Assim que lançou seu primeiro livro, "O Medo do Sucesso - A Vida nos Palcos, no Cinema e na Televisão" (L&PM, 2016), a atriz soteropolitana Ingra Lyberato já começou a sentir o comichão para se debruçar sobre um segundo trabalho. "Senti que precisava ir mais fundo no relato dos meus processos de autoconhecimento", conta ela, que acaba de lançar "A Natureza Oculta Iluminada" pela editora mineira Quixote+DO. O título, enfatiza Ingra, apareceu antes mesmo de a primeira tecla do computador ser ativada. "Na verdade, tem sido assim, o título norteia a minha narrativa", explica, acrescentando que, desta vez, decidiu se enveredar pelos territórios da ficção, para ter a liberdade de compartilhar narrativas que têm, sim, um calço na realidade, mas sem comprometer outras pessoas. "São experiências muito íntimas, e, sendo ficção, estou expondo só a mim mesma. Vivo esse movimento de arrancar as máscaras desde o primeiro livro. A imagem engessada que aprendemos a construir é uma das prisões imaginárias que construímos para nós mesmos", acredita a bela, que expresssa suas ideias a partir de três personagens.
Ingra conta que, desta vez, o objetivo central é tentar apresentar uma nova dimensão de realidade na qual as pessoas possam acessar o poder de cocriação das próprias vidas. Antes de seguir em frente, ela alerta: "Aviso que é preciso coragem para desconstruir os paradigmas antigos e dar espaço a uma nova percepção de mundo menos materialista e menos superficial. É um mergulho nas profundezas de si. Quero me conectar com o adulto espiritual de dentro de cada um", afiança, compartilhando sua percepção de que o ser humano tem estado em uma zona de conforto na qual ainda adota atitudes infantis perante a vida - "e perante nós mesmos".
Para a atriz, é possível fazer muito mais do que temos feito. "Para acessar esse poder é preciso enxergar quem somos. A sociedade capitalista e patriarcal nos transformou em zumbis. Mas o desafio do despertar é grande, e só vai trilhar esse caminho quem estiver realmente cansado de bater com a cabeça na parede", entende.
O primeiro passo no despertar ao qual faz alusão, ressalva a atriz, se daria pela autorresponsabilidade. "Mas para isso, temos que suportar o orgulho ferido por termos passado, às vezes, uma vida inteira culpando os outros, quando somos nós que geramos cada acontecimento que vivemos". Não por outro motivo, pelos desafios que impõe, ela imagina que sua escrita vá atingir, em particular, pessoas com uma abertura de coração suficiente para receber algo novo. "Pelo menos para mim, que trilho esse caminho há quase dez anos, foi algo que eu nem sabia que existia", diz. Ressalte-se que Ingra Lyberato é adepta do xamanismo há cerca de oito anos.
Confira, a seguir, o bate-papo com a atriz, eternizada por papéis em produções como " Pantanal", "Ana Raio e Zé Trovão" e "O Canto das Sereias", as três na extinta TV Manchete, e "O Clone" e "Segundo Sol", na Globo, para citar alguns.
Como foi a sua primeira experiência com a escrita? Que tipo de retorno aferiu com “O Medo do Sucesso"? Foi uma surpresa total. Desde o editor ler e querer publicar até os dias de hoje, quando frequentemente recebo palavras de agradecimento pelos aprendizados que o livro proporciona. Vários terapeutas adotam e fazem rodas de discussão sobre o conteúdo. Outros fazem leituras virtuais no Instagram. Muitos profissionais da área da psicologia têm indicado para seus pacientes. Ele vai no boca a boca. A impressão que tenho é que um livro não sai de dentro de mim. Sou apenas instrumento para mensagens que precisam chegar no planeta nesse ciclo do tempo, para ajudar na autocura de quem está buscando.
Que pensamentos te assolam neste momento de pandemia? O xamanismo tem te auxiliado a transcorrer este período? Acredito que o novo coronavírus tem uma função no nosso processo de evolução. No plano sutil não existe diferença entre encarnados e desencarnados. Todos fazem parte e cada um dá sua contribuição. Às vezes uma doença física traz a cura da alma. Muita gente sabe disso. Existe dor e lágrimas nessa realidade que estamos vivendo. Mas está sendo feito um trabalho de ativar nossos corações e nossa humanidade. A verdade tem sido chamada de fenômeno, porém, quando acordamos, vamos perceber que é apenas a verdade. O mundo "lá fora" não tem vida própria. É um reflexo do que carregamos dentro da gente. A física quântica, além das filosofias mais antigas, está nos dizendo: somos nós que damos significado e materialidade às coisas. Só existe a experiência de realidade e ela é o reflexo no espelho. É a caverna de Platão. Minha contribuição é que a realidade fora da caverna é exatamente o mundo interno. E as ilusões ou sombras projetadas na parede da caverna, é o mundo que projetamos à nossa volta. Não sei se dá para entender, é difícil explicar essas coisas. A história do livro fala disso com mais simplicidade.
Que planos a quarentena te fez colocar no estaleiro? Na verdade, estou vivendo a quarentena sem ficar pensando que estou em uma. Faço tudo que posso fazer de dentro de casa. Vou dando cada passo possível a cada dia. Não estou fazendo planos para além da semana que estou vivendo. Não temos controle algum sobre a vida, e a pandemia tem nos lembrado disso diariamente. Já me entreguei e vou andando com confiança na perfeição da vida, dando conta das dores e das delicias desse grande desafio. Estou com olhos bem atentos à minha natureza oculta.
Imagina que esse período possa trazer alguma mudança na humanidade? Ou, ao contrário, entende que tudo voltará a ser como antes? Como sempre, só vai se transformar quem quer. Temos o livre arbítrio e isso nos dá tanta liberdade que podemos até escolher estarmos presos em nossas gaiolas imaginárias. É tanta liberdade que ainda não sabemos usufruir dela. Criamos algemas de ouro e achamos que estamos vivendo relações estáveis. Às vezes, são estáveis mesmo, mas, na maioria, relações de codependência, onde o buraco de carência e a infantilidade espiritual só aumentam.
Como definiria a Ingra Lyberato hoje, aos 53 anos? Quase 54. Em plena expansão interna. Sempre gostei de aventuras e de desbravar novos mundos, mas descobri que o autoconhecimento é a maior aventura da vida.
"Ana Raio e Zé Trovão" completou 30 anos, certo? Pelo que li, houve um encontro simbólico seu com Almir Sater, o Zé Trovão da trama... Nas ruas, as pessoas ainda te abordam, te falam da personagem? Para você, qual o maior legado da experiência? Há alguns anos, eu e Almir começamos a nos reencontrar nos shows dele, e voltei a visitar Almir e Paulinha (Ana Paula Sater, mulher do artista) em São Paulo. Nas férias do meu filho Guilherme (Leindecker, filho dela com o ex-marido Duca Leindecker), esse ano, fomos para a fazenda do Almir no Pantanal. Era um sonho meu voltar lá no Rio Negro e levar meu filho. Amo o Almir, a Paula e toda aquela família linda de gente transparente e cheia de humanidade. Pessoas reais. Muita inspiração pra mim, que busco transparência depois de tantos anos me protegendo atrás de máscaras. Quero ter a tranquilidade de mostrar minhas imperfeições e dessa humanidade extrair minha força. Esse processo já está acontecendo. Ana Raio é um desses presentes da vida que me faz pensar: recebo tanto...preciso dar meu melhor para retribuir tudo o que ganho do universo.