Nem poderia ser diferente. Com o encerramento, nesta quarta-feira, do prazo para o voto popular, e enquanto o resultado final não é divulgado, a banda mineira Taverna lida com a expectativa de integrar o line-up da edição 2021 do Festival de Ortigueira, evento que acontece na província de Corunha, na Espanha, e que atrai, por ano, mais de cem mil pessoas.
A disputa é acirrada, e envolve bandas de todo o mundo - algumas, da própria região da Galícia. Mas, mesmo se, não constar do rol dos três escolhidos entre os dez finalistas, os componentes sabem que já foi uma vitória ter chegado a essa etapa no curso de uma história que começou há oito anos, quando o grupo foi criado pela vocalista e instrumentista Mariana Roque, 34.
A cantora vinha de uma experiência que deixou marcas profundas em sua trajetória: foi ao morar na Irlanda que ela teve um contato mais estreito com a cultura celta. De volta ao Brasil, decidiu criar o grupo voltado à essa cultura, que perpassa nações como o País de Gales, a Irlanda e a Escócia, além de regiões de outras. Desde então, a banda vem angariando fãs. E conquistas também, como o feito de ter sido selecionada no edital Música Minas. O prêmio deste certame, vale destacar, foi a participação no Utah Renaissance Faire, em 2018. "Foi essa ida para lá que abriu o caminho para mostrarmos a nossa música fora do Brasil", situa Mariana. Mas não só. Lá, eles também tiveram contato com uma produtora que de pronto abraçou o trabalho dos mineiros.
Por meio do empenho dela, o grupo fechou, em 2019, uma turnê para o Canadá e Estados Unidos. Mas no meio do caminho havia uma pedra. O visto para as terras do Tio Sam foi negado. "Com isso, tivemos que cancelar nada menos que 26 shows", rememora Mariana. Em contrapartida, o Canadá recebeu a banda de braços abertos. E deu aos músicos a oportunidade de presenciarem o Highland Games Festival, realizado em Nova Brunswick, no Canadá. "Trata-se de um local que abriga descendentes de muitas famílias escocesas e irlandesas que no passado migraram para lá. Nele, há, entre as atrações, uma apresentação que reúne mais de 500 gaitas de foles, tocando nas montanhas. A gente parecia estar em um filme", lembra ela.
Embora totalmente devotado à música celta e medieval, o Taverna defende um som no qual as raízes mineiras dos integrantes não ficam para escanteio. Ao contrário. Elas aparecem com vigor em "Libertas", disco que a banda acaba de lançar nas plataformas digitais. "Na verdade, o show presencial de lançamento já estava até marcado, aconteceria do teatro do (Centro Cultural) Minas Tênis Clube". Mas, com o advento da pandemia, claro, foi cancelado. "Para não segurar (o trabalho), optamos por lançar assim". O petardo, diz Mariana, pontua um encontro entre as duas culturas, a celta e a mineira. São dez faixas, sendo seis autorais e três de domínio público.
E, paralelamente, veio a oportunidade de o grupo participar do citado festival espanhol. "Inicialmente, é uma seleção mundial. Como em outros eventos, você manda uma amostra do seu conteúdo e faz a inscrição. Dessa etapa, foram selecionadas, salvo engano, 35 bandas, que foram para uma segunda, na qual ficaram essas dez de agora - entre elas, a gente. Ou seja, passamos já por duas seleções. Agora, qual é a questão? Tratava-se de uma votação popular, e acredito, pelo que consegui perceber, agora foi mais um teste de engajamento do que de fato selecionar a 'melhor'. Sabemos que é muito difícil, a gente é daqui, e muitas finalistas são da própria região da Galícia. Com o fuso horário, enquanto a gente estava dormindo, eles estavam lá, votando. É até engraçado, a gente acordava e as outras bandas já estavam com 400 novos votos", relata Mariana, lembrando que, além da apresentação das bandas, o evento é uma verdadeira vivência da cultura celta. "É um festival é muito antigo (foi criado em 1978), e somos a primeira banda brasileira a passar por esta seleção em todos os anos de existência", orgulha-se. Vale dizer que, em 2005, o evento ganhou o título de Festival de Interesse Turístico Internacional
Trajetória. Como dito, foi quando morou na Irlanda que Mariana teve um contato mais forte com a cultura celta. "Já voltei querendo montar um grupo. Tinha que tentar, mesmo parecendo uma loucura", narra. O projeto ganhou impulso quando, por intermédio de seu marido, que também tem uma banda de rock, ela conheceu os irmãos Rômulo e Rafael Salobreña, descendentes de espanhóis. A eles, juntaram-se Gustavo “Fofão” (violão) e João Gabriel (bandolin, flautas e gaita de fole). Mariana, além da voz, se incumbe de instrumentos como a harpa celta. "Que é similar à harpa tradicional, só que não tão grande, é um instrumento portátil. Aliás, tem um desenho bem bonito, e é o instrumento de representação da Irlanda (aparecendo, por exemplo, na bandeira militar do país)", narra. A sua, ela mandou confeccionar com um luthier de Brasília.
A esse instrumento inusual, o grupo adiciona outros, como a concertina, o bandolim, o banjo irlandês, a viela de roda, a colher, o bodhran (tambor celta), alfaia, derbak... Os figurinos, por sua vez, emulam a atmosfera medieval. O nome traduz uma atmosfera que tem tudo a ver com a música que advogam. "Uma taverna é justamente o lugar onde esse tipo de música acontece, bem como tudo o que está relacionado a ela, como a cerveja. É onde a aventura começa e onde termina...Então, nada melhor que colocar o lugar mais icônico das histórias como nome", explica Mariana, lembrando que, além de festas de Saint-Patrick e festivais promovidos por cervejarias, o Taverna vinha tocando em espaços como o Esopo ou o Taberna Santê. Também já tocaram no projeto Palco Livre, do Conservatório da UFMG, e em outros eventos abertos.