Novidade

Ex-Suricato, Guilherme Schwab lança disco 'Tempo dos Sonhos'

Com um clipe para cada faixa, o cantor, compositor, produtor e multi-instrumentista mostra canções inspiradas no aprendizado do didgeridoo

Por Patrícia Cassese
Publicado em 04 de agosto de 2020 | 16:04
 
 
normal

O trabalho de Guilherme Schwab teve sua visibilidade ampliada há seis anos, quando o músico participou do programa "Superstar", da Rede Globo, como guitarrista do grupo Suricato, onde ficou até 2017. Antes, em 2015, a banda tocou no Rock in Rio e emplacou a canção “Trem” nas rádios.
 
Como se não bastasse, arrebanhou um Grammy Latino de Melhor Álbum de Rock Brasileiro, com “Sol-te”, além de ter tido canções incluídas em trilhas de novelas. Mas, paralelamente ao grupo, Schwab sempre manteve sua carreira solo como instrumentista, o que o fez acompanhar (em palcos, estúdios, programas de TV) nomes como: Pepeu Gomes, Baby Do Brasil, Erasmo Carlos, Caetano Veloso, Ney Matogrosso, Armandinho Macedo, Toni Garrido, Dinho Ouro Preto e Paulo Miklos, entre outros não menos importantes.
 
Num âmbito mais particular, Schwab sempre esteve atento no sentido de ampliar seus domínios para além da velha e boa guitarra, partindo, assim, por desbravar alguns instrumentos que, na verdade, nem são, assim, tão conhecidos no Brasil.
 
Caso do didgeridoo, instrumento de sopro oriundo dos aborígenes australianos e do qual virou um dos poucos afeitos por aqui. Aliás, tendo composto canções especialmente pensadas para o instrumento, o artista as reúne agora no álbum "Tempo dos Sonhos",
 
Além da regravação de "Tocando em Frente", de Renato Teixeira e Almir Sater, o álbum traz "Vem", parceria dele com Juliano Cortuah, "Hora e Lugar", "Seu Pra Sempre" e "Vamo Embora Viver" , repertório sobre o qual ele conversou com a reportagem do Magazine. Confira, a seguir, alguns tópicos abordados.
 
Interesse por instrumentos. "Na verdade, eu me considero um guitarrista. A guitarra é o meu porto seguro, é a ela que recorro quando tenho alguma dúvida em relação aos outros instrumentos. Mas o interesse por eles foi despontando naturalmente, não teve um clique. Começou quando ganhei uma viola caipira de um amigo. Como já tinha ouvido muito viola, foi muito tranquilo pegar. Depois, pintou um violão havaiano, e fui vendo que tinha facilidade para aprender instrumentos mesmo sem professor. Era uma maneira também de me aliviar, no sentido de uma renovação sonora: vou para outro instrumento e, quando volto para a guitarra, retorno revigorado. Mas, veja, não quer dizer que eu toque bem todos os instrumentos. Eu sou jornalista, então, essa coisa de querer partir para a pesquisa, é meio intrínseca à minha personalidade. Sempre tive essa característica de ir a fundo mesmo, pesquisar a cultura de onde o instrumento saiu... Com o tempo, comecei a me interessar por etnomusicologia, que é essa parte da antropologia que estuda música. E vi que tinha facilidade de aprender a tocar intrumentos variados, principalmente os de corda. Na verdade, acho que o estudo da música é infinito, somos sempre eternos aprendizes,  sempre buscando coisas novas, querendo melhorar. Eu, pelo menos, tenho essa sede. Então, para mim, o aprendizado é uma jornada sem fim.  A boa contrapartida é que vários produtores me convidam para gravar justamente por conta desse ecletismo, que virou uma assinatura minha.
 
De caso com o didgeridoo. Eu nunca estive na Oceânia, é um sonho. Mas tenho um amigo que morou na Austrália e mandou um link de um cara tocando didgeridoo. Acabou que nem cliquei de imediato. Um dia, do nada, resolvi assistir. E se deu um clique. Parecia que eu já conhecia aquele som de algum lugar! Nem sei se acredito em vidas passadas, mas me soou muito familiar. Comecei a pesquisar, mas, de início, achei que não ia rolar, porque tocá-lo demanda fazer uma respiração circular, que é o ato de inspirar sem parar de soprar, o sopro é contínuo. E é uma técnica meditativa. Mas na verdade não é tão difícil quanto parece - e o bacana do instrumento é a jornada, o aprendizado. Comprei um aqui mesmo, no Brasil (no interior de São Paulo), feito de bambu, e aprendi também sozinho, assistindo a vídeos na internet. Na verdade, fiquei treinando antes de ter o instrumento. Quando peguei, já estava com um pouco da técnica desenvolvida, assim, foi muito rápido. E foi realmente uma viagem muito bacana, porque você passa inclusive a controlar mais o seu aparelho respiratório. Fora isso, é um instrumento ancestral lindíssimo da cultura aborígene, geralmente ornado com motivos sagrados para eles. É uma forma de acessar o dream time, que é o nome do disco. O tempo dos sonhos é uma maneira de contar histórias, de passar conhecimento a novas gerações. 
 
"Efeito colateral". O didgeridoo é também um instrumento muito usado na medicina alternativa, recentemente, saiu uma matéria em um jornal britânico sobre o poder desse instrumento no auxílio ao tratamento de doenças do sono - como ronco, apneia - ou como apoio a pessoas com problemas de tagagismo. E mesmo de ansiedade.
 
É muito usado na musicoterapia, como massagens sonoras. Hoje, eu tenho vários didgeridoos. O que acho bacana é que mudou a minha forma de me relacionar com a música. Como guitarrista, você persegue mil notas por segundo. E ele é o caminho contrário disso, uma nota durante muito tempo. Tem essa coisa mântrica, da repetição, do som contínuo. O didgeridoo, para mim, foi um despertar, o respeito a cada nota.
 
Nome do disco. O tempo dos sonhos é uma tradução da filosofia 'dream time'. Veja, o povo aborígene é quase um elo perdido, é a cultura mais antiga ainda em atividade no planeta que se tem registro. Então, tem muita sabedoria aí, uma cultura muito rica - como a dos índios daqui também, claro. Os do Xingu, aliás, também usam instrumentos semelhantes, como a flauta uruá. Aliás, o didgeridoo tem um paralelo com vários instrumentos, mesmo com o nosso berrante. Mas, voltando ao título, se você colocar 'dream time' no Google, vai se deparar com imagens de pinturas aborígenas lindas. Meu interesse começou pelo instrumento e acabei me identificando com a cultura. O interessante é que neste momento de pandemia, quando muitos valores estão sendo revistos, percebo uma afinidade com a cultura deles. Tem muita gente se perguntando o valor das coisas e a real necessidade do acumular, do ter. Se indagando: 'Será que não dá para viver com menos?' 'Será que preciso ter tanto?'. Esse ritmo de viver na cidade grande, essa coisa frenética, tem muita gente questionando agora. Tanto que muitos estão indo para o interior, buscando lugares mais tranquilos para se viver. Vejo, neste momento, um movimento de reconexão com a natureza, e, nisso, percebo um paralelo bacana com a cultura aborígene.  Porque a religião deles é a natureza. Tudo é sagrado para eles, o ar, a terra, a pedra, a água do rio, os animais... 
 
Presente da natureza. Um detalhe: para o aborígene, o didgeridoo não é um instrumento feito pelo homem, mas, sim, dado pela natureza, como um presente. É feito a partir de um galho de eucalipto cujo interior foi comido por cupins. Os aborígenes vão batendo nos galhos e, pelo barulho, cortam os que estão ocos. Não cortam a árvore saudável. Ou seja, só reconhecem o instrumento na natureza. Depois, coletam, limpam, tiram a casca e pintam motivos sagrados.  
 
"Tocando em frente". Essa música sempre falou comigo de uma maneira muito profunda. Mas acho que ela é quase uma unanimidade. Considero um hino, uma espécie de oração. Muitos ídolos gravaram, caso de Maria Bethânia. Mas muita gente registrou com arranjos parecidos com o original, então, a minha opção foi arriscada. Mas tinha ela tão certa dentro de mim que foi saindo de forma natural, e, felizmente, pude me encontrar com o Renato Teixeira, que disse ter adorado a versão. Foi muito bacana esse retorno, me tirou um peso das costas (risos).  A minha versão é uma mistura, tem várias influências, tem uma guitarra de 12 cordas, por exemplo, e, no final, um mantra com o sitar pontuando (tocado por André Gomes). No processo, me veio a ideia de colocar uma voz feminina, e fiquei cogitando quem poderia cantar, quem teria em sua formação essa influência indiana. Daí cheguei na Sri Vidya/Via Negromonte, uma super artista. E ela também toca sitar, já viajou muito dando cursos de meditação...É uma pesquisadora, conhece muito sobre o assunto. Curioso que ela ia fazer uma cirurgia na coluna, mas, antes, foi ao estúdio e gravou lindamente. Mas por algo que não se explica, o computador apagou o registro. Ficamos, claro, muito decepcionados, tristes. Liguei para ela muito sem graça, crente que ia ficar chateada. Mas ela, com toda a elevação de seu espírito, disse: 'Tudo bem, é o destino dizendo que a gente tem que passar mais uma tarde agradável gravando e trocando ideia'. Então, ela fez a cirurgia e, quando se recuperou, foi lá, gravou novamente e ficou mais lindo ainda. Ela é um talento! 
 
Pandemia. Como todo artista, tenho me reinventado. Estou me adaptando, tentando enxergar algum lado bom, como o de estar com o meu filho mais tempo. Normalmente, a gente, artista, viaja para shows, turnês, não convive o tempo inteiro com a família. Na vida dita 'normal', eu estaria perdendo momentinhos do desenvolvimento dele que são muito lindos de observar. No mais, estou com projeto junto a Leo Jayme, de novos arranjos para as músicas dele, e fazendo trilhas também. E está sendo um momento para compor, organizar coisas... Tenho feito algumas lives e consegui arrecadar uma grana para fazer doações virtuais, direcionadas a um projeto social de Niterói que ja´arrecadou alimentos e material de limpeza para comunidades. É muito bom poder contribuir com algo neste momento, a gente acaba sendo um elo nessa corrente para que o que está faltando chegue às pessoas que precisam mais.
 

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!