Até 2018, Frejat estava decidido: não iria gravar um novo disco. De 2008, data de seu último álbum solo, àqueles dias, muita coisa aconteceu em sua trajetória, inclusive a saída definitiva do Barão Vermelho, banda seminal do rock brasileiro que ele ajudou a fundar lá nos anos 80, e o cantor e compositor apostou mais no formato de singles - ele não via sentido em lançar um trabalho que tivesse muitas canções em tempos de consumo rápido (cada dia mais veloz) da música nos meios digitais.
Por outro lado, Frejat tinha muito material guardado - letras compostas com diversos parceiros, músicas para serem lapidadas, ideias que orbitavam a cabeça do músico. Ao pensar na importância de um disco para a carreira de um artista e na relação que mantém com o público, ele voltou atrás na decisão e considerou o formato algo que um single ou um EP com três ou quatro temas não poderia propor. “O álbum contempla meu lado compositor, intérprete e músico, aponta uma direção como cantor. E esse resultado sonoro mostra como eu penso a música, não aconteceu por acaso. Tudo que está ali foi pensando para estar ali mesmo”, comenta Frejat.
E “tudo o que está ali” ganhou norte, nome e 13 faixas: “Ao Redor do Precipício”, gravado de novembro de 2018 a maio de 2019, chega nesta quinta-feira (4) às plataformas digitais. Uma edição física em CD também será lançada, mas ainda não há uma previsão. Dois meses antes do lançamento do álbum, “Pergunta Urgente”, “Cartas e Versos” e “Amar Um Pouco Mais” já haviam saído como singles.
A primeira a ser pensada como o início de um projeto foi “Planetas Distantes”. Depois disso, Frejat recrutou os parceiros Humberto Barros, Maurício Negão e Kassin, que tocam no álbum e também assinam a produção do disco ao lado do próprio Frejat, para mostrar outras canções e, em conjunto, pensarem na possibilidade de um repertório que desse harmonia e unidade a um disco: “Ficamos ouvindo e todos chegaram à conclusão: ‘vamos nessa então’. Foi muito bacana, deu uma liga boa, ficamos muito próximos e nos divertimos muito”.
Repertório diverso
Em “Ao Redor do Precipício”, Frejat reúne um repertório que mescla diversos sons e composições que não são necessariamente recentes - aliás, tem muita coisa feita há uns bons anos, marca de todos os trabalhos do músico: “Nenhum disco meu é com músicas do período logo anterior ao álbum. Gosto de ter coisas mais antigas junto com outras novas, acho que enriquece o trabalho”.
Passeando por diversos estilos, Frejat pega o blues na instrumental “Parada de Estrada Vazia”, que fecha o disco, e em “A Sua Dor É Minha”, com participação de Alice Caymmi; o eletrônico e a influência dançante da disco music aparecem em “Planetas Distantes” e “Tudo o Que Consegui”.
Batida funk e guitarras pesadas embalam a instrumental “Batidão”, o rock chega em “Amar Um Pouco Mais” e “Te Amei Ali”, essa última com Zeca Baleiro, e as baladas também têm seu lugar nas parcerias com Leoni, dobradinha que rendeu quatro faixas do disco. “A gente consegue fazer isso acontecer de uma maneira muito fluida, funcionamos muito bem como dupla”, comenta.
O baião e o triângulo do forró dão o tom nordestino de “E Você Diz”, composta há um par de anos com Luiz Melodia e Jards Macalé, que canta e toca violão na faixa. “Fui com o Jards ao aniversário do Melodia, ficamos conversando na casa dele, batendo papo. Acho que veio daí. Gravar essa música foi uma maneira de consagrar nossa amizade”, conta Frejat.
O eclético como característica, não que isso seja lá uma grande novidade na carreira de Frejat, apareceu de forma natural em “Ao Redor do Precipício”, mas as canções foram sendo aperfeiçoadas com o tempo para que tivessem afinidade e integração entre elas. “O repertório já apontava a direção das músicas, mas o grande mérito da produção foi perceber essas nuances e fazer com que as canções soassem juntas e tivessem uma sintonia, senão seria um disco completamente esquizofrênico”, diz o compositor.
Andando ao redor do precipício
Nas redes sociais, Frejat se manifesta sobre temas políticos e sociais, entre eles a violência contra a mulher, o racismo e questões ambientais. O músico lamenta o tratamento dispensado pelo governo Bolsonaro ao setor cultural e o país só tem a perder com o que ele classifica de descaso por parte do executivo federal, que deveria, segundo ele, rever a política adotada e pensar menos de forma ideológica. Segundo ele, angústia é o sentimento que melhor define sua percepção perante aos acontecimentos recentes no país.
“É muito triste ver a cultura sendo tratada dessa forma. A identidade cultural de um povo é um grande patrimônio, ela te dá autoestima. Quando você tem isso desatendido, desmoralizado, é claro que você se sente fritado. Toda uma cadeia é prejudicada pelo lado econômico e pelo lado dessa identidade”, ele diz.
Uma sensação de desesperança e alento, de acordar todas as manhãs tendo que conviver com o que ele chama de opostos da evolução da humanidade, “a desigualdade social, o racismo e outros preconceitos, e a extrema-direita”, e, ao mesmo tempo, perceber a generosidade das pessoas e se animar com a beleza arte ou com descobertas científicas, vem acompanhado Frejat nos últimos anos.
Essa ambiguidade forjou o título do disco. “Ao Redor do Precipício” é a vinheta instrumental que abre o álbum e um verso que também aparece na delicada e orquestrada “Por Mais Que Eu Saiba”, outra parceria dele com Leoni e um dos pontos altos desse novo trabalho. “Por mais que eu saiba desde o início/ Ando ao redor do precipício/ Por mais que eu saiba desde o início/ Desse desejo, desse vício”, diz um trecho da letra de amor e intenções nem sempre realizadas.
O nome do álbum veio há pouco menos de um ano. “Eu ficava oscilando muito nesse pêndulo. Acho que estamos mesmo ao redor de um precipício: de um lado você vê o fim, de outro, você está lá em cima, tendo uma vista maravilhosa, vendo tudo de lindo que existe”, pondera Frejat.