Com o advento da pandemia da Covid-19, a rotina dos ensaios presenciais teve que ser abruptamente interrompida. E o contato quase diário, que tinha como cenário a sede da avenida Bandeirantes, no Sion, foi substituído por reuniões virtuais, viabilizadas por meio de aplicativos como o Zoom, mas, principalmente, pelas conversas no grupo de whatsapp.
E foi através dessas conversas, em meio às preocupações naturais de qualquer cidadão frente ao avanço do novo coronavírus, e ao inerente cenário de incertezas por ele provocado, que os componentes do Grupo Corpo passaram também a procurar alternativas para, de alguma forma, manter o contato com o público e, ao mesmo tempo, tentar levar alento por meio da cartilha que já comunga há quatro décadas e meia.
Foi quando despontou a ideia de oferecer aulas de dança a profissionais da área da saúde, um grupo que, nos dias atuais, tem enfrentado longas e exaustivas jornadas de trabalho sob muita pressão - e sob muitos riscos. Certo, é um cotidiano no qual o estresse está a ele amalgamado por natureza. Mas, agora, de forma muito mais marcante. Evidentemente, o repasse dos exercícios, por parte dos bailarinos da companhia foi pensado de modo a ser efetivado no universal virtual. E gratuitamente. Na estimativa modesta dos idealizadores, a ação poderia engajar algumas dezenas de pessoas. Se chegassem à marca de 100, ótimo, já estaria de bom tamanho.
Mas eis que veio a surpresa: na quinta-feira (14) à tarde, quando a reportagem do Magazine conversou com o grupo, já havia quase 4 mil interessados. Não por outro motivo, o dia foi de pensar estratégias e mudar a plataforma, de modo a contemplar mais gente, como revela a bailarina Janaina Castro, uma das envolvidas na iniciativa.
Contabilizando 20 anos de grupo Corpo, ela pontua o quanto os componentes ficaram exultantes com o feedback. "Desde que o isolamento começou, todo mundo do grupo começou a pensar ações que poderiam ser relevantes (para a sociedade), e aí surgiu a ideia de dar uma contribuição a quem hoje está na linha de frente do combate à Covid-19. Daí, a Macau (Carmen Purri, ex-bailarina e uma das diretoras), me ligou para saber se eu queria fazer parte de um projeto para ajudar a criar uma aula, que seria uma iniciativa simples, mais para esses profissionais da saúde terem alguns momentos de relaxamento, para possibilitar um contato com eles mesmos. Eu falei que adoraria, e a coisa foi evoluindo. A gente só não imaginou que ia dar a repercussão que deu. Foi muita gente, e, aí, começamos a juntar os bailarinos (para viabilizar)", relembra.
Janaina conta que só no primeiro dia de inscrições, já havia, em 16 horas, mais de mil interessados. "Com esse número, percebemos que era impossível interagir com todo mundo". As aulas serão transmitidas gratuitamente duas vezes por semana, a partir desta sexta-feira, 15, 18h, e no sábado, 16, às 9h. A ideia de desdobrar em dois dias, diz Janaina, foi para dar a chance às pessoas que estão trabalhando nesta sexta, "pois esses profissionais geralmente operam num formato de 12 horas (tempo dos turnos)". Para participar, os profissionais da saúde devem fazer seu cadastro através do link
https:/ bit.ly/grupocorpo-plantao O
inscrito receberá um email com todas as informações sobre as aulas ao concluir a inscrição.
A dançarina ressalta que o projeto inicial se desdobraria em quatro semanas, com aulas diferentes, sendo duas por semana. "Mas as coisas estão evoluindo, então, não podemos dizer que está completamente fechada. Existe a possibilidade de uma flexibilidade. O que podemos dizer é que estamos de fato muitos felizes, depois de um mês bem introspectivo, no qual a gente estava tentando entender esse tempo e pensando em como levar o nosso trabalho às pessoas, como fazer algo relevante. Agora, está todo mundo engajado, querendo ajudar".
A aula será conduzida por Mariana do Rosário, sendo que Janaina vai participar dançando junto a Edésio Nunes. Na quinta-feira(14), eles fizeram o teste, com os demais integrantes da companhia acompanhando de suas casas, e deu tudo certo. "Vamos dividir a aula em duas partes. A primeira será dedicada a exercícios de respiração, automassagem, alongamento, e, depois, à dança propriamente dita. São momentos simples, a gente se inspirou muito nos movimentos do 'Parabelo' (1997), cuja música é mais conhecida". Obviamente, pelo fato de as inscrições terem sido online, não há como precisar se todos os interessantes de fato atuam no grupo idealizado pelo Corpo como sendo o alvo. "A gente divulgou esse foco que queria fazer, mas acha difícil exercer um controle, a gente sabe, e não tem problemas".
Mas é a eles, profissionais que estão atuando no front, que o Grupo Corpo quer, agora, mostrar o seu apreço. "A gente se comove escutando as histórias, e vê que tem gente que está deixando de conviver com os próprios familiares, que fica isolado, perde o contato com quem gosta, se colocando em risco. Essa ação que a gente está fazendo é para mostrar que estamos vendo o esforço, a luta e o trabalho deles, e que os admiramos. E, ainda, que queremos tentar, de alguma forma, contribuir para aliviar as tensões e levar um pouco de alegria e descontração em meio a uma rotina tão dura".
Nesses tempos de quarentena, Janaina conta que cada componente do grupo tem se incumbido de, em suas respectivas casas, cumprindo as recomendações das autoridades sanitárias, cuidar do corpo, instrumento primordial de trabalho, fazendo alongamentos e demais exercícios. Ela, por exemplo, tem feito muita ioga (prática que não ocupa muito espaço, e inclui meditação"), além de jogar bola com o filho e se exercitar numa barrinha de balé, entre outros movimentos. "Enquanto o reencontro presencial não é possível, e sabemos que não será assim, tão em breve, manter o corpo é importante", diz, referindo-se não só ao físico, mas também à mente.