Viralizou

Conheça Bruno Sartori, mineiro que se tornou referência em vídeos deepfake

Tecnologia reproduz através da inteligência artificial a aparência, as expressões e a voz de uma pessoa; mas especialista faz alerta sobre o mau uso dela

Por Ana Clara Brant
Publicado em 01 de junho de 2020 | 03:00
 
 
 
normal

Nesta quarentena, muita gente anda com o tempo mais livre. Mas definitivamente esse não é o caso do jornalista mineiro Bruno Sartori, de 31 anos. Para se ter uma ideia, a reportagem levou algumas semanas para tentar entrevistá-lo, e foi num sábado que ele aproveitou uma brecha na hora do almoço para conversar com o Magazine. Isso porque Bruno se tornou referência no Brasil numa técnica chamada deepfake que, na tradução literal, significa “falsificação profunda”.
 
A tecnologia usa inteligência artificial para criar vídeos falsos, mas bem reais, que reproduzem a aparência, as expressões e a voz de uma pessoa. As montagens podem incluir anônimos, mas a imensa maioria envolve celebridades e, sobretudo, políticos. É como se fosse um “Photoshop” de vídeos. Para isso, bancos de dados sonoros e fotográficos são fornecidos ao equipamento, que passa, então, a identificar padrões e, assim, reproduzi-los. “Realmente está tudo bem corrido. Eu não tenho uma rotina. Eu produzo na hora que eu acordo até a hora de dormir, mas meus dias e noites estão trocados. Tenho trabalhado até não conseguir mais ficar em pé”, revela.
 
Bruno, que é de Unaí, na região Noroeste do Estado, e foi apelidado por Paulo Coelho de “bruxo dos vídeos”, viu sua popularidade aumentar assustadoramente de um ano para cá quando o vídeo “Chapolin Bolsonaro", viralizou nas redes sociais. Nele, o presidente da República aparece no corpo do super-herói mexicano e imortalizado por Roberto Bolaños (1929-2014), dizendo algumas das frases de seu discurso em Dallas, nos Estados Unidos, que ocorreu em maio de 2019.
 
Aliás, os políticos e, principalmente, Jair Bolsonaro, são o principal foco do deepfaker. O presidente já surgiu de Carminha, de “Avenida Brasil”, de Odete Roitman de “Vale Tudo”, de Joelma, ex-Calypso, e até de Tiririca, em outro vídeo de sucesso de Bruno Sartori, em que Bolsonaro cantava “Cloroquina, Cloroquina”, numa paródia da música “Florentina”. Lula, Sergio Moro e Paulo Guedes também já foram alvos das produções do jornalista que, inclusive, fez uma montagem com seu próprio rosto em seu perfil no Twitter em que surge como a Bruxa do 71, do seriado “Chaves.”
 
 

“O poder é o meu alvo predileto. E quem está no poder atualmente é o Bolsonaro e que tem criado tantos conflitos, inventado cada dia uma coisa, que acaba sendo o destaque e gerando muito conteúdo. Acaba não sobrando tempo para me dedicar a outras figuras”, justifica.
 
Riscos e ética
Realmente impressionam a qualidade e a sincronia das falas e das imagens em cada produção de Bruno Sartori. Ele revela que é autodidata e que o essencial para um bom vídeo de deepfake é a capacidade da máquina.
 
“Deepfakes podem ser feitos facilmente por tutoriais da internet. A grande dificuldade hoje é o processamento desses dados. A gente precisa de uma ferramenta bastante poderosa para se ter um resultado razoável. O que pode ser um limitador é a falta de um bom hardware (corresponde aos componentes físicos do computador, ou seja, peças e aparatos eletrônicos que, ao se conectarem, fazem o equipamento funcionar). Mas qualquer um que se dedicar, ler tutoriais pela internet e conseguir uma máquina boa o suficiente para processar esses dados consegue fazer”, assegura.
 
No entanto, com o deepfake cada vez mais em evidência, já há uma grande preocupação sobre a ética e as consequências dessa tecnologia, tanto para o bem quanto para o mal. Bruno Sartori reconhece a responsabilidade de seu trabalho, ainda mais em um ano de eleições.
 
 
 

“O risco de um vídeo deepfake se tornar algo verdadeiro é muito grande. No momento, as pessoas estão tendo contato com esse tipo de técnica através de vídeos de humor, estão conhecendo a tecnologia ainda. Sinto muita responsabilidade no que eu faço. A popularização desses vídeos é algo importante porque faz as pessoas saberem que vídeos falsos existem”, analisa.
 
E o que não faltam são tentativas de difamar políticos e celebridades. Vários conteúdos pornográficos e notícias falsas já foram publicados com o uso da técnica. Um estudo publicado em 2019 pelo grupo de segurança online Deep Trace mostra que 96% dos vídeos de deepfake disponíveis na internet são pornográficos. Atrizes como Emma Watson e Gal Gadot, por exemplo, já tiveram seus rostos aplicados ao corpo de atrizes pornô.
 
Identificação
Há, entretanto, alguns sinais que permitem a identificação de deepfakes, já que o trabalho de inteligência artificial necessita de um ajuste fino por um ser humano. Ausência de separação entre os dentes, olhares para direções diferentes ou “descolamento” do rosto que permitem a duplicação de sobrancelhas são alguns dos problemas mais comuns. Bruno destaca que a maneira de identificar depende muito do contexto em que o vídeo é feito.
 
“A tecnologia tem evoluído tanto que hoje eu posso te dar uma dica e na semana que vem terem corrigido esse problema que aparece no vídeo e já não valer mais. No começo eu dizia que a boca tinha os dentes unidos, os olhos estavam olhando para locais diferentes. Mas, hoje, isso já foi corrigido. Os dentes já são perfeitos, os olhos não estão mais avoados e já estão olhando para o lugar correto”, exemplifica.
 
Morando em São Paulo desde março, quando foi convidado para desenvolver o trabalho com uma produtora, que acabou temporariamente suspenso por conta da pandemia, Bruno Sartori revela que desde os 15 anos já desenvolvia deepfake com políticos de sua cidade.
 
“Eu comecei fazendo vídeos humorísticos e sempre focando a política. Inicialmente eram animados em 2D. Com o tempo foi evoluindo para outros tipos de vídeos, formatos, e determinado dia, eu conheci a tecnologia do deepfake e me especializei”, explica Bruno que estava cursando direito em Unaí e estagiava no Fórum da cidade. “Como os meus vídeos começaram a bombar, passei a fazer palestras pelo país, dar entrevista, viajar muito, e aí tive que sair do meu serviço para cumprir essas agendas. Algumas produtoras passaram a me chamar para outros serviços, e acabei vindo pra São Paulo”, pontua.
 
Desafios
Para o jornalista e deepfaker, o grande desafio dessa tecnologia é o tempo da criação, sobretudo para processar os arquivos. “Às vezes um único trecho leva dois, três dias. Tem que formar o rosto de uma maneira adequada, por exemplo. Então, o processamento gráfico é uma das maiores dificuldades”, esclarece.
 
Por conta disso, um vídeo de poucos minutos pode levar até dez dias para ser finalizado. “Depende muito do que você quer. Se for para criar totalmente do zero, a gente tem que treinar um rosto, fazer ajustes. E, se quiser uma qualidade maior, com uma supermáquina, demora mais. Se a gente já tem um rosto pronto e quer uma qualidade menor, aí é coisa de um dia”, acrescenta.
 
As criações de Bruno não seguem um manual. Ele tem a ideia e aí a executa. Em algumas ocasiões, acaba fazendo o roteiro. “Mas tem vezes que crio as imagens primeiro e depois eu invento um roteiro em cima dessas imagens. Então não tem um passo a passo, um caminho certo a seguir. É muito aleatório”, esclarece. Toda a produção, criação e edição é feita por ele. A não ser que precise de dubladores para imitarem as vozes de seus personagens. Nesses casos, ele orienta qual deve ser a entonação, a maneira de falar. “Mas tudo passa por mim. Sempre”, salienta.
 
 

Fama, dinheiro e ameaças
Ser pioneiro e considerado “o rei das deepfakes” no Brasil trouxe a Bruno Sartori certa fama, reconhecimento e milhares de seguidores – hoje ele tem cerca de 400 mil no Instagram e 153 mil no Twitter. Aliás, toda vez que um vídeo seu bomba, ele ganha cerca de 40 mil a 50 mil seguidores nas redes sociais. Bruno revela que só recentemente começou a ganhar algum dinheiro com os vídeos.
 
“O meu trabalho tem gerado renda através do Apoia-se (plataforma digital colaborativa), em que qualquer pessoa pode deixar sua contribuição mensal. O YouTube paga, sim, alguns centavos, mas nada próximo do que é arrecadado com o Apoia-se”, frisa.
 
E por conta de toda essa exposição, o jornalista também tem sofrido ameaças, principalmente, após o famoso vídeo da “Cloroquina”. “Já teve ameaça de morte, de tortura, de estupro. Já clonaram o meu cartão e divulgaram os meus dados e os da minha mãe na internet. Mas a gente leva pra Justiça, porque é assim que tem que lidar com bandido”, avisa.

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!