“A Vida Invisível”, belíssimo longa de Karim Aïnouz, baseado no livro de Martha Batalha, tem todas as qualidades necessárias para estar entre os cinco títulos que vão disputar o Oscar de filme internacional em fevereiro de 2020. O filme é um melodrama bem-produzido, bem-filmado, bem-montado, que dá espaço para as atrizes Carol Duarte e Julia Stockler conquistarem o público na pele das irmãs Eurídice e Guida, que seguem caminhos diferentes, marcadas pelo machismo de uma sociedade patriarcal.
O obstáculo nessa corrida é a alta qualidade de seus concorrentes, em um ano de filmes como o elogiado “Parasita”, de Joon-ho Bong, da Coreia do Sul – que está em cartaz em BH –, e o longa quase autobiográfico do espanhol Pedro Almodóvar, “Dor e Glória”. Esses dois são os favoritos. O primeiro venceu a Palma de Ouro em Cannes; o segundo consagrou Antonio Banderas com o prêmio máximo no festival francês.
Outros fortes títulos vêm da Argélia, da Macedônia e de Marrocos: “Papicha”, de Mounia Meddour; “Honeyland”, de Tamara Kotevska e Ljubomir Stefanov; e “Adam”, de Maryam Touzani – este último está em cartaz no Brasil. França, Itália e Alemanha também estão na briga com “Os Miseráveis”, de Ladj Ly; “O Traidor”, de Marco Bellocchio; e “System Crasher”, de Nora Fingscheidt.
Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, “A Vida Invisível” tem boas chances de estar entre os cinco selecionados. “É um filme com uma história universal, e a Academia gosta de tramas que, apesar das particularidades de seu país, tenham elementos identificáveis em qualquer parte do planeta”, defende o crítico de cinema Ubiratan Brasil, editor do “Caderno 2” do “O Estado de S. Paulo”.
“É um melodrama da mais alta qualidade, e somos ótimos em contar melodramas. É um filmaço, com um ótimo elenco e uma história potente, que fala muito da condição da mulher no mundo”, diz a jornalista Flávia Guerra, do TelaTela e comentarista dos canais Arte 1 e Band.
O crítico Pablo Villaça, do site Cinema em Cena, destaca a questão do empoderamento feminino. “O filme retrata as estruturas arcaicas e abusivas de uma sociedade patriarcal parada no tempo, e a contemporaneidade de seu tema é importante. Além disso, a construção dramática da narrativa é sólida, empregando o melodrama de modo inteligente e disciplinado. Para completar, tem Fernanda Montenegro”, afirma.
Os críticos também ressaltam o fato de o filme ter conquistado prêmio da Mostra Un Certain Regard, em Cannes, o que dá visibilidade ao longa que deve estrear em dezembro nos EUA. Segundo Ubiratan Brasil, “A Vida Invisível” ainda não causou muito barulho no país do Oscar, mas ele acredita na força da campanha encabeçada pelo produtor Rodrigo Teixeira, da RT Features, e pela Amazon.
“São muitos os concorrentes, e aquele que chamar atenção sai em vantagem. A Amazon quer fincar bandeira na produção de filmes que também passem no cinema e ganhem notoriedade, como a Netflix já faz. Isso deverá resultar numa propaganda agressiva. Rodrigo Teixeira vem ganhando simpatia da indústria americana, que já não o vê como apenas um produtor off Hollywood”, atesta o jornalista.
Fernanda Montenegro. Apesar de o produtor Rodrigo Teixeira ter dito que quer Fernanda Montenegro na disputa do Oscar, para os especialistas, a atriz tem poucas chances, não pela qualidade de seu trabalho, mas pelo marketing. “A participação dela no longa é pequena, mas decisiva. É ela quem realmente dá a emoção ao filme, faz com que a temperatura suba. Poderá ter alguma chance como coadjuvante, se o trabalho de marketing for bem feito”, diz Brasil.
Para Villaça, se ressaltarem que Fernanda já foi indicada – “em um ano em que (o produtor) Harvey Weinstein comprou todos os Oscars de ‘Shakespeare Apaixonado’” – e investirem numa campanha pessoal citando seu nome, ela terá chances.
Qual é o caminho até o top 5?
A jornalista e documentarista Flávia Guerra diz que “filmes não ganham Oscar por milagre”. Há uma série de pré-requisitos a serem cumpridos, a começar por um bom filme, claro! Primeiro, a obra precisa ter entrado em cartaz no cinema em seu país de origem até uma data estipulada pela Academia.
Em setembro, “A Vida Invisível” ficou em cartaz durante uma semana em Fortaleza, cidade natal de Karim Aïnouz, somente para cumprir essa exigência. Depois, é importante que a produção viaje por festivais internacionais como Cannes, Berlim e Veneza. Ganhando prêmio, então, melhor ainda!
Claro que o filme também precisa estar nos cinemas norte-americanos para ser visto por quem vota no Oscar. Ter a Amazon por trás de “A Vida Invisível” ajuda nessa visibilidade. Depois, é preciso fazer barulho, marketing. “A Amazon é importante; o Rodrigo Teixeira é crucial. É bom ter verba para publicidade, ter prêmio validando a obra e um estúdio para fazer o filme ser visto”, diz Flávia. Por fim, é esperar a lista dos dez pré-finalistas, em dezembro. Em 13 de janeiro, sai o resultado oficial com os cinco selecionados. (EJ)