Há pouco mais de um ano, ainda no primeiro semestre de 2019, durante a escrita de um poema, Kaio Carmona percebeu um ritmo nas palavras diferente daquele que usualmente trabalhava em seus poemas. "Experimentei, então, essa nova linguagem que surgia para mim. Troquei o corte do poema, a cesura, pelo ponto final. Coloquei todo o discurso em minúsculas", relata, lembrando que o procedimento não é novo. "Muitos já o fizeram, e acreditei que o aspecto visual também tinha o que dizer. Daí em diante o texto foi de desenvolvendo por ele mesmo", complementa.
Nascia, ali, o embrião de "A Casa Comum" (Quixote+Do Editora), livro que será lançado nesta quinta-feira, dia 1º, a partir das 20 horas, em live transmitida pelo canal do Youtube QuixoteDo Editoras Associadas, com a presença de convidados. A obra se constrói a partir do fim de uma relação e de seus inevitáveis contornos. As personagens são referidas pelos pronomes "ela" e "ele". "Os pronomes, assim colocados como os senhores dos discursos, podem apresentar uma dimensão comum. Quer dizer, o tema do amor e do fim do amor pertence a todos, você, eu, ela e ele. Um casal que se vê diante de uma separação e estabelece reflexões sobre o fim do relacionamento".
Ela, uma mulher que tem de superar conflitos familiares, a relação com a carreira e agora o fim do amor com o companheiro. Ele, na surpresa constatação da decisão da mulher, deseja chegar a alguma solução pela tentativa de definição do amor, descreve Carmona. "A narrativa se desenvolve a partir de uma carta/bilhete deixada por ela no apartamento do casal, anunciando a partida e algumas das decisões a serem tomadas", adianta ele. "Depois de deixar a carta, ela deixa a casa e resolve caminhar para pensar sobre a sua decisão, um hábito antigo que cultua, caminhar para refletir. Ela caminha pelo seu bairro e observa em si mesma as causas e os efeitos do fim do amor".
Enquanto isso, ele retorna ao apartamento, encontra o bilhete na mesa, e se põe a refletir sobre o amor. "Ao pensar sobre a separação do casal, ele observa a casa, os objetos da casa, o lar que agora se desfaz", narra Carmona. Confira, a seguir, alguns trechos da entrevista do autor ao Magazine
Do material enviado à imprensa consta que esse assunto - "paixões e o fim das paixões" - sempre foi alvo de seu interesse. Saberia dizer em palavras por qual motivo? Acredito que a humanidade é movida pela paixão, histórica e cotidianamente. Há a maldade, há a indiferença. Mas sempre me encantei pelo próprio encantamento. Nos deuses gregos, na mitologia africana, no mundo cristão, o amor – e todos os seus desdobramentos como a paixão, o erotismo, a sedução, o encantamento – é sempre pauta de grandes obras artísticas. O amor que surge, o amor que se acaba, o amor que se transforma. Tanto na minha formação acadêmica, quanto na ficção, lido com o universo amoroso. No meu livro "Um Lírico dos Tempos de Maneira Teórica" (Scortecci, 2006), e nos dois seguintes, "Compêndios de amor" (Scriptum, 2013) e "Para Quando (Scrpitum, 2017)", de modo poético.
A seu ver, qual seria o subtexto, o que está nas entrelinhas do seu romance a partir do recorte deste casal? A arte é o discurso que mais se aproxima de uma compreensão do mundo atravessada, concomitantemente, pelo pensamento intelectual e pelos afetos. Talvez, pela literatura, conseguimos uma aproximação, pelo reconhecimento, pela possibilidade, com esse mundo das relações mediado pelo amor. O mistério que há na palavra amor. O leitor saberá encontrar no texto, nas entrelinhas como você diz, uma construção própria do amor e, na configuração texto/leitor, criar mais um sentido para esse universo amplo e complexo, mas também encantador e sedutor.
Você está se preparando para embarcar para Angola, onde será “Leitor Brasileiro” por dois anos, ao trabalhar com a cultura brasileira na Universidade Agostinho Neto, em Luanda, e na Embaixada do Brasil naquele país. Pode falar dessa experiência em particular, suas expectativas e sobre o convite, propriamente dito? Estou bastante animado com a viagem e com a experiência. Fui selecionado em um concurso para o programa Leitorado Brasileiro, do Ministério das Relações Exteriores. O programa existe há décadas e no momento há vários leitores brasileiros pelo mundo trabalhando com a Língua Portuguesa e a Cultura Brasileira. Em Angola, trabalharei como professor de literaturas de língua portuguesa, na Universidade Agostinho Neto, e realizarei, junto com a Embaixada do Brasil em Luanda, ações de promoção e divulgação da cultura brasileira. Estou de malas prontas e assim que o visto ficar pronto, parto para essa nova experiência que, espero, possa me trazer novas escritas, acadêmicas ou ficcionais.
Assunto inevitável nos dias atuais. Poderia falar sobre a pandemia? Que sentimentos te invadiram no início e como estão seus ânimos agora... O que espera de um mundo pós-pandemia, entre coisas boas e as por nós não desejadas...Para todos está sendo um momento difícil. A pandemia potencializou a dificuldade que estamos vivendo no país e no mundo. Há a necessidade de uma reinvenção da convivência comum, da relação com o mundo e com as pessoas. Infelizmente, a pandemia, que ainda vivemos, não trará essa novidade. Como segurança, é preciso o distanciamento social, e com ele as relações também se fecham e ficamos isolados, social e emocionalmente. A transformação não virá de um vírus que nos mata e nos isola. Talvez acontecerá como uma revolução individual, que se propaga e alcança o outro nessa transformação. Talvez virá pela arte. Eu aposto na arte.