo com o historiador José Bouzas, o toque de penitência foi emitido em 1918 em São João del-Rei e na também histórica Sabará, na região metropolitana. "As igrejas tinham a tradição de anunciar as mortes com toques de sinos. Mas muitas pessoas morreram na época da gripe espanhola. Então, em vez de anunciar uma por uma, os templos passaram a tocar a penitência. É uma forma de chamar os fiéis para orar e abrir mão de coisas até que o momento passe. Por isso o toque voltou agora. Estamos neste momento", explica.

A ideia de tocar os sinos partiu da Diocese de São João del-Rei. Símbolos religiosos usados para transmitir mensagens aos moradores da cidade, eles são soados três vezes ao dia, às 12h, às 15h e às 18h. A ação é realizada em 42 paróquias.

"São João del-Rei é conhecida como a cidade onde os sinos falam, a população conhece a linguagem deles. As pessoas sabem, por exemplo, quando os sinos anunciam mortes, se o morto era homem, mulher ou criança", diz o padre Geraldo Magela da Silva, vigário geral da cidade. Antes de existirem outras formas de comunicação, eram os repiques e dobres que anunciavam incêndios, partos difíceis e até a chegada de autoridades ao município. Ainda hoje, muitos toques são usados, como os de morte e de anúncio de festas e missas.

"Pensando nisso, o bispo dom José Eudes Nascimento quis que os sinos tocassem nesses horários, chamando a população para fazer orações pelo fim da pandemia. É um chamado para que a população se lembre de rezar pelos que foram infectados, pelos mortos e profissionais de saúde", afirma o padre Geraldo Magela.

Como forma de prevenção ao coronavírus, as missas com participação dos fiéis estão suspensas na cidade, e muitas celebrações estão sendo transmitidas pelas redes sociais. As tradicionais missas da Semana Santa vão ocorrer dessa forma.

"Neste momento, as pessoas não podem vir ao templo, o padre não pode fazer visita em casa, isso é muito doloroso para a gente. O sino tocando é como se fosse uma porta aberta, estamos unidos de alguma forma", diz o padre. "Como as igrejas estão fechadas, que haja algo que lembre ao povo que ele não está sozinho, que Deus acompanha cada um de nós e que a igreja, dentro das limitações, continua acompanhando o povo. Há uma união espiritual entre nós", completa.

Sineiro há 22 anos, desde criança, Luiz Carvalho de Freitas, de 30 anos, conta nunca ter presenciado uma situação tão triste nas igrejas de São João del-Rei. "O bispo pediu para que a gente tocasse em todas as igrejas, ao mesmo tempo, o toque da penitência. É um toque triste para a comunidade entender que é preciso estar em oração pela pandemia", conta. Ele explica que, na Quaresma, o toque da penitência toca cada dia em uma igreja, e as demais seguem com os repiques normais de chamamento para missa ou outros eventos. Mas, agora, os sinos tocam apenas a penitência.

A Prefeitura de São João del-Rei decretou situação de emergência em saúde pública na cidade em razão do coronavírus. Além dos templos religiosos, estabelecimentos como restaurantes, bares, academias e museus estão proibidos de funcionar por tempo indeterminado, bem como os eventos públicos estão suspensos.

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