Tudo estava planejado. Com repertório definido, as gravações começaram logo depois do Carnaval, e o disco seria finalizado, incluindo mixagem e masterização, ainda no primeiro semestre. O lançamento estava previsto para agosto. Porém, havia uma pandemia – e todas as suas consequências – no meio do caminho, e o roteiro teve de ser antecipado. Nesse ritmo de readequações, “Será que Você Vai Acreditar?”, sexto álbum da carreira solo de Fernanda Takai, chega nesta sexta-feira (10) às plataformas digitais.
Gravando durante o isolamento imposto pela quarentena no estúdio que tem em casa, Takai se juntou ao companheiro de Pato Fu e marido, John Ulhoa, que tocou todos os instrumentos e fez os arranjos para dar vida a um trabalho que, embora não tivesse sido assim pensado, tem tudo a ver com esse período de incertezas em que vivemos. As músicas guardam melancolia e delicadeza na mesma medida e funcionam tal qual o registro de um tempo que nos confronta com suas próprias ambiguidades e desafios, como um turbilhão de sentimentos colocados em canção.
Para Takai, esse alinhamento das músicas com o tempo presente não passa de coincidência. “Sou supercética, mas parece mesmo que as músicas foram feitas para a pandemia, as letras ficam até mais carregadas”, pondera. A cantora diz que “Será que Você Vai Acreditar?” foi um alento e ela pôde experimentar musicalmente com John e aliviar a cabeça enquanto o futuro, pelo menos no curto e médio prazo, se apresenta incerto. “O disco tem esse carrossel de emoções que vivemos atualmente, uma toada de melancolia, mas, mesmo na angústia, ele tem beleza. Espero que seja relevante na minha discografia”, afirma.
Toda essa montanha-russa de sentimentos ganha contorno nos arranjos de John, que também assina a produção do disco, e na voz às vezes quase sussurrada da compositora. Em dez faixas que transitam por ritmos diversos como o pop, a bossa, o eletrônico e a disco music, o clima pode ir da desesperança à doçura, do questionamento existencial ao mínimo otimismo.
Primeira faixa do álbum, “Terra Plana” é uma cantiga – e um conselho – de John, autor da letra, e Takai para a filha do casal, Nina, de 16 anos. A canção também fala de envelhecer e coloca questões sobre a passagem do tempo. Na sequência, “Não Esqueça”, apesar de ter sido composta há muitos anos pelo poeta gaúcho e parceiro da dupla, Nico Nicolaiewski, que faleceu em 2014, segue a mesma onda, inclusive com um verso até profético: “Não esqueça que é tudo ilusão/ Não esqueça de lavar as mãos/ Eu te digo, minha filha/ Não esqueça de se apaixonar/ Não esqueça de ligar pra me dizer/ A que horas vai voltar”. Ambas as canções foram os singles escolhidos para aguçar a curiosidade dos fãs e promover o álbum antes do lançamento.
Takai diz que ela e o marido pensam muito em questões como o envelhecimento, o tempo que têm para realizar projetos e sonhos, e que mundo essa geração vai deixar para as próximas, sem esconder a decepção com os rumos que o Brasil tem tomado. “Nosso país está dando tanta ré em conceitos, preconceitos. Achávamos que seria uma fase muito dura, mas é muito pior do que qualquer um de nós poderia imaginar. Leva-se muito tempo para construir, mas para destruir é muito rápido”, comenta.
Uma das últimas a entrar no repertório, “Corações Vazios” merece ouvidos atentos à letra de John: “Talvez você insista/ Que o mundo é dos espertos/ E que agora é a vez/ Da santa estupidez/ Mas seu ponto de vista/ Duro como cimento/ Não dura muito tempo”.
Marca registrada na carreira solo da compositora, as releituras também aparecem em “Será que Você Vai Acreditar?”, com destaque para “Love Is a Losing Game”, sua preferida do repertório de Amy Winehouse, que ganha uma bossa a mais no jazz da versão original, e “One Day in Your Life”, hit na voz de Michael Jackson, que a lançou em 1975. “Essas regravações escancaram meu lado fã, são pessoas que escuto muito. Vou fazendo uma lista no meu caderninho, e essas duas estavam povoando minha mente. Agora foi o melhor momento”, pondera Takai.
“Who Are You” fecha o disco em tom mais sombrio, com letra de Takai em inglês. A música flerta com uma psicodelia pop eletrônica e lembra a banda Portishead, que a cantora elenca como uma de suas influências. O álbum também reforça o desejo de Takai de sempre se cercar de parceiros e transformar o disco solo em um projeto que envolva outros artistas e que precisa de outras mentes e ideias para funcionar.
Dessa vez, ela divide letra e vocal com a paulistana Virginie Boutaud, que integrou a banda Metrô nos anos 80, em “O Amor em Tempos de Cólera”. Com a artista pop japonesa Maki Nomiya, surge a bilíngue “Love Song”. “Tenho isso de mostrar que é uma carreira solo, mas preciso de outras pessoas. Chamar essas pessoas para um trabalho é o melhor jeito de demonstrar que gosto delas, que há uma sintonia".
Sem pressa
Em agosto, Takai completa 49 anos de idade e quase 30 de carreira, e o tempo traz consigo, ela diz, mais de discernimento e maturidade. Ela não tem pressa: não está programando lives de lançamento do álbum, tampouco vai correr às redes sociais para improvisar alguma apresentação de uma música ou outra. “Vou esperar o tempo que for para poder colocar esses shows no cenário, com plateia, abraçar as pessoas depois do show. Vai demorar um pouquinho, mas isso requer também uma administração ansiedade”, comenta.
O disco
Sexto disco solo de Fernanda Takai, “Será que Você Vai Acreditar?”, lançado pela gravadora Deck, tem dez faixas e chega nesta sexta às plataformas digitais. A edição CD só sairá quando as fábricas de discos voltarem às atividades. As ilustrações da capa são do artista plástico Renato Larini.