Teatro

A experiência de assistir a uma peça teatral na escuridão total

A peça Teatro Cego - Um Outro Olhar deu início à sua temporada na capital mineira nesta quarta, e o Magazine foi vivenciar esta experiência singular

Por Patrícia Cassese
Publicado em 04 de maio de 2022 | 21:57
 
 
 
normal

Cheias, as mesas do café situado logo à frente à galeria Maristella Tristão, do Palácio das Artes, nesta quarta-feira (4) chuvosa , já davam o indicativo que a estreia da peça “Teatro Cego - Um Outro Olhar”, do C-Três Projetos Culturais (SP),  em Belo Horizonte seria um sucesso. Mas, que fique claro, a medida do êxito, no caso, está atrelada à capacidade máxima de 100 pessoas, que é a indicada para esta montagem que, além do caráter artístico, imbricada, também se configura uma experiência sensorial. Portanto, não há a pretensão - muito menos a necessidade ou indicação - de dezenas e dezenas de pessoas. É uma iniciativa de viés intimista.

Formado por atores com deficiência visual e videntes, o grupo propõe que o público assista ao espetáculo no escuro. Não o escuro habitual ao qual estamos acostumados assim que a terceira campainha é tocada, no qual a iluminação do palco, assinada por profissionais que se especializam neste ofício,  é exaltada, mas, sim, o breu mesmo, a escuridão total. De fato, uma experiência singular.

Os espectadores entram por uma porta e, inicialmente, são reunidos numa antesala, na qual as regras são explicadas: os celulares precisam ser desligados, é pedido que as pessoas não conversem durante a encenação, já que os atores vão estar circulando entre elas, e, se alguém se sentir incomodado, deve sinalizar, verbalmente, que quer deixar a sala, especificando sua localização (são quatro setores, sendo que o público é informado em qual foi instalado).

Neste caso, o de uma pessoa querer sair, o espetáculo é interrompido para que alguém da produção possa, em meio ao escuro, chegar até ela para conduzi-la à saída com segurança. Na estreia, acompanhada pelo Magazine, apenas uma pessoa pediu para sair. Ah, sim: neste caso, não é possível mais retornar à sala. 

Vale dizer que, na citada antesala, os presentes se dividem aleatoriamente em filas, para adentrar a sala já no escuro. Uma pessoa da produção faz as vezes de guia, sendo que as pessoas são instruídas a colocar a mão no ombro de quem está à frente, para segurança. O próprio guia, com uma luz mínima, mostra a cadeira na qual cada um deve se assentar.

Apenas quatro personagens formam a trama que, como citado na reportagem que antecedeu a estreia, traz uma patroa e uma empregada doméstica vivendo a mesma situação - o enfrentamento de um câncer, mas em estágios e condições distintos. Enquanto Sônia, a patroa, recebeu recentemente o diagnóstico, Val, a empregada, já está, como ela mesma repete várias vezes, no "retão", ou seja, na reta final.

No curso da história, pontua-se como a diferença de classe econômica atravessa o tratamento de uma doença tão séria: enquanto a patroa faz terapia e não tem problema em comprar o remédio de R$ 400  para controlar o enjoo que as sessões de quimioterapia provocam, Val precisa enfrentar fila para conseguir seus medicamentos e, mesmo tendo se afastado momentaneamente do emprego, na etapa mais difícil do tratamento, não pode nem se dar ao luxo de lutar para conseguir um eventual suporte psicológico, já que tem filhos para criar e outros afazeres.

Ao longo da narrativa, Sônia, que na verdade não queria que Val voltasse da licença naquele momento no qual ela estava começando sua própria jornada contra o câncer, por não querer uma pessoa "doente" em casa (na verdade, uma defesa), acaba aprendendo o valor da sororidade, da rede de apoio, da solidariedade feminina.

Fim de peça, o público correspondeu ao esforço dos atores com vários gritos de "bravo" e, claro, os aplausos, entusiasmados. A produção convida para que duas pessoas da plateia se voluntariem para dizer o que acharam, momento no qual uma moça, notadamente emocionada, narrou sua recente descoberta de um câncer.

O segundo rapaz citou o exemplo de seu pai, que enfrentou nove meses de tratamento, mas com um final feliz. Um terceiro espectador (eram dois, mas foi bem vinda, a intervenção do sr. Geraldo) pediu a palavra e se apresentou como um deficiente visual, avisando, emocionado, que logo ao fim do descerrar das cortinas (estamos falando simbolicamente), iria até o caminhão da Cabelegria para cortar suas madeixas, cultivadas sem corte há dois anos, para serem doadas a quem está se submetendo a quimioterapia.

Caminhão de quê mesmo? Sim, da Cabelegria. Como a peça trata de um câncer, o grupo fez uma parceria com a ONG, que estará com seu caminhão logo ali, pertinho, recebendo doação de cabelo e fazendo doação de perucas para pessoas que tenham perdido o cabelo por conta de quimioterapia. Neste último caso, nesta quarta, quinta, sexta e sábado, o caminhão da Cabelegria atenderá para receber doações de cabelo e doar perucas das 17h às 20h30. No domingo, 8, para receber doações de cabelo e doar perucas das 16h às 19h30.

Voltemos à experiência. Ao fim, mais uma vez os grupos de cada setor são buscados por alguém da produção, e o trenzinho se forma mais uma vez, para que todas saiam com segurança. Novamente na antesala, é a hora de tirar fotos com os artistas: Sara Bentes, Flávia Strongolli e Ian Noppeney., E, neste momento, muitos não contiveram a emoção. Apesar do pedido para não demorarem muito, já que logo em seguida haveria outra sessão (são duas por dia), muitos queriam falar de suas histórias ou comentar a atuação do elenco. Compreensível.

Doação de Perucas

• Para o Cadastro de recebimento de perucas todos os pacientes deverão ter em mãos os seguintes documentos: Laudo médico, comprovante de quimioterapia, RG e CPF.

• A Cabelegria doa uma peruca por paciente e se porventura o paciente já tiver recebido uma peruca da ONG pelos correios ou pelos Bancos de perucas existentes, não poderá receber outra. Caso queira, poderá efetuar a troca, porém precisará levar a anteriormente doada.

• O cadastro é bem simples, será feito na parte externa do caminhão, e logo após, será solicitado que o paciente assine um documento (obrigatório) “Comprovante de entrega de peruca”. Será indagado se o paciente autoriza a imagem para que o grupo possa utilizar em suas redes sociais. Caso aceite, o paciente assina o documento “Termo de Autorização de uso de imagem”. Lembrando que a assinatura desse documento é opcional.

• Após esse processo os pacientes serão direcionados para escolher sua peruca. Assim que escolhida, receberão um kit com um álcool em gel, instruções de como cuidar de sua peruca e uma ecobag. 

• Todo o processo é gratuito.

'Teatro Cego - Sobre Nós'

Palácio das Artes – Galeria Mari´Stella Tristão - Rua Afonso Pena, 1.537, Centro

A estreia aconteceu nesta quarta-feira. A partir desta quinta, e até sábado, duas sessões por dia, às 18h e 20h. Domingo, dia 8, duas sessões, às 17h e 19h.

 - Os ingressos para a peça teatral serão gratuitos e começam a ser distribuídos 1 hora antes de cada sessão do espetáculo. A distribuição será feita de acordo com a ordem de chegada, através de senhas. Só será distribuída uma senha por pessoa. Cada sessão acomoda 100 pessoas.

 - 30% dos ingressos serão direcionados para instituições ligadas ao câncer. Os ingressos que não forem utilizados pelas instituições serão distribuídos para o público na fila.

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!