Em 1899, Belo Horizonte experimentava a efervescência das novidades de uma cidade inaugurada dois anos antes. Para sua construção, a força operária dos trabalhadores italianos, que chegavam em grande número à América, naquele que foi o auge do fluxo migratório, foi fundamental para erguer o projeto do engenheiro e urbanista Aarão Reis.
Desde então, a relação de Minas Gerais com a cultura do “país da bota” se transformou em um diálogo permanente e um laço definitivo, que se manifesta na gastronomia, nos esportes e na arquitetura – em Belo Horizonte, por exemplo, os edifícios da Prefeitura, do Minas Tênis Clube, da Santa Casa e do Colégio Municipal Marconi, entre outras centenas, foram projetados pelo arquiteto italiano Raffaello Berti.
Para evidenciar a influência da colônia italiana no dia a dia dos brasileiros e como isso contribuiu para a construção da identidade do nosso povo, a exposição “Percosi Italiani – 120 anos de história” será aberta hoje, na Casa Fiat de Cultura.
Fruto de uma pesquisa que durou quase um ano, a mostra traz à capital mineira 100 imagens históricas – escolhidas dentro de um universo de mais de mil registros fotográficos – que fazem um passeio pelos principais acontecimentos de 12 décadas de história, incluindo duas guerras mundiais. Vídeos, instalações tipográficas e objetos preciosos, como a bola do Palestra Italia (hoje Cruzeiro), clube fundado por italianos em 1921, e o livro de registro de entrada dos imigrantes em BH, também estão exibidos no local.
“Tivemos uma preocupação de retratar essa evolução social. O grande desafio foi colher as informações, que vêm de todos os lados, muitas vezes incertas, e chegar a números precisos de cada década. Fomos atrás de muitos arquivos e escolhemos o que melhor se encaixaria em cada uma delas”, afirma a jornalista e historiadora Cinthia Reis, curadora da exposição.
Estima-se que, no início do século passado, na década de 1900, cerca de 1,5 milhão de italianos tenham chegado ao Brasil – e Minas Gerais recebeu cerca de 150 mil deles apenas nesse período. Para a gestora cultural da Casa Fiat de Cultura, Ana Vilela, em “Percosi Italiani”, o entrelace entre o Estado e a Itália resulta numa história que merecia ser contada. “A exposição dá essa ideia ao público de como a italianidade se mistura à mineiridade nesses fluxos migratórios. A Casa Fiat cumpre esse papel de mostrar como foi esse percurso e esse intercâmbio entre as culturas. É muito difícil ver alguém em Minas que não tenha um laço com a Itália”, acredita.
Fiat
A mostra também remonta à fundação da Fabbrica Italiana Automobili Torino, a Fiat, fundada há 120 anos; sua chegada a Betim em 1976 e o papel da montadora no próprio processo migratório no Brasil e na Argentina, já que a exposição também lança olhar importante para os italianos que desembarcaram no país vizinho, que recebeu quase 2,2 milhões de imigrantes. Nas seções dedicadas à multinacional, destaque para um modelo original do Fiat 147. Lançado em 1979, foi o primeiro automóvel do mundo movido a álcool a ser produzido em larga escala e também o primeiro da marca a ser fabricado no Brasil.
Em outro espaço, haverá reproduções de pôsteres publicitários da montadora produzidos por renomados artistas italianos e um desenho original de Raffaello Berti. “Os italianos vieram antes da Fiat, mas ela própria é uma imigrante, e teve uma contribuição muito forte nesse fluxo. Era muito importante que fizéssemos essa mostra”, comenta o presidente da Casa Fiat de Cultura, Fernão Silveira.
Brasil e Itália são países unidos por uma história que desembarca agora em Belo Horizonte, e promete fazer com que os visitantes entrem numa máquina do tempo e revisitem suas próprias memórias: “Espero que as pessoas se identifiquem, especialmente os descendentes italianos, com as trajetórias das famílias e como essa relação entre os dois países aconteceu. É isso que gostaríamos de contar”.
Programe-se
Com abertura hoje, a mostra “Percosi Italiani - 120 anos de história” fica na Casa Fiat de Cultura (Praça da Liberdade, 10, Funcionários), até 1º de março de 2020, de terça a sexta, de 10h às 21h, e aos sábados, domingos e feriados, de 10h às 18h. A entrada é gratuita.
Drummond e Dante se reúnem
A mostra também propõe o encontro entre dois gênios absolutos – Dante Alighieri e Carlos Drummond de Andrade. Foi a forma como o artista Flávio Vignolli, ele próprio descendente de italianos, e o coletivo 62 Pontos encontraram para traduzir a relação entre Minas e a Itália.
Junto à galeria QuartoAmado, prepararam uma composição tipográfica com mural de pôsteres lambe-lambe inspirado nos poemas “No meio do caminho tinha uma pedra”, de Drummond, e “Nel Mezzo de Cammin di Nostra Vida (No Meio da Jornada da nossa vida)”, de Alighieri. O painel é formado pela sobreposição de 200 cartazes, que propõem o diálogo.