Artes visuais

Exposição da Casa Polifônica celebra centenário de Amilcar de Castro

Com curadoria do artista visual Froiid, a mostra coloca em pauta discussões sobre percursos ontológicos relacionados às linguagens artísticas contemporâneas; ao todo serão exibidos 41 trabalhos

Por Patrícia Cassese
Publicado em 25 de setembro de 2020 | 09:07
 
 
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A ideia da exposição, deduzivelmente, surgiu a partir da data redonda celebrada neste estranho 2020: o centenário de nascimento de Amilcar de Castro (1920-2002). Mas  “A Dobra e a Borda”, que entra em cartaz nesta sexta-feira, na Casa Polifônica, por meio de live no canal do espaço no Youtube (https://tinyurl.com/y3xyeojb) expande o que tange o aspecto de meramente um tributo. "A mostra não opera apenas com a perspectiva de uma homenagem por si só. Os artistas escolhidos, bem com as obras expostas, trabalham com a relação de que Almicar é um precursor no mundo arte e de que sua obra transcende o período de sua atuação, tendo influência direta ou indireta nos trabalhos de artistas contemporâneos", conta Marcus Vinicius Borges, nome à frente da Polifônica, acrescentando que a iniciativa coloca em pauta percursos ontológicos em relação às linguagens contemporâneas da arte. "Isso pode ser percebido nos artistas e trabalhos exibidos na exposição, que passam por esculturas, observadas nas obras de Victória Sofia, desenhos, presentes nos trabalhos de Aline Lemos, e design artístico, que é o caso de Preto Matheus. Todas as linguagens citadas estão presentes na obra de Amilcar e são referência em seu trabalho", analisa, citando os artistas envolvidos na empreitada, que teve a curadoria delegada ao artista Froiid.

Além disso, Borges ressalta que Amilcar de Castro enfatizou, em seu trabalho, o o aspecto da territorialidade em suas obras. "Suas esculturas são gravadas no solo e feitas com materiais presentes na natureza, como as feitas em estruturas de metal. Isso está presente na mostra, principalmente nos trabalhos de Aline Lemos, nos quais a artista busca, na representação simbólica das montanhas de Minas Gerais, a significação para uma crítica sobre a destruição do meio ambiente. E nos de Victória Sofia, que se utilizam de placas metálicas que são afetadas pela radiação solar e por elementos químicos presentes na natureza", situa. 

De toda forma, Froiid acrescenta que a tangência entre os trabalhos reunidos na mostra e o de Amilcar de Castro pode não ser exatamente clara à primeira vista. "Ou simplesmente nem existir para  olhos desapercebidos. Mas acredito que Amilcar de Castro tenha uma presença que sonda todos os artistas mineiros, brasileiros, poderia dizer até internacionalmente. Isso por sua vasta produção que, agora, se faz presente em capas de livro, adereços e, principalmente, por seus trabalhos de arte pública. Acredito que é inevitável não perceber a presença da obra do artista e não ser influenciado por ela em algum ponto - neste sentido a exposição conta com uma quadrinista, um designer, um videomaker e artistas plásticos que exploram inúmeras linguagens. Cada um, de sua forma, interpretou o convite para essa exposição e resolveu criar com ela, que, assim, se constitui um imenso diagrama de obras - e todas elas se tocam e se cruzam de diferentes formas", explana.

Froiid, aliás, conta que o processo curatorial aconteceu notoriamente sobre a ideia de juntar artistas com linguagens diferentes mas que, de algum modo, tivessem interesse ou pudessem conversar com o trabalho de Amilcar de Castro. "Temos trabalhos explorando diversas vertentes das artes plásticas, visuais e inclusive da música". Detalhe: todos os artistas são mineiros. "Alguns moradores ou nascidos na região metropolitana, outros de cidades do interior - assim, temos um imenso repertório estético e conceitual. A ideia, aqui, é buscar as diferentes influências e traçar percursos que vêm de uma influência direta ou indireta com o trabalho do artista (Amilcar) no ano de seu centenário".

Borges acrescenta que a mostra pretende atrair todo o tipo de público. "Desde pessoas familiarizadas com a obra de Amilcar de Castro quanto interessados em conhecer o legado do artista. A exposição traz um excelente recorte do que está sendo produzido em Minas Gerais em termos de arte contemporânea, e faz uma mescla com artistas já consolidados, nomes com bagagem expositiva e jovens artistas", acredita.

Perguntado sobre o legado de Amilcar de Castro na arte contemporânea, Marcus avalia como "muito extenso". "Por ter trabalhado com esculturas, gravuras, desenhos e também com design (o artista foi o responsável por realizar a reforma projeto gráfico do caderno de cultura do 'Jornal do Brasil' no final dos anos 50, mais precisamente em 59, quando foi lançado o Manifesto Neoconcreto), Amilcar deixou um lastro de referência para as novas gerações". Além disso, acrescenta, o mineiro (nascido em Paraisópolis, tendo vindo para a capital mineira aos 15 anos) foi um dos signatários do Manifesto Neoconcreto, movimento artístico que rompeu com os concretistas de São Paulo, e que abriu mão de aspectos estritamente formais na concepção das obras e no fazer artístico. "Ao se trabalhar com a ideia de precursor, presente em um texto de Jorge Luis Borges quando este esmiúça o que está por trás de Kafka, se vê a importância do trabalho de Amilcar para as novas gerações. Mesmo que a influência não seja direta ou explicita, o legado do artista mineiro é perene, transmutando-se em novas formas e linguagens estéticas".

Froiid adiciona que algo no trabalho dele (Amilcar) e de outros concretistas e neoconcretistas "ainda é motivo de discussões, questões como o rigor geométrico e sua inflência advinda do construtivismo que se fazem presentes em suas obras por exemplo (sobretudo nas esculturas de metal), ainda aparecem em discussões dentro do campo das artes quando fala-se sobre o artista, tanto como critica ou como influência".

Saiba mais
Em virtude da pandemia, a mostra será veiculada em um primeiro momento no ambiente virtual. Até 16 de outubro, poderá ser apreciada através da live, exibida diariamente, às 19h, no canal do Youtube da Casa Polifônica. A partir desse dia, o público também terá a opção de visitar a exposição no espaço físico da galeria.  Na verdade, como foi inaugurada já sob a vigência da pandemia, esta será a primeira vez que a Casa Polifônica abrirá suas portas ao público. A visitação será realizada por meio de agendamento e respeitará todas as normas de distanciamento social e proteção individual. "Apenas duas pessoas por vez poderão estar dentro do local. O tempo da visita será de duas horas”, explica Marcus Vinicius Borges.


Com a fachada tombada pela Prefeitura de Belo Horizonte, a  casa que abriga o espaço está localizada na avenida Assis Chateaubriand, 548, ponto de entrocamento entre a Floresta, através do viaduto Santa Tereza, e da rua da Bahia, que liga a região Centro-Sul à Zona Leste do município 

Sobre os envolvidos na iniciativa
Froiid. Graduado em Artes Plásticas e mestrando em artes na UEMG, os trabalhos de Froiid relacionam arte e cidade, trançando temas como pirataria, território, cidade/urbano e joguificação. Froiid é membro fundador e idealizador do Piolho Nababo e MAPA:/. Desde 2015, o artista atua no Lab |front (Laboratório de Poéticas Fronteiriças), grupo de pesquisa de desenvolvimento e inovação que se propõe a problematizar as/nas fronteiras. 

Aline Lemos. Artista visual e cartunista, Aline Lemos nasceu em Belo Horizonte. É mestre em História pela UFMG e estudante de Artes Plásticas na Escola Guignard. Participou das exposições "Inarredáveis! Mulheres quadrinistas” (2018), na Casa Fiat de Cultura, "Traçado na Memória" (Festival Internacional de Quadrinhos, 2018), entre outras. Publicou nove zines e os livros "Artistas Brasileiras" (Miguilim, 2018) e "Fogo Fato" (Edição da Autora, 2020). Colaborou em publicações como a "Folha de S. Paulo", "Lisboa Capital República Popular", "Plaf" e "A Zica".


Marco Antônio Pereira. Nascido em Cordisburgo, o cineasta faturou importantes prêmios na carreira, como cinco Kikitos no Festival de Gramado, melhor diretor no Festival de Brasília e melhor curta na Mostra de Cinema de Tiradentes. Seus filmes circularam em grandes festivais de cinema do mundo, como o de Berlim, Los Angeles, Palm Springs, Buffalo, Montana, Viña Del Mar, Hong Kong e Festival do Rio. Marco também é idealizador do projeto social Oficina Móvel de Cinema.

Preto Matheus. Poeta, artista plástico, artista gráfico, designer, cofundador do coletivo 4e25 e da editora SQN Biblioteca.

Ricardo Burgarelli. Nascido em Diamantina, trabalha diversas mídias com estudos que atravessam os campos da história, da memória e da técnica. Burgarelli pensa a instalação artística como um espaço de narração. Tem graduação em Artes Visuais pela Escola de Belas Artes da UFMG e possui mestrado em Artes pela mesma instituição. Realizou exposições no Centro Cultural São Paulo (SP, 2018), Palácio das Artes (BH, 2017), Paço das Artes (SP, 2015), e outras. Recebeu os prêmios "Arte e Patrimônio 2013" (Iphan / Paço Imperial - RJ), Prêmio de Arte Contemporânea do DF (2012), e I Prêmio Camelo de Artes Visuais (BH, 2013). Burgarelli possui obras no Museu de Arte da Pampulha, Museu Nacional de Brasília, e no Museu Victor Meirelles.

Victória Sofia. Estudante da Escola de Belas Artes da UFMG e nascida em Belo Horizonte, Victória procura entender as relações entre a passagem do tempo e a existência humana em um sistema baseado na artificialidade. A artista permite que elementos como o acaso, o erro e a repetição se construam em torno do mais banal ao mais profundo dos acontecimentos.

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