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'É um pesadelo o que está acontecendo no Brasil', desabafa Arthur Moreira Lima

Pianista participa de live da Orquestra Sesiminas Musicoop nesta quarta-feira (17); ao Magazine, ele critica o governo Bolsonaro, fala sobre música e seus quase 80 anos

Por Bruno Mateus
Publicado em 17 de junho de 2020 | 07:01
 
 
 
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Da varanda de seu apartamento em Florianópolis, Arthur Moreira Lima gosta de vigiar a lua nascer no mar. Nas últimas semanas, o tempo fechou e faz frio, e o clima cinza da capital catarinense, onde mora com a esposa, Margareth, parece ser o cenário ideal para os sentimentos do pianista. “É uma angústia universal”, ele diz. A incerteza do que virá nem é tanto o que causa essa sensação – na realidade, ele nem quer saber como será o futuro, tampouco faz planos: “O desejo leva, inevitavelmente, à frustração. Então é melhor não achar que vai ser tudo uma beleza”.

Ao mesmo tempo em que deixa transparecer certo aspecto ranzinza, o que também sobressai desse homem prestes a completar 80 anos é um bom humor irresistível, uma irreverência marcante, piadas e memórias engraçadas. Arthur Moreira Lima não é um só. “Você já viu alguém ser engraçado todos os dias, inteligente todos os dias, engraçado todos os dias?”, questiona.

E até quando fala sobre política, campo em que ele sempre deu pitacos e até tem experiência real, ele mistura deboche com indignação. Nos anos 90, Moreira Lima foi subsecretário de Cultura do então governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, quando a pasta era chefiada pelo antropólogo e escritor mineiro Darcy Ribeiro. Filiado ao PDT à época e, desde 2011, ao PSB, o pianista não quer ser repetitivo e comentar muito nosso cenário atual, como numa espécie de automedicação psicológica contra aborrecimentos que o assunto traz, mas não poupa críticas à gestão de Jair Bolsonaro.

“É um pesadelo o que está acontecendo no Brasil. Estou extremamente pessimista, acho que é daí para pior”, diz. “Tenho temor pelo que vai acontecer ao Brasil, está faltando uma liderança para organizar o país”, completa. Quem quiser ouvir o que Arthur Moreira Lima tem a dizer sobre política, cultura e sua fantástica carreira pode fazer isso de casa.

Isso porque nesta quarta-feira (17), a partir das 21h30, o pianista carioca é o convidado da live “Dando Corda”, da Orquestra Sesiminas Musicoop, que acontece semanalmente neste período de quarentena. O tema da conversa, que será transmitida no Instagram da companhia, é “Histórias de um Pianista Viajante”, e esse é um assunto que se encaixa com perfeição na trajetória de Arthur Moreira Lima.

Há 17 anos, ele mantém o projeto Um Piano pela Estrada, iniciativa pioneira na música clássica brasileira e que levou música aos quatro cantos do país de forma democrática, gratuita. Em vez de um teatro (que muitas cidades nem possuem), uma praça pública; no lugar de um recinto fechado, árvores e a luz dos postes iluminando a plateia. Em um caminhão-teatro completamente adaptado para a realização de concertos, Moreira Lima se apresentou para espectadores de todos os Estados; alguns deles nunca haviam visto um piano na vida.

Desde 2003, o projeto percorreu mais de 500 mil quilômetros, das capitais ao Brasil mais profundo e sem estrutura, realizou cerca de 600 concertos e reuniu mais de 1 milhão de pessoas. É essa reunião o fruto mais bonito da iniciativa, que teve a semente lançada em uma turnê por Minas Gerais, em 1990, quando ele começou a levar seu piano para algumas apresentações. “O que vi de mais bonito foi o congraçamento das pessoas em torno da música. As crianças vinham, meninos de rua corriam perto do palco, uma sensação maravilhosa”, ele diz. Na sequência, emenda, orgulhoso: “E é um caminhão lindíssimo, muito bem aparelhado”.

A amizade entre Moreira Lima e o bandoneonista e compositor argentino Ástor Piazzolla, que se conheceram em meados dos anos 70, também deve ser um dos assuntos da live. Em 1997, o brasileiro realizou o sonho de gravar um álbum com obras do autor de “Adiós Nonino”, clássico que ganhou uma interpretação ao piano. “Ele é um dos mais importantes compositores do século XX”, ressalta o compositor.

80 anos

Nascido no Rio de Janeiro, Arthur Moreira Lima começou a estudar piano aos 6 anos e, aos 9, já tocava um concerto de Mozart com a Orquestra Sinfônica Brasileira. Uma década depois, foi estudar em Paris e, em 1963, ganhou uma bolsa no Conservatório Tchaikovsky, em Moscou, o mais prestigiado centro de formação de pianistas do mundo. Ao todo, foram 20 anos na Europa e a consolidação de uma trajetória brilhante, recheada de prêmios e consagrações.

Na volta ao Brasil, em meados dos anos 70, a reconexão com o choro e o samba ajudou a definir a música de Moreira Lima – erudita sem ser excludente, popular sem ser superficial, conseguindo mesclar Chopin, Bach, Villa-Lobos e Pixinguinha.

Daqui a um mês, no dia 16 de julho, ele completa 80 anos. Do menino-prodígio ao pianista consagrado, o que não falta é história, material farto para entrevistas. Por conta da pandemia, não está preparando nada em especial – ele conta que não tem praticado piano nem feito grandes planos para os próximos meses. “Como diz um amigo, não há de ser nada, dias piores hão de vir”, graceja. Ao fim da entrevista, se despede, conta mais uma piada e arremata, citando Nelson Rodrigues: “Sem paixão e sem humor você não faz nada, não chupa nem um picolé”.

Live

Apresentada pelo maestro convidado Marco Antônio Maia Drumond, a live “Histórias de um Viajante” será transmitida pelo Instagram da Orquestra Sesiminas Musicoop e terá como foco a trajetória de Arthur Moreira Lima, um dos maiores pianistas clássicos do mundo.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Na expectativa para saber o próximo entrevistado do Dando Corda? ❤ ⠀ O pianista Arthur Moreira Lima! 🎹 ⠀ Considerado uma das mais importantes personalidades da nossa cultura, estudou com Lúcia Branco (Rio de Janeiro), Marguerite Long e Jean Doyen (Paris), formando-se no Conservatório Tchaikovsky (Moscou), na classe de Rudolph Kehrer. ⠀ Desde 2003, percorreu mais de 500.000 km e mais de 600 concertos, em todas as unidades da federação, o interior do Brasil inteiro, em seu caminhão-teatro, já tendo tocado para cerca de 1 milhão de pessoas, em lugares os mais distantes, que antes jamais tinham presenciado um concerto de piano. 😍🎵 ⠀ Dá para perder? De jeito nenhum, né? 😉 ⠀ #orquestrasesiminasmusicoop #orquestra #dandocorda #pracegover esta imagem possui texto alternativo #ficaemcasa #arthurmoreiralima

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