18ª Semana de Museus

Equipamentos mineiros investem na programação virtual

Este ano, o tema escolhido para nortear as ações de instituições mundo afora foi “Museus para a Igualdade: Diversidade e Inclusão

Por Patrícia Cassese
Publicado em 18 de maio de 2020 | 18:05
 
 
 
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Foi em 1977 que o 18 de maio foi consagrado como Dia Internacional de Museus pelo Conselho Internacional de Museus  (International Council of Museums - Icom), instituição também responsável por, a cada ano, definir o tema que conduzirá as iniciativas idealizadas. “Museus para a Igualdade: Diversidade e Inclusão” foi o norte escolhido para este 2020. Mas desta vez, claro, tudo vai ser diferente. Com uma pandemia em curso, todas as atividades presenciais foram, naturalmente, canceladas - mesmo porque, a maioria dos museus e equipamentos mundo afora ainda está com as portas fechadas (alguns, na Europa, começam a se preparar para voltar paulatinamente a receber público).
 
Este ano, aliás, o Icom-Brasil divulgou, em seu site oficial, uma carta aberta à comunidade museal sobre a situação do país. Um trecho dela (confira a íntegra ao fim da reportagem) diz: "Estamos celebrando o Dia Internacional de Museus 2020 em meio ao pico da pandemia da Covid no Brasil. Em plena agitação das ações digitais de museus em todas as regiões do país, pedimos um momento de silêncio. Silêncio pelo sofrimento das perdas e pela angústia das incertezas. Silêncio, como reflexão coletiva, para repensarmos nossos valores comuns e mobilizarmos as mudanças necessárias para uma ação museal capaz de contribuir para a travessia dessa crise global".
 
Mesmo mediante um cenário desolador, muitos museus e equipamentos culturais acabaram pensando ações virtuais para se conectarem com o público não só no curso desta segunda, mas até o dia em que se encerra oficialmente a Semana de Museus: 24. A Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais (Secult) programou atividades nas redes sociais de seus sete museus. De acordo com o secretário de Estado de Cultura e Turismo, Leônidas Oliveira, a programação da Semana dos Museus é fundamental para que a Secult, por meio dos museus do Estado, continue oferecendo conteúdo de qualidade a seu público. “O período de distanciamento tem nos mantido em casa, mas isso não quer dizer que as atividades estão paralisadas. Temos pensado e executado  sistematicamente ações e conteúdos diversos para que nosso público continue tendo acesso à arte e à cultura, e as visitas online aos museus são uma dessas iniciativas. Mesmo após a pandemia vamos aprimorar e diversificar essas ações remotas”, conta ele, que assumiu recentemente a pasta.
 
Nesta segunda, às 19h, o Museu Casa Alphonsus de Guimaraens, em Mariana, fará uma live no Instagram com o tema “Museus para a Igualdade: Diversidade e Inclusão - Alô, Poesia e Suco de Papel Artificial – relato de experiência de trabalho com pacientes da saúde mental da cidade de Mariana”.
 
Na live (@museualphonsus), serão abordadas questões como o uso da arte durante o processo de tratamento de saúde mental, a abertura das instituições públicas aos pacientes em tratamento e a chamada luta antimanicomial, já que o dia de hoje também é o Dia Nacional da Luta Antimanicomial. Ainda nas redes do Museu Casa Alphonsus de Guimaraens acontece, durante toda a semana, o “36º Sarau Lítero-musical Cantando Alphonsus”. O evento é realizado em parceria com a Academia Marianense de Letras, Ciências e Artes e tem o objetivo de aprofundar os estudos sobre a obra do poeta simbolista, aproximando o público, de diversas idades, desse ambiente secular. Por conta do distanciamento social, neste ano o museu também irá publicar, diariamente em suas redes sociais, vídeos de estudantes recitando poemas de autoria de Alphonsus de Guimaraens.
 
Os demais espaços da Secult seguem com ações nas redes como informações sobre as edificações, os acervos e curiosidades das sete instituições integrantes da Diretoria de Museus. A dimensão lúdica dessas iniciativas fica por conta de um quiz com perguntas diversas, publicado semanalmente nas redes dos espaços, para testar a memória e o conhecimento dos visitantes. Os espaços participantes são o Museu Mineiro, Centro de Arte Popular, Museu dos Militares Mineiros, Museu Casa Guimarães Rosa, Museu Casa Alphonsus de Guimaraens, Museu Casa Guignard e o Museu do Crédito Real.
 
O Circuito Liberdade é outro a oferecer atrações. Caso, por exemplo, do Memorial Vale.  Nesta segunda, às 19h30, pois, será disponibilizado o show inédito “Chico Lobo - 35 anos - Histórias e Cantorias” . E no sábado (23/5), às 17h e no domingo, às 10h, serão exibidos vídeos exclusivos da performance “Em Nós: a Dança Afro de Marlene Silva”, uma homenagem à  pioneira da dança Afro em Minas, dentro do projeto Diversidade Periférica. Marlene, vale lembrar, faleceu recentemente, e a disponibilização dos vídeos entra também como uma homenagem a ela. "Pioneira da dança afro não só de Minas como do Brasil, exalta Wagner Tameirão, gestor do Memorial. 
 
Aliás, Tameirão lembra que a proposta da 18ª Semana de Museus do Instituto Brasileiro de Museus vem ao encontro de uma linha que que o Memorial já vem investigando no curso de sua trajetória. "E que aprofunda a cada ano, tendo em vista que acessibilidade e inclusão são temas que merecem amadurecimento por parte de todas as instituções culturais e novos caminhos e iniciativas". Diante da imposição da necessidade  de isolamento, Wagner Tameirão diz que o Memorial procurou montar uma programação resgatando justamente um pouco dessa sua trajetória, "que a gente vai mostrar por meio de nossas redes sociais, também pegando aí depoimentos e impressões de parceiros com os quais já contamos para falar da importância do tema dentro dos espaços culturais". Não só. "E, durante essa semana, preparou várias publicações fazendo menção a trabalhos que a gente já fez. Tem o resgate do projeto 'Primeira Infância', destinado a crianças até cinco anos; o 'Boa Noite, Memorial' e também o já citado 'Diversidade Periférica', que atua nas periferias de BH. Ah, sim, e um show inédito do violeiro Chico Lobo". 
 
Em entrevista ao Magazine, Chico Lobo falou sobre a iniciativa. "Estou muito feliz, é uma ação fantástica que vem diretamente em auxílio aos artistas que estão privados de poder trabalhar, de poder ter um contato direto com o público, em shows, e aí se iniciam as lives, e o Memorial, num gesto de sensibilidade incrível, passa a valorizar o artista levando para sua programação online, já que os shows não podem acontecer
presencialmente. Que outras instituições possam seguir esse exemplo e que o músico de Minas Gerais, onde há uma cultura tão rica, possa ter as mãos estendidas por todos nesta sociedade, e que juntos possamos vencer a pandemia".
 
Chico Lobo frisa que o show foi produzido na sua casa, em quarentena. "Isso é muito bonito, pois é da minha casa para o museu e para a casa de cada uma das outras pessoas (que vão assistir"). Sobre a apresentação propriamente dita, ele diz passa muito pela sua trajetória profissinal que já soma mais 35 anos de amor à viola caipira. "Eu tentei passar, em 45 minutos, um apanhado da minha relação com a cultura de Minas. E a viola é um instrumento muito importante nessa cultura, por isso ganhou registro de patrimônio imaterial da cultura de Minas, então, passo um pouco a minha relação com as folias de rei e congados, que moldaram muito o meu início de carreira. Passo também por uma religiosidade incrustada no barroco de São João del-Rei, de onde  venho, e canto um pouco as Minas Gerais, as montanhas e igrejas, esse barroco tão fantástico".
 
E também por causos. "Não tem como não contar causos. Apresento um causo de São Gonçalo, violeiro protetor dos violeiros. Veja, o causo está intimamente ligado com a viola caipira. E trago também músicas novas, que estão no meu CD, que estou produzindo, com previsão de lançamento para setembro, em plena quarentena". 
 
A pandemia, diz ele, aflorou muito o seu lado criativo. "Tenho composto muita coisa", revela. No show, Chico Lobo recebe dois convidados. "Muito especiais, aliás. O Moisés Navarro, que tenho orgulho de dizer que ele estreou em palco num show meu no Memorial da Vale, presencial. Um grande artista, grande cantor, vai chegar com muita força. E também o meu parceiro Tatá Sympa, de mais de 30 anos de amizade. A gente canta junto, a música 'Maria da Cidade e Sertão', cuja letra escrevi numa viagem que fiz num trem da Vale, de BH a Vitória, imaginando um Brasil cortado em ferrovias. E sou de São João del-Rei, onde tem a Maria Fumaça até hoje. Tatá gravou num disco dele. É uma parceria minha com o Zé Alexandre, então, a gente apresenta ela também e já antecipa mais duas músicas novas do CD, que têm uma relação direta com o sertão de Guimarães Rosa. FIco feliz de ser disponibilizado no Dia Internacional dos Museus, pois acho que a viola é fantástica para isso, e quis mostrar esse amplo leque do instrumento".
 
Tatá Sympa e Moisés Navarro, claro, gravaram de suas casas. No repertório do show, além das novidades, constarão as músicas “Maria”, moda de viola que Maria Bethânia gravou no disco de Chico Lobo; “Matuto e Causo do São Gonçalo” (instrumental); “Viola de Terreiro”; “Viola de Minas”; “Luarão”, com participação de Moisés Navarro; “Caipira”, “Sertão” e “Sagrado Em Meu Olhar”.
 
Na Casa Fiat, ações que já estavam em curso no #MuseuWeek, semana passada, têm continuidade. "Desenvolvemos três eixos principais de programação nas redes sociais, como os vídeos com a equipe do programa Educativo, no qual as educadoras fazem a mediação de importantes obras de arte que já passaram pela Casa Fiat, como a 'Medusa', de Caravaggio. Temos também, já disponíveis no site e nas redes sociais, vídeos sobre a exposição de 'Roma', a de Portinari... Então, estamos focando vários aspectos de uma obra ou de uma temática e disponibilizando ao público o conhecimento desenvolvido. Em paralelo, começamos a oferecer o download gratuito dos catálogos de exposições como as de (Marc) Chagall, (Auguste) Rodin, Tarsila (do Amaral) e Caravaggio", conta Ana Vilela, gestora cultural do equipamento.
 
O Museu de História Natural e Jardim Botânico da UFMG, por sua vez, preparou um conteúdo especial em áudio, reunindo aulas, conversa e contações de histórias. Os episódios do CutiaCast serão lançados todos os dias, às 10h, até o dia 22. Hoje, a bibliotecária Carla Cristina conta a história do livro "O Silêncio de Júlia", de Pierre Coran e Mélanie Florian. Já amanhã, a psicóloga e fotógrafa Marta Alencar, que desenvolve o projeto Tina Descolada, fala da sua boneca cadeirante e aventureira, que, com suas amigas e amigos, ajudam Marta a trabalhar o tema da diversidade com crianças. No dia 20, Ricardo Albino conta a história "Rapidinho Teimoso", de sua autoria, e "Valentina Descolada em: Eu Sou seus Olhos e Você as Minhas Pernas", inspirada no livro de imagens de Marta Alencar. DIa 21, a professora Maria das Graças Lins Brandão ensina sobre o uso tradicional e científico de plantas úteis e medicinais, especialmente as de origem africana e ameríndia. E por último, no dia 22, o professor Carlos Magno Guimarães ensina sobre a realidade dos quilombos no contexto da sociedade mineira escravista colonial. 
 
Em outras cidades.  Sérgio Rodrigo Reis, diretor do Museu de Congonhas, fala das ações por lá: "O Museu de Congonhas está muito alinhado com o tema deste ano da Semana de Museus, com uma série de ações que partem deste norte. A gente quer fazer um museu totalmente acessível, mesmo no período de pandemia. Então, o que a gente está fazendo é levar o nosso conteúdo, o trabalho que a gente faz, que é tão importante para nós e para a humanidade - porque, afinal, a gente está fala de um patrimônio que é do mundo, que é o santuário de Bom Jesus do Matozinhos. Neste momento em que o museu está fechado, o objetivo é tornar esse trabalho acessível para todo mundo, utilizando os meios virtuais que a gente tão bem já emprega aqui, na cidade, que intensificou nesse período de pandemia".
 
Tem ações do Museu Regional de São João del-Rei também. Hoje, a partir das 19h, ocorre a live “Proseando sobre o objeto devocional musealizado”, com participação do historiador e coordenador do curso de Museologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), professor Jezulino Lúcio Mendes Braga, e do arquiteto, museólogo e diretor do Museu de Arte da Sacra de Paraty,  Julio Cezar Neto Dantas. A segunda live ocorre na quarta-feira (20), também às 19h, com o historiador e  mestrando em História pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), Lucas Rodrigues. Intitulada “Oratórios Domésticos: devoção e arte em Minas Gerais”, a apresentação aborda a posição destas peças na história, cultura e religiosidade do estado e sua ressignificação a partir do momento em que se tornam objetos musealizados.
 
Confira, a seguir, a íntegra da carta do Icom-Brasil: 
"Estamos celebrando o Dia Internacional de Museus 2020, com o tema 'Museus para igualdade: diversidade e inclusão, em meio ao pico da pandemia da Covid-19 no Brasil. Em plena agitação das ações digitais de museus em todas as regiões do país, pedimos um momento de silêncio. Silêncio pelo sofrimento das perdas e pela angústia das incertezas. Silêncio, como reflexão coletiva, para repensarmos nossos valores comuns e mobilizarmos as mudanças necessárias para uma ação museal capaz de contribuir para a travessia dessa crise global.
No Brasil, a crise da Covid-19 é também a manifestação da profunda desigualdade social e da falta de amparo para os trabalhadores em situação precária e para os mais empobrecidos. Os museus – seguindo as orientações da OMS – seguem fechados e enfrentam o desafio das perdas econômicas, as reduções de jornadas de trabalho, as demissões de suas equipes e a fragilização de suas infraestruturas. A maioria dos profissionais está confinada, mas há trabalhadores em funções imprescindíveis, com os de conservação, segurança e manutenção, que seguem arriscando suas vidas para proteger nosso patrimônio. A eles prestamos homenagem e agradecemos especialmente nesta data simbólica.
Neste momento de crise, os museus devem tanto buscar proteger os seus profissionais – vários deles técnicos em atividades muito especializadas –, quanto servir de plataforma para as aspirações e as necessidades de suas comunidades e de seus territórios. Nessa travessia em tempos de tormenta, os museus podem – com potência – nos ajudar a resistir, ativando memórias, nos lembrando quem realmente somos e quais são os nossos valores; registrando o presente, os desafios do cotidiano em confinamento, os lutos, e a grande transformação social que estamos vivendo; e projetando o olhar para o futuro que virá após a crise. Esse futuro começa agora, e a solidariedade será imprescindível para a construção de um mundo mais igualitário, diverso e inclusivo. Nessa semana de museus propomos que os museus brasileiros se norteiem pelo princípio da solidariedade, com os seus profissionais, com suas famílias e com a sociedade.
Os museus devem repensar sua função diante do impacto econômico e do fosso de desigualdade exposto entre nós, reconhecendo sua responsabilidade para com a regeneração social e cultural brasileira. Não há mais como existir sob o lastro de uma elite social, a espera de financiamento público. Desde a Mesa Redonda de Santiago de Chile, há quase 50 anos, os profissionais de museus da América Latina debatem sistemática e proficuamente a função social dos museus. Na última década, observamos o estabelecimento de pequenos e potentes museus de comunidades vulneráveis, como os museus de favela, quilombolas e indígenas. É nesse contexto, diverso e plural, que o Estado deve proteger e apoiar as instituições museais continuamente, estabelecendo políticas, disponibilizando meios e recursos.
A ação dos museus no presente, acolhendo os cidadãos, voltada para o bem-estar coletivo é imprescindível e urgente. Os museus são instituições contemporâneas relevantes e potentes, atuantes na preservação e pesquisa dos seus acervos e na comunicação com seus públicos. Em meio aos profundos impactos desta crise, os museus do Brasil podem, também, liderar uma atuação solidária e cidadã e aprofundar a relação com seus territórios, conectando seus acervos e programas com os desejos, as necessidades e os interesses das comunidades. Precisamos reconfigurar a experiência museal para a comunidade, na comunidade, com a comunidade, de forma socialmente inclusiva e economicamente sustentável. Como aprendemos com Ailton Krenac, para combater esse vírus, para pensarmos um outro mundo possível, temos de ter primeiro cuidado e, depois, coragem."
 
 
 
 

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