É uma mulher, chef e cozinheira, a representante da região sudeste – que abriga o estado de Minas Gerais – como embaixadora do Itamaraty em países como Turquia e Argentina. É também ela que está à frente da mais que nunca badalada Casa do Porco, endereço em São Paulo que abriga a considerada 17ª melhor cozinha do planeta pelo “World’s 50 Best” – ah, é o único restaurante brasileiro na lista. 

Em 2020, representou a América Latina no American Express Icon Award, que reconhece agentes da gastronomia que se destacam por promover mudanças positivas e reais com seu trabalho. A mulher que celebra essas e outras tantas conquistas, e que está transformando o Brasil com a sua verdade, força e determinação na cozinha, é Janaina Rueda, 47, sócia do marido, Jefferson Rueda, em quatro famosas casas: Bar da Dona Onça, A Casa do Porco, Hot Pork e Sorveteria do Centro, todas em São Paulo. Paulistana sim, mas com uma pitada mineira no coração, ao defender a gastronomia que batiza de “caipira”. À explicação: “É uma cozinha sem ter vergonha de ser o que é, genuína e brasileira”.

Janaina ganhou visibilidade por várias razões, a começar por seu apelido: Dona Onça. O motivo residiria no fato de ela ser brava? Ter uma personalidade forte? Ou foi dado por alguém com receio de ver uma mulher emitir a sua opinião? “Quando uma mulher fala um pouco mais firme, dizem que ela é brava”, justifica ela, sobre eventuais preconceitos cultivados por quem não a conhece. “Quando faço alguma pergunta, quero que o outro lado reflita para dar a resposta. Tenho essa firmeza e, às vezes, quem não me conhece acha que sou agressiva. Ou uma Dona Onça”, pontua.

Fato, para hoje ostentar tantos títulos, Janaina precisou lidar com vários entraves. Começou a trabalhar cedo, aos 13 anos. Concluiu os estudos somente até a sétima série e trabalhava em uma barraca de comida brasileira, no centro de São Paulo. Ralou bastante – e, ainda, há quem tenha a coragem de chamá-la de “mulher do Jefferson Rueda” e minimizar sua trajetória. “É uma loucura isso, né?”, conta ela, que tem dois filhos adolescentes. 

Comida acessível

Sem esquecer o passado, Jana tem uma missão ainda maior por ser responsável pelo único restaurante brasileiro entre os 50 melhores do mundo: promover, sim, a gastronomia caipira e brasileira, mas de forma que a boa comida seja acessível. “Quero que todo mundo possa pagar para estar ali. Jamais gostaria de ser dona de um restaurante onde só a elite pudesse ir”, enfatiza. O menu-degustação completo, em 12 tempos, custa R$ 185. “Gosto de estar no restaurante mais caro do mundo assim como no boteco mais simples. E é isso que quis para A Casa do Porco, fazer com que todo mundo possa ir”, frisa, sobre a cozinha feita com ingredientes frescos, orgânicos e porcos criados soltos para consumo no Sítio Rueda, propriedade dela e do marido.

Para os insumos que não saem do sítio, eles criaram a conexão com pequenos fornecedores, e focam o menu na sazonalidade dos alimentos. “Isso não é mais uma pauta, deveria ser normal em qualquer cozinha. Quem não faz assim, esquece. Não está dentro do que a gastronomia se propõe, que é de ser inclusiva e ambiental”, disse. E, claro, política, como ferramenta de educação. “O meu sonho é que todas as escolas públicas tenham gastronomia no currículo. Temos que alimentar as pessoas e fazer com que elas tenham uma inclusão social mais ampla do que hoje. A sociedade precisa dar oportunidade. Não acredito em meritocracia, acredito em inclusão e dignidade social: é você olhar para o próximo como alguém que está subestimado, e não como alguém que está vulnerável”, expõe ela, que também está à frente de projetos sociais cuja alimentação é o centro da transformação. Caso do Cozinheiros pela Educação, quando ajudou, por quatro anos, a treinar, voluntariamente, 1.800 merendeiras na rede pública estadual paulistana. Na pandemia, ajudou na produção e distribuição de marmitas e se juntou a outros chefs para reivindicar ajuda do governo.

Mineira de coração

A chef esteve em território mineiro quando foi apresentada como embaixadora no projeto do Itamaraty durante o festival Fartura, realizado no início do mês em Inhotim. 

Recentemente, levou a técnica do pinga-frita para o Weekend Food Festival, evento na Croácia, em que representou o Brasil. “Faço questão de não ser uma cozinheira que sópalestra, sem mostrar como faz. Quero que as pessoas entendam exatamente o que estou dizendo, demonstrar como se faz ao vivo. Quero sempre ter um fogão à minha frente”, situa.

Agora, como embaixadora, vai criar menus para as embaixadas do Brasil em Londres, Buenos Aires e Ancara – e a mandioca será um ingrediente de destaque. Mas tem mais. Pratos como canapé de feijoada, virada paulista, galinhada e cuscuz estarão presentes durante esse trabalho. “Quero ser uma boa madrinha para todos os estados”, brinca. 

Nesta empreitada, o apreço pela gastronomia mineira segue reverberando com força: “Minhas pesquisas para montar meu menu foram todas em volta de Minas Gerais. Acaba que a minha cozinha é muito caipira, assim como a mineira é”, compara ela. Mas é bom dizer que a paixão pelo Estado data de antes de ser chef de cozinha: há mais de 20 anos, namorou um jornalista gastronômico, a quem “culpa” por tê-la feito se apaixonar pela comida daqui. 

Fã de caldos, sopas e mexidos, Jana lista, com a boca salivando, alguns endereços na capital mineira, como o Xapuri, o Mercado Novo e o novíssimo Pacato. “Eu tenho muita esperança na profissão quando vou cozinhar com chefs homens e jovens, como aconteceu no Pacato, onde me deixaram ser protagonista”. Mesmo com tanto amor pela cidade, Jana não tem planos de fincar raízes empresariais por aqui. “Mas nunca vou falar ‘nunca’. Sou uma aquariana, mudo de ideia. Agora, eu tenho dois filhos, cinco negócios, um do lado do outro, e preciso me manter nesse conforto, por enquanto, para fazer tudo o que quero fazer, principalmente viajar pelo mundo. Se começar a abrir algo fora da minha cidade, talvez me perca”, pondera, prudente.