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HBO projeta o futuro na série ‘Watchmen’, que estreia neste domingo

Roteirista Damon Lindelof, de Lost, fala de sua recriação do universo da HQ cult de Alan Moore e Dave Gibbons

Por Estadão Conteúdo
Publicado em 20 de outubro de 2019 | 02:00
 
 
 
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Muito antes de David Benioff e D.B. Weiss enfrentarem a ira dos fãs por causa do desfecho de “Game of Thrones”, Damon Lindelof experimentou a mesma coisa com o fim de “Lost”. “Aprendi que os fãs têm exigências. Havia coisas que eles queriam, mas também esperavam surpresas, o que é uma certa contradição. Então, não sei bem como lidar com isso”, disse ele em entrevista à imprensa, em Los Angeles. No entanto, o temor do julgamento não parece paralisá-lo. Tanto que, depois da ótima série “The Leftovers”, ele volta com um projeto bem ousado. 

“Watchmen”, que estreia hoje, às 23h, na HBO, se passa no mesmo universo da idolatrada graphic novel de Alan Moore e Dave Gibbons, mas não é uma adaptação, como foi o filme de 2009, dirigido por Zack Snyder. Mesmo assim, Alan Moore, que sempre se opôs a qualquer versão de sua obra, não quis nem conversa e nem é creditado na série. “Tentei explicar um pouco o que estamos fazendo, mas ele deixou bem claro que não queria nenhum contato, e respeito isso”, disse Lindelof. Mas ele também disse estar imbuído do espírito rebelde e punk rock de Moore. “Se alguém dissesse a Moore nos anos 80 que não poderia fazer ‘Watchmen’ porque o criador de Superman não queria, ele diria: ‘F...-se, vou fazer assim mesmo’. Então estou dizendo para Moore: ‘F...-se, eu vou fazer assim mesmo’”, brincou. 

Mas, afinal, o que é que Damon Lindelof está fazendo na série “Watchmen”? O primeiro episódio abre com a reconstituição de um ato de violência racial pouco conhecido: o massacre da Wall Street negra, em Tulsa, Oklahoma, em 1921. A avenida Greenwood era um caso exemplar de uma comunidade afro-americana estabelecida. Ao final da carnificina, centenas de negros estavam mortos, e suas lojas, destruídas. 

“Foi ali que nasceu a ideia”, contou Lindelof. Poucos anos atrás, ele começou a ler os escritos de Ta-Nehisi Coates sobre a luta pelas reparações de injustiças históricas aos negros nos Estados Unidos e só então descobriu o caso de Tulsa. “Fiquei com vergonha de nunca ter ouvido falar disso”, disse. “Mas achei que podia usar em ‘Watchmen’, porque a graphic novel era extremamente política. O que, em 2019, é o equivalente ao impasse nuclear entre os EUA e a União Soviética (que é o tema do material original, passado nos anos 1980)? Para mim, inegavelmente, era a relação da questão racial e da polícia nos EUA”, conclui o roteirista. 

Questão racial

Vendo apenas o primeiro episódio, é verdade que uma certa confusão se estabelece. Se na realidade dos EUA de 2019 os negros são invariavelmente alvo de agressões e assassinatos pelas mãos da polícia, em “Watchmen”, os policiais, que agora andam mascarados para sua proteção, estão caçando supremacistas brancos. Um desses policiais é a negra Angela Abar, interpretada pela premiada atriz Regina King. 

Os supremacistas brancos, por sua vez, declaram uma guerra à policia usando a máscara de Rorschach – o controverso personagem da graphic novel, visto como herói por muitos, mas de claras tendências fascistas. De cara, Lindelof foi questionado sobre a responsabilidade de mostrar a polícia ao lado dos negros contra os supremacistas brancos, o contrário da realidade.

“Uma das coisas mais bacanas do ‘Watchmen’ original era que não dava para saber o que era história real e o que era história alternativa”, disse. “Espero que, ao longo dos nove episódios, as coisas fiquem mais claras. Mas esse não é um projeto tradicional de super-heróis, que derrotam alienígenas, voltam para casa e todos vencem. Não há derrota para a supremacia branca”, afirmou.

De fato, os episódios seguintes deixam mais claras as complexidades do que ele quer falar sobre as relações raciais nos EUA e o impacto profundo do trauma no tecido social de um país. Nesse universo paralelo, não há internet nem celulares. O presidente, desde o início dos anos 1990, é Robert Redford – ele mesmo, o ator.

“Queríamos explorar a ideia do que aconteceria se um homem branco bem-intencionado fosse presidente por um longo período”, contou Lindelof. “Sendo eu mesmo um homem branco, a ideia de que em meu país não haveria uma tremenda resistência à tentativa de igualar a balança de poder entre brancos e negros é ridícula”, comentou.

Uma coisa que Damon Lindelof promete é não mexer no cânone, no material original. Alguns dos personagens originais que ainda estão vivos aparecem, inclusive Adrian Veidt (Jeremy Irons), também conhecido como Ozymandias. Mas, como a graphic novel diz, “nada nunca termina”. A história continuou, o que houve antes tem consequências agora, e a série, sob comando de Lindelof, vai imaginar como seria isso.

Quadrinhos: nem sempre os fins justificam os meios

O poeta romano Juvenal escreveu: “Quem vigia os vigilantes?”. Esse é o mote de “Watchmen”, quadrinho publicado em 12 edições entre 1986 e 1987. Com roteiro de Alan Moore e arte de Dave Gibbons, a obra se passa no contexto da Guerra Fria, em uma cidade onde costumava haver justiceiros mascarados combatendo o crime com as próprias mãos.

Os heróis já estão em decadência e aposentados quando a trama se inicia, com a morte de um deles – o Comediante. Quem investiga o caso é Rorschach, um “herói” detetivesco. Em “Watchmen”, todos são anti-heróis repletos de falhas de caráter, tentando moralizar um mundo tão corrupto quanto eles. Ninguém tem superpoderes, com exceção do Dr. Manhattan.

Em sua investigação, Rorschach descobre que o assassinato está ligado a uma conspiração maior que consistiria “milhões para salvar”. Os fins justificam os meios? Da mesma forma, a obra de Moore e Gibbons sugere que vestir uma máscara e fazer justiça com as próprias mãos seria tão condenável quanto o crime que se pretende combater.

Em um tempo politicamente conturbado, no qual as pessoas relevam ações violentas que supostamente combatem o crime, Watchmen torna-se ainda mais relevante. 

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