Basta um olhar atento na ficha técnica dos discos “Paisagens sonoras”, de Flávio Venturini, “Tropical Romance”, de George Arrunáteghi, e “Saudades de Amanhã”, de Antonio Carlos Bigonha, lançados recentemente, para notar algo em comum. Para além de todos serem mineiros, há uma informação que desperta curiosidade: os três álbuns contam com a participação da S. Petersburg Studio Orchestra, grupo de cordas sediado na cidade russa que dá nome ao time de 24 músicos.

Por que, afinal, essa parceria tem sido uma constante nos trabalhos de compositores de Minas Gerais? Algumas respostas emergem desse questionamento, mas para começar a contar essa história é preciso falar de Kleber Augusto.

Em 2013, o maestro curitibano buscava novas sonoridades e uma solução financeira para baratear os custos de produção quando começou a pesquisar opções no Leste europeu. “Eu sabia que a tradição de cordas na Rússia é muito forte e relevante. Consegui marcar uma sessão. Saí do Brasil com 50 músicas para gravar e coloquei um desafio: se for ruim, estou numa roubada”, relembra o músico. 

O plano deu tão certo que, no ano seguinte, Augusto se juntou ao russo Mikhail Krutik e virou sócio e maestro da orquestra. A entrada no mercado brasileiro foi progressiva. Em apenas sete anos, as colaborações com produções nacionais, das mais diversas, já ocupam as áreas da música e do entretenimento.

S. Petersburg Studio Orchestra executou trilhas incidentais para novelas e séries da Globo, como “Totalmente Demais”, “Bom Sucesso”, “O Sétimo Guardião”, “O Outro Lado do Paraíso” e “Segunda Chamada, além do “Criança Esperança”, para os folhetins da Record “Apocalipse” e “Jesus” e, nesse período, já ganhou três vezes o Grammy Latino em participações nos álbuns de Anavitória, Paula Fernandes e  da argentina Claudia Brant.

Para que esse diálogo entre Minas e Rússia, entre o popular e o erudito aconteça, há dois fatores fundamentais: o preço vantajoso em comparação às - excelentes, diga-se - orquestras brasileiras devido à desvalorização do rublo, a moeda russa,  e a excelência e versatilidade dos 24 músicos que formam a S. Petersburg Studio Orchestra.

“Tudo que for contribuir para o crescimento da qualidade técnica das músicas que produzimos no Brasil é bem-vindo. São trabalhos com um custo muito diferenciado e um resultado excepcional. Os músicos tocam na Filarmônica de São Petersburgo, têm nível de altíssima qualidade”, ressalta Augusto, que já viajou dezenas de vezes para a Rússia, mas não o faz desde o início da pandemia.

A tecnologia, claro, só facilita o processo, sobretudo em tempos de pandemia. Hoje, em tempos de compartilhamento de arquivos em um clique, é possível enviar os arranjos feitos em um estúdio de Belo Horizonte para os músicos tocarem a milhares de quilômetros na Rússia. É dessa maneira que o músico, produtor e arranjador Christiano Caldas começou a trabalhar com a orquestra.

“Escrevo um arranjo, mando a partitura em PDF, gravo uma base aqui com a banda e envio para o maestro, que faz uma revisão, marca a sessão e, em dois ou três dias, finaliza a gravação. Depois disso, eles enviam os arquivos pela internet. É muito bacana”, comenta Caldas, que já firmou parcerias com a S. Petersburg Studio Orchestra em faixas para Flávio Venturini, George Arrunáteghi, Milton Nascimento, Lucas Avelar, a parceria de Oleives com Chico Amaral e já está criando arranjos para o novo projeto de Caxi Rajão.

Diálogo cultural

Todas as nove faixas de “Saudade de Amanhã” têm os dedos da orquestra de São Petersburgo. Os arranjos são de Dori Caymmi, que já havia gravado com os russos e quis repetir a dose. “Achei ótimo”, afirma Antonio Carlos Bigonha. Para o músico, esse encontro entre a música mineira e russa também marca uma aproximação interessante do ponto de vista simbólico.

“Você realmente está fazendo algo que mistura erudito e popular na teoria e na prática. Há uma aproximação da música erudita europeia e da música brasileira de raiz africana. 

Quando Christiano Caldas soprou no ouvido de George Arrunáteghi a ideia de gravar com os russos, o cantor e compositor, que vive na ponte área entre Los Angeles e BH há 18 anos, não titubeou, tanto que cinco das 16 faixas de “Tropical Romance” marcam a dobradinha. “Eles gravam em uma igreja, o som é muito bojudo. Seja qual for o ritmo ou o tipo de trabalho, eles são muito bons, muito precisos. E tem a questão financeira, que é muito vantajosa”, observa o músico.

Arrunáteghi diz que a música brasileira e mineira têm muito a ganhar com esse diálogo: “Vejo isso como um ganho cultural muito grande e espero que seja uma nova tendência”.

Flávio Venturini convocou os trabalhos da orquestra do outro lado do mundo em um tema de “Paisagens Sonoras”, a balada “Uma Cidade, Um Lugar”. “Eles trouxeram uma sonoridade linda, quase hollywoodiana. Me lembrou uma trilha sonora de cinema”, comenta músico. Venturini ficou tão satisfeito que já planeja mais músicas em parceria com o time russo no segundo volume de “Paisagens Sonoras”, ainda sem data de lançamento.