Planejada no fim do século XIX, Belo Horizonte foi instalada numa região escolhida pela qualidade e fartura das águas das bacias dos ribeirões Arrudas e do Onça. Mas, de forma contraditória, já na planta, o projeto urbanístico de Aarão Reis – à exceção do Arrudas – ignorou solenemente essa abundância de cursos d’água. O resultado dessa mentalidade centenária os belos horizontinos puderam ver após as chuvas de janeiro, que embora tenham sido em volume recorde, apenas escancararam um problema que é endêmico da cidade. Atualmente, BH tem 165 quilômetros em extensão de canais fechados.
Ainda que o pensamento dominante e o planejamento urbano de Belo Horizonte ao longo de sua história tenham sido pautados como se os cursos d’água da cidade não existissem, algumas iniciativas nas últimas décadas nadam contra a corrente, apontando para uma melhor convivência entre a vida urbana e a natureza.
Uma delas é da artista plástica Isabela Prado, que desenvolveu o projeto “Entre Rios e Ruas”, espalhando placas que mostram por onde passam ou passavam essas águas. No total, serão aproximadamente 230 placas e, nestas quinta (19) e sexta-feira (20), serão instaladas as últimas 33 placas faltantes, que sinalizam o Córrego Mendonça, afluente do Córrego Acaba-Mundo. As intervenções começaram no mesmo período em que fortes chuvas atingiram Belo Horizonte, causando destruição e mortes, mas acabou sendo paralisadas em março, devido a pandemia da Covid-19.
Segundo Isabela, o percurso a ser sinalizado se inicia na rua Levindo Lopes com avenida do Contorno, e segue pelas ruas Antônio de Albuquerque, Alagoas, Santa Rita Durão, e Pernambuco, até chegar na avenida Afonso Pena, próximo ao Palácio das Artes. Para ela, as placas têm o objetivo simples: o de mostrar aos mais atentos um pouco da história da hidrografia da cidade, localizando o curso dos rios.
"É um trabalho que acabou coincidindo com esse momento de chuvas e quando esse assunto foi muito discutido, mas ele faz parte de um projeto muito mais amplo, que já venho trabalhando há dez anos. As placas mesmos foi pensando em 2017, mas teve todo o trâmite de captação e aprovação", explica a artista plástica, que pretende estender o projeto por vários pontos da cidade.
"Quero dar continuidade a esse projeto. Em um primeiro momento foquei na região da contorno, porque foi onde começou a cidade, foi uma questão de orçamento também. Mas acho muito importante ter também em pontos invisíveis da avenida Silviano Brandão, na Prudente de Moraes, na Pedro II. Na região leste também temos outras bacias canalizadas importantes", pontua.
O projeto foi aprovado por uma Lei Municipal de Incentivo à Cultura. As placas de sinalização dos córregos serão instaladas permanentemente nas mesmas balizas que carregam a sinalização de ruas e avenidas, tendo as mesmas especificações das placas de rua já existentes.
"Acho que esse trabalho é uma forma levantar a questão importante de se discutir a urbanização das cidades, pensar no convívio urbano com a natureza. Importante ter uma noção espacial e saber que onde pisamos pode ter um córrego embaixo. É uma forma de nos conhecermos a nossa cidade também", completa Isabela.
Futuro caótico
Enquanto as chuvas de verão repetem todo ano o cenário de alagamentos, de riscos geológicos e de vários transtornos, depois de quatro anos para ser aprovado, o Plano Diretor, em vigor em fevereiro deste ano, é a aposta da prefeitura da capital para reestruturar a cidade e evitar um novo caos em meio às mudanças climáticas.
Muito além da polêmica da outorga onerosa, que colocou setores da indústria e o segmento imobiliário contra a aprovação do projeto, o texto prevê novas diretrizes sobre mobilidade, habitação e planejamento urbano. O objetivo, segundo o Executivo, é tornar a capital menos desigual e mais sustentável. No âmbito ambiental, a proposta prevê a criação de conexões ambientais de fundo de vale para cursos ainda em leito natural e aumenta a permeabilidade do solo, além de vetar o tamponamento e a canalização.
Apesar dos esforços, o estudo Análise de Vulnerabilidade às Mudanças Climáticas do Município de Belo Horizonte, de 2016, prevê a intensificação de eventos como inundações, ondas de calor, deslizamentos e dengue. O relatório indica que 42% dos bairros da capital já se encontram em situação de alta vulnerabilidade e prevê que, se medidas não forem tomadas, essa taxa pode chegar a 68% até 2030.
Na avaliação de especialistas, se colocadas em prática as diretrizes podem sim evitar muitos danos e ter bons efeitos, uma vez que o plano traça metas a serem feitas a curto, médio e longo prazo. "No passado, as pessoas escolheram priorizar um projeto pensando que progresso e desenvolvimento estaria ligado a carro. Então, houve um deslumbre com essa possibilidade, deixando de lado e não dando a devida importância a preservação das áreas verdes e ao meio ambiente. Hoje, pagamos caro por essas escolhas, que por muito tempo como não os viam, ficaram invisíveis", acredita a artista plástica, Isabela Prado.