Criado em 1975, o Grupo Corpo estava planejando as comemorações dos seus 45 anos de atuações majestosas quando o telefone tocou. Do outro lado, estava a assistente do inquieto maestro Gustavo Dudamel, regente da prestigiosa Orquestra Filarmônica de Los Angeles, a LA Phil, apontada como a mais importante dos Estados Unidos pelo jornal “The New York Times”.
Prontamente aceito, o convite feito pelo regente era ousado: criar um balé a partir da música “Estancia”, do compositor argentino Alberto Ginastera (1916-1983), e apresentá-la junto da orquestra, no impressionante Walt Disney Concert Hall, a casa oficial da LA Phil, entre os dias 1º e 4 de outubro.
A experiência é inédita para a companhia mineira em vários sentidos. É a primeira vez que eles vão criar uma coreografia a pedido, e também será a primeira vez que vão se apresentar simultaneamente com uma orquestra.
“Foi uma surpresa muito legal receber esse convite, ainda mais vindo de quem veio”, conta Rodrigo Pederneiras, coreógrafo do Corpo. “Dá muito orgulho, pois a Filarmônica de Los Angeles é uma das orquestras que mais têm recursos; eles poderiam trabalhar com qualquer outra companhia do mundo, e nos escolheram”, comemora. “Confesso que tomamos um susto, não sabíamos que ele conhecia o Corpo”, afirma.
Após o convite, o diretor artístico Paulo Pederneiras e a diretora de programação Cláudia Ribeiro foram até Los Angeles para conhecer o Walt Disney Concert Hall. Completamente adaptado para as necessidades da orquestra, ele não tem um palco tradicional de teatro, como aqueles em que o Corpo costuma se apresentar.
O espaço diferente vai exigir adaptações na hora da criação da coreografia. “Apesar de não gostar dessa palavra, é um desafio danado. É um espaço novo, vamos ter que encontrar um formato diferente do que costumamos fazer. Vamos ter os limites da própria estrutura da sala”, avalia Rodrigo Pederneiras. “No fundo, tem um espaço do coro, que pode se tornar um platô, mas como um corredor, porque tem pouca fundura; tem escadas ao lado que podem ser usadas, essas coisas todas. Mas não existe coxia. Vamos ficar em cena o tempo todo”, completa.
O grupo só vai se debruçar sobre a elaboração dessa coreografia quando voltar justamente dos Estados Unidos, onde cumpre atualmente uma turnê de um mês, passando por cidades como Seattle e Portland. Mas, se a criação dos movimentos dos dançarinos será instigante, a música não será problema. “Estancia” é uma peça muito conhecida na Argentina, onde Rodrigo morou por algum tempo. “É uma música de balé, que só foi apresentada na íntegra nos anos 50”, detalha. “É uma narrativa, conta a vida de um dia de trabalho em uma fazenda – a estância do título – na Argentina”, continua. “Além de ter momentos muito fortes e ritmados, o último movimento é uma pancada”, completa. A pauleira não é por acaso, já que a obra de Ginastera influenciou bandas de rock como Pink Floyd e Genesis.
Adaptação
Guardadas as devidas proporções, é inevitável olhar para o ambiente do Walt Disney Concert Hall e não se lembrar da Sala Minas Gerais, sede da Filarmônica mineira. Segundo Rodrigo, a possibilidade de adaptar por aqui o que for feito em Los Angeles já passou, sim, pela cabeça do grupo, mas o foco segue todo nas apresentações que os dançarinos têm pela frente.
“Mas quem sabe a gente não faz outra coisa, inicia esse movimento participativo de orquestras e corpos de baile juntos, criando em conjunto?”, pontua. “Essa mescla, inclusive, é justamente a proposta do Dudamel, que é uma coisa bem maluca, se for pensar”, diverte-se.
Celebração
Antes de cumprir as datas com a LA Phil, o Corpo vai se apresentar em agosto e setembro para, aí, sim, comemorar os seus 45 anos de atuação. Serão três programações duplas, reunindo as coreografias “Bach” e “Onqotô”; “O Corpo” e “Gira”; e “Gil” e “Lecuona”. As datas ainda serão confirmadas.
Garoto-prodígio
Aos 39 anos, o maestro Gustavo Dudamel é um fenômeno. Diretor musical da Filarmônica de Los Angeles desde 2009, ele começou sua carreira com apenas 5 anos, tocando violino na Venezuela. Apesar de comandar uma das orquestras mais importantes do mundo, ele não restringe sua atuação ao campo erudito, espalhando colaborações com gente como John Willians, compositor de trilhas sonoras de filmes como “Star Wars”.