O fenômeno, claro, não está unicamente ligado ao surgimento do novo coronavírus - mas, sim, a pandemia deu uma "forcinha". Um levantamento recentíssimo, obtido com exclusividade pela CNN junto ao Conselho Nacional de Farmácias, apontou que quase 100 milhões de caixas de medicamentos controlados foram vendidas em 2020, o que representaria um salto de 17% na comparação com 2019. Na verdade, um ano antes, ou seja, antes da ameaça da Sars CoV-2, a Funcional Health Tech, empresa voltada à gestão da saúde, já havia mostrado que o uso desse tipo de medicamento no Brasil tinha crescido 23% entre 2014 e 2018. 

Por trás de cada consumidor que engrossa essa inquietante estatística estão rostos como o da escritora e roteirista Tati Bernardi. Hoje com 41 anos, a paulistana publicou, há cinco, o livro autobiográfico "Depois a Louca Sou Eu" (Companhia das Letras), no qual compartilhava com o leitor suas crises de ansiedade, episódios de síndrome do pânico e a descoberta do universo dos remédios tarja-preta (ou de receita controlada), que por alguns momentos lhe davam alento. A obra falou tanto à alma das pessoas que virou best-seller. Agora, a adaptação chega às telas com a mineira Débora Falabella na pele de Dani, espécie de alter-ego de Tati. Tal qual a sua fonte de inspiração, a personagem escreve para a "Folha de S. Paulo" e vai percebendo, com justificada satisfação, seu talento ser reconhecido.

Até aí, tudo magiclick, como diria a velha propaganda, não fossem seus constantes ataques de pânico. Aliás, ela nem sabe muito bem precisar quando foi o primeiro. Fato é que a ansiedade não permite que Dani sequer tenha uma vida afetiva "normal". Na verdade, nem com os amigos ela se permite relaxar - a tal ponto, que escapole de uma comemoração que ela própria agendou. "Depois a Louca Sou Eu" tem direção de Julia Rezende e ainda traz, no elenco, Yara de Novaes (Silvia, mãe de Dani), Gustavo Vaz (Gilberto, crush) e Débora Lamm (consteladora), além de Elizângela, Cristina Pereira, Evandro Mesquita, Rômulo Arantes e outros não menos importantes.

O filme, na verdade, estava em vias de ser lançado quando a pandemia entrou em cena, se incumbindo de fechar os cinemas. Neste momento atual, em que é possível assistir às produções na tela grande, presencialmente, ele adentra várias salas brasileiras com muito potencial de atingir uma boa bilheteria. Em parte, pelas excelentes performances de Débora e Yara, ambas irretocáveis. Mas, igualmente, pela própria conexão que a narrativa estabelece com o estado de ansiedade gerado pela pandemia, não bastasse o fato de esse sentimento já ser uma característica atrelada aos tempos modernos. 

Em entrevista coletiva realizada na última segunda-feira, atores e a diretora, além da produtora Marisa Cardoso, falaram a cerca de cem jornalistas de todo o país sobre a empreitada, que já foi exibida no Festival de Cinema do Rio e na Mostra de Cinema de São Paulo. Logo de início, Julia Rezende contou que assim que leu o livro de Tati Bernardi (antes mesmo de ser oficialmente lançado) já sabia que iria levá-lo para a tela. "Virei uma madrugada lendo e, no dia seguinte, já liguei pra ela dizendo: 'A gente tem que fazer esse filme'. Porque é a história da nossa geração. Essa geração Rivotril, na qual está todo mundo medicado, tentando lidar com a ansiedade". 

Uma situação que, como já dito, vem de antes da pandemia. "Já havia esse movimento, com as redes sociais, a comparação, as expectativas... Então, acho que a Tati conseguiu retratar com humor uma história que, na verdade, é muito dramática, a de uma mulher que está tentando sobreviver a si mesma. A lidar com suas angústias. Mas, ao mesmo tempo, uma mulher forte, pois, apesar dessas dificuldades que por vezes a paralisam, está sempre indo em frente. Ela vai buscar ajuda, tentando compreender o que acontece com ela".

Mas a diretora reconhece que a adaptação do livro para o écran foi uma instância muito desafiadora. "Porque o livro tinha essa personagem muito bem definida, tinha muitas situações e histórias que de fato viraram cenas do filme. Mas não tinha começo, meio e fim, não era uma narrativa linear. E o nosso roteirista foi muito sagaz nesta adaptação, acho que conseguiu construir um roteiro vertiginoso, com um ritmo frenético em muitos momentos. Na própria escrita, já era um roteiro imagético. Foi desafiador adaptar um texto que já propunha caminhos estéticos e narrativos, mas fiquei bastante feliz com o resultado".

Débora Falabella, por sua vez, contou que já tinha lido o livro de Tati Bernardi. "Adorava o modo como ela escrevia, aliás, eu e a Yara (de Novaes), a gente comentava muito sobre os textos dela e se identificava muito. Então, essa história começou lá de trás". A mineira revela que vez ou outra falava com a escritora que, se porventura a obra virasse filme, gostaria de fazer. "Mas jogando, sem nenhuma expectativa (risos)". Quando Julia a convidou, não havia ainda o roteiro. "Então, ali, claro que eu tinha a imagem da Tati, porque ela é a autora daqueles textos. Eu ficava tentando entender o humor dela. Mas quando o roteiro chegou, ficou muito claro que eram personagens diferentes, apesar de terem histórias parecidas, de ter sido baseado na vida da Tati. Vi que não era cópia, eu teria que dar vida a uma outra pessoa, criar a minha própria personagem"

Neste caldeirão, Débora conta que entraram também tanto as experiências pessoais da equipe quanto as ligadas também a amigos, "a muitas pessoas que passaram por isso". "Eu tinha muitas referências em relação a isso que acontecia com ela. A gente também chegou a percorrer um pouco esses lugares que a personagem Dani buscou, tanto a consteladora familiar quanto um psiquiatra, nesse caso para entender os efeitos dessas medicações. E no final, acho que criamos uma personagem muito forte, tanto que a gente foi capaz de fazer um 'Diário da Quarentena' (espécie de spin-off, exibido em forma de websérie, e que teve milhões de visualizações). Porque ela já estava muito dentro de mim. E acho que quando você tem um personagem forte, você faz qualquer coisa com ela".