Cinema

16ª CineOP tem início nesta quarta, em mais uma edição online

Até o dia 28, serão exibidos 118 filmes em pré-estreias e mostras temáticas (32 longas, seis médias e 80 curtas), de quatro países, bem como de 14 Estados

Por Patrícia Cassese
Publicado em 23 de junho de 2021 | 03:00
 
 
 
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Tendo como espinha dorsal o tema “Memórias entre diferentes tempos”, condizente com o próprio DNA do evento, ligado à questão da preservação, educação e história, a 16ª edição do CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto entra em cena hoje, propondo lembrar o impacto dos anos 1990 nas páginas do audiovisual brasileiro, refletindo, por meio de discussões e debates, sobre marcos importantes dessa caminhada temporal (como o advento do digital) até chegar aos dias atuais, nos quais a produção se vê abalada não só pelas consequências da suspensão social imposta pela pandemia do novo coronavírus, mas também pelas dificuldades do setor em lidar com esferas do poder que não enxergam a cultura como um setor merecedor de atenção – nem sequer sob o ponto de vista econômico. 

Até o dia 28, serão exibidos 118 filmes em pré-estreias e mostras temáticas (32 longas, seis médias e 80 curtas-metragens), vindos de quatro países – além do Brasil, Chile, Colômbia e Portugal –, bem como de 14 Estados brasileiros, distribuídos em oito mostras: Contemporânea, Homenagem, Preservação, Histórica, Educação, Mostrinha, Valores e Cine-Escola. Não só. Também serão promovidos 32 debates e rodas de conversa, com a participação de 134 profissionais nacionais e internacionais. Todos realizados em plataformas digitais, com acesso gratuito. 

A abertura oficial do evento acontece às 20h e poderá ser acompanhada pelo site cineop.com.br. A noite terá início com uma performance audiovisual que apresenta a temática central, e, na sequência, o ator Chico Diaz será homenageado com a entrega do Troféu Vila Rica. Emendando, haverá o debate “O percurso de Chico Diaz em quatro décadas”, com o curador Francis Vogner dos Reis, sob mediação da jornalista Simone Zuccolotto. Em seguida, a atração é a pré-estreia nacional do longa-metragem “O Ano da Morte de Ricardo Reis”, do diretor português João Botelho, com Chico Diaz no elenco. 

Nome à frente da Universo Produção, realizadora do CineOP, Raquel Hallak lembra que este é o segundo ano no qual o evento é realizado de formato online. “Mas, na Universo, é o quinto festival com esses contornos: começamos no ano passado com o CineOP, depois veio a mostra Tiradentes-SP, o CineBH, em janeiro deste ano fizemos a Mostra Tiradentes... Tínhamos esperança de, este ano, fazer um evento híbrido no CineOP, mas não foi possível. De todo jeito, sempre falo que devemos usar a internet a nosso favor. E o formato online tem a grande vantagem de permitir o acesso da programação, que é toda gratuita, para todo o Brasil, para o mundo. O sinal vai estar aberto. Então, certamente o alcance do evento será muito maior, assim como o engajamento do público. Quem não teve oportunidade ainda de conhecer essa mostra presencialmente pode aproveitá-la no formato online, porque a gente conseguiu transferir toda a programação que realiza anualmente para esse ambiente”, conta.  

Outra vantagem, adiciona Raquel, é a facilidade do compartilhamento de conteúdo. “Aquelas pessoas que, por razões diversas, às vezes não têm a oportunidade de acompanhar um debate no momento em que ele é realizado podem se inscrever no canal da Universo (no YouTube) e acessá-los na hora que for conveniente. É um conteúdo que serve como fonte de pesquisa, como referência. Então, se a gente não vai poder estar lá, curtindo o friozinho em Ouro Preto, vamos nos reinventando no mundo virtual, nesse formato que com certeza veio para ficar, ao menos até a gente achar o equilíbrio do que vai ser presencial e do que vai ser online. Importante é ter a oportunidade de fazer com que as ideias circulem, que os filmes sejam vistos por uma parcela maior de público – principalmente os brasileiros, que sempre sofreram com a escassez de espaços de exibição no próprio país”, desabafa. 

No que tange ao fio condutor da edição, que norteará sobremaneira os debates, ela esmiúça a linha do tempo pensada pela produção. “Como dito, vamos começar dos anos 90, quando houve a retomada do cinema brasileiro (após os anos Collor), quando as cinematecas, os museus da imagem e do som começam a se beneficiar de uma política de preservação dos seus acervos. E vamos chegando ao ano 2021, quando, infelizmente, a gente vê a Cinemateca Brasileira fechada há mais de um ano. Quando se depara com os modos de produção modificados em função de uma pandemia. Queremos pensar o que as imagens desses tempos históricos estão nos dizendo”. Outra cereja do bolo, levanta ela, é a sessão do clássico, inserido na Mostra Preservação, “O País de São Saruê”, primeiro longa do documentarista Vladimir Carvalho. Lançado em 1971, registra a vida de lavradores e garimpeiros no vale do rio do Peixe e o cotidiano de secas e pobreza na região semiárida nordestina. 

Em 2021, a CineOP ratifica sua parceria com o Sesc em Minas para a programação artística, que inclui performance audiovisual, o monólogo “A Lua Vem da Ásia”, com Chico Diaz, homenageado do ano, e quatro shows, realizados no palco do Sesc Cine Live: Regina Souza & Sérgio Pererê, Maurício Tizumba & Everton Coroné, Zélia Duncan e, no encerramento, Flávio Venturini. Gratuitos, poderão ser acompanhados pelo site www.cineop.com.br  ou pelo canal do YouTube Sesc em Minas. Por último, mas não menos importante, no site do CineOP, o internauta poderá visitar a exposição fotográfica virtual “Meu Cartão-Postal de Ouro Preto”, que selecionou 30 cliques de pessoas que participaram de uma ação promocional realizada pela Universo Produção. 

Chico Diaz: “A arte me permitiu ser vários” 

Em entrevista coletiva realizada em ambiente virtual no último sábado, pela manhã, o ator Chico Diaz, homenageado desta edição, conversou com os jornalistas diretamente de Portugal, onde está morando. Disponível, gentil, sem pressa, atencioso. O ator, nota-se de pronto, fala com a alma e o coração. Suas respostas não são automáticas, mas carregadas de sentimento, e, não bastasse, encantam pelo uso de palavras pouco recorrentes fora do ambiente dos livros, como "cálido". Cativante.

Ele falou sobre temas como os 40 anos de trajetória artística. “Quando ouvi ‘quatro décadas de carreira’ (como um dos motivos que levaram a produção a escolher seu nome para receber o troféu Vila Rica), fiquei muito impressionado, porque comecei ontem. Estou muito perplexo com a rapidez do tempo. Mas manifesto a minha alegria e honra de poder estar conversando com vocês a respeito dessa homenagem. Não sei se mereço, mas agradeço, porque realmente tudo o que fiz foi de uma forma assombrada e perplexa perante esse mistério de estar vivo”, disse. 

Nascido na Cidade do México há 62 anos, Diaz revelou que nunca planejou ser ator. “Juro. Pensava que eles (atores) precisavam de muita luz, de chamar atenção, e sempre fui mais discreto”, pontua. Discreto, porém curioso. “Havia uma caverna interna que me pedia um reconhecimento do semelhante. Desesperadamente, eu queria entender de que éramos feitos e para que éramos feitos. A arte, a coisa do teatro, me permitiu poder ser vários. Às vezes, deixar de ser eu um pouquinho e ser outros. E diferentes paisagens, diferentes momentos históricos... Isso me pareceu um bom percurso. Inicialmente o que me moveu foi um pouco isso. E talvez também uma fuga, de me esconder atrás de personagens”, aventa. Para Raquel Hallak, nada menos que um ator maravilhoso, dono de “uma obra significativa na trajetória do cinema brasileiro, bem como no teatro e na TV”. 

Confira a seguir outros trechos do bate-papo de Diaz com jornalistas

Mostras de cinema em ambiente online. Olha, sendo uma forma de comunicação, eu acho sensacional. Mas gosto muito de estar com os meus semelhantes, os meus pares, de poder olhar nos olhos e poder estar junto. Fiz agora uma temporada do monólogo "A Lua Vem da Ásia" em formato online e fiquei muito louco, porque é cinema ao vivo, coisa que eu não sabia que existia, mas eu não tinha a respiração da plateia, ou seja, o tempo da piada, o tempo do drama, é outro. Foi complicado, é mais frio. Eu acho que você ver um filme numa câmera escura grande, compartilhar o sentimento propiciado pela obra, é uma comoção coletiva, algo meio ritualístico. Gosto disso. Essa questão de estarmos individualizados, cada um na sua telinha, não me parece muito propício para uma comunhão, para uma harmonia. Ou seja, assim que pudermos, se pudermos, é voltarmos para ficar em torno da nossa fogueira, contando histórias, no calor do fogo. Mas, veja, eu sou quase um senhor já, né? Então, eu acho que para nova geração é o que aponta para o futuro. Pessoalmente, gosto da questão cálida, da questão do sangue, da questão do estar junto. Gosto de estar junto com uma tribo interessante, inteligente. Penso que esse esfriamento que o online dá, esse distanciamento, não me parece bom para discutir, para viver a arte.

Sobre a homenagem. Importante notar que ela é muito bem-vinda, bem quista, mas o que realmente interessa é o universo da Universo Produções, o esforço dessas pessoas que fazem festivais com uma iniciativa tão diferenciada, um filtro tão interessante, e me alegro mais ainda por essa homenagem estar inserida num contexto de preservação, de educação, de história, de uma certa consciência e reflexão, também por estar solidadamente circunscrita nos anos 90, que é onde acho que o nosso cinema, a dita retomada, adquiriu uma musculatura interessante e onde conseguimos realmente expandir essa ferramenta tão importante para a auto-estima do povo brasileiro que é o cinema, sua dramaturgia, narrativas. Essa questão de se apropriar do próprio argumento para contar histórias. Então, é bom inserir que essa homenagem faz parte de um festival, e esse festival faz parte de (um circuito de outros) três festivais, e de um pensamento muito interessante, para a preservação, a história e a educação do nosso povo. E eu aqui me alegro e manifesto essa alegria a vocês (jornalistas participantes da coletiva). 

Método de trabalho. Eu sempre fui muito estudioso no sentido de me cercar bem de impulsos e estímulos, até a hora do "ação", na qual você deve ser abandonado e, já preenchido, imprimir na tela. Claro que aprendi, se é que aprendi, na prática, e numa época, como falei, que era celuloide, que era caríssimo. (...) Então, exigia-se muito ensaio, antes de filmar, para não queimar o filme à toa. A questão de aproximação do personagem, a metodologia de aproximação do personagem é uma coisa que foi mudando ao longo do tempo, claro que sempre em função da natureza do diretor. Cada diretor tem uma demanda, uma forma de expressar essa demanda. Alguns têm conhecimento de dramaturgia de ator, outros exigem naturalidade, outros pedem uma simbologia. Ou seja, a forma de atuar perante a câmera depende muita da exigência do que o cara quer fazer. Eu me lembro de que éramos mais próximo de um naturalismo, e, depois, eu fui adquirindo ousadias e os riscos ficaram um pouco maiores, com metáforas, símbolos,  signos, silêncios, aprendi a esconder... Às vezes, o que você esconde é mais significativo do que o que você mostra, então saber o que esconder é também uma super técnica. (...)  

Outras camadas. Mas também tem a questão da camadas. Nós lidamos várias camadas e fazemos a transparência entre elas. A locação onde você filma é uma camada. A minha natureza naquela época é uma camada, a natureza do diretor é outra camada. Os seus colegas de produção, te dão outra camada.  O entorno, seja o sertão cearense ou a selva amazônica ou na beira do Paraguai. Na verdade quem prepresenta não só eu, mas a conjunção dessas variáveis todas que você arruma. E você  está ali, meio como catalizador. As variáveis todas estão em torno, essas sim, conjugadas e harmonizadas, representam o que é aquele personagem. É uma cozinha,  e você deve ter essa visão, de que não é responsável por muita coisa. Saber que tudo deve passar por você, mas não é você que é o responsável,  também é uma forma de abranger, de uma forma mais ampla, a temática ou mesmo o perfil daquele personagem. E é bom também lembrar que não é o Chico Diaz que representa um personagem, aquele personagem representa um montão de gente. Então, você tem que fazer um corte e apresentar um caldeirão, um caldo, um mosaico em que essas pessoas se vejam. Fazer esse corte de uma forma mais ampla, mais coletiva, representativa, significativa, não só naquela paisagem, naquela geografia, mas naquele momento histórico em que nosso coletivo está vivendo. Portanto, é importante você também saber o que está acontecendo com nós, brasileiros, no momento em que se está filmando aquele tema. Assim, a aproximação será mais real.

Situação atual do país. Eu devo estar tão perplexo, preocupado, quando vocês ou quanto pensadores e realizadores de arte no Brasil. Acho que estamos atuantes, plenos de energia, as histórias continuam sendo escritas, o imaginário continua sendo estimulado, mas estamos numa encruzilhada, numa sinuca, na qual a força ganhou muita força, a razão perdeu a razão. A razão é que tem que ter força. Estamos vivendo um momento violento e que pode ficar mais violento. Por mais que possamos sair timidamente às ruas, apesar das pandemia, somos um povo que, apesar das tantas guerras vividas no cotidiano, nunca teve coragem de safrifica. A gente embotou um pouco essa consciência social, a possibilidade,  a visão de planejar um futuro melhor. Ficamos muito inertes com esse passado escravocrata terrível, perverso. Invisibilizador das forças civis. Acho que estamos atuantes, prontos, mas adormecidos. 

Papel do ator. Sou um intéprete, um ator, aquele que tenta represntar seus semelhantes, e através de um tipo de representação espero contribuir com um questionamento, uma análise crítica possível, através de personagens que, na verdade, não sou eu que invento, que já vêm escritos, mas que eu tento preenchê-los com uma massa crítica, uma massa estética, uma beleza, uma perspectiva. A palavra é essa. Para que as pessoas possam ter esperança. Esse é um momento de confinamento não só físico, pela pandemia, mas político, por causa da repressão, e por causa da violência que se impõe pelo discurso de pessoas completamente imbecis, despreparadas. Como é que a gente vai quebrar essa estrutura exigida por força, muita força, arma, violência?  Usando a razão? Outro dia, num encontro com gestores de cultura, atores, intérpretes, uma questão levantada era essa, qual caminho que vai se apresentar para o povo brasileiro para ele saber que tem ferramentas de transformação na mão. Porque se formos confiar, eu acho,  nas instituições, supremo tribunal não sei o quê... Os tribunais são todos supremos, e estão todos meio que cooptados E não é que eu seja pessimismo, mas estou muito perplexo com (o protagonismo da) a força. Não gosto da violência, da coisa do forte, daquele que quer manter o seu argumento através da força. 

Ponte Brasil-Portugal. Consegui criar essa ponte Brasil-Portugal, mas eu tenho muitos amigos com projetos nas gavetas, atrofiados, talvez alguns nunca sejam realizados, em função desse momento horroroso ao qual estamos sendo submetidos. A palavra é essa, submissão. É uma questão de parar agora para reestruturar. Como, não saberia te dizer, porque também ir às ruas requer um confronto físico, e aí é mais violência ainda. Não sei nem se respondi, a minha preocupação, apreensão e a minha vontade é a de que a gente possa voltar a sonhar com produções livres, filmes feitos com tranquilidade, devidamente estruturados. Eu realmente estou perdido nesse sentido.

Amanhã, outro dia. Com certeza, quando voltarmos, será um momento de júbilo, e de grande alegria e de uma grande potência artística, porque reprimidos há tanto tempo... Assim que descomprimirem, serão fogos de artifício no ar, com muita vontade de compartilhar. Com certeza, a primavera chegará, eu acredito. Mas, por enquanto, pessoas falando de terraplana! Negacionistas. Como oferecer uma vida suculenta, o júbilo da vida, se essas pessoas taparam o sol e nos confinaram dentro de um pensamento reduzido, restrito, que não tem nada a ver com o brasileiro? Querem fechar a gente, e fecharam. E saber tristemente que tantos brasileiros compactuam com essa redução de visão. Mas com certeza, a tal palavra, resistiremos a essas coisas que nos foram impostas a fórceps. Então, sim, vejo sinais de um futuro luminoso com certeza.

Serviço 

16ª CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto 

Abertura nesta quarta, às 20h. A mostra segue até o dia 28 deste mês. 

Programação gratuita pelo site www.cineop.com.br 

 

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