Nesta terça-feira (20), Dia da Consciência Negra, há que se celebrar alguns avanços, mas a presença de negros ainda é pequena em universos como o do balé clássico. O TEMPO conversou com Ingrid Silva, 29, uma brasileira cuja trajetória é inspiradora para outras tantas meninas negras que pensam em trilhar esse caminho.Criada no bairro de Benfica, no Rio, Ingrid conheceu o “Dançando para Não Dançar”, aos 8 anos. O projeto social, no morro da Mangueira, oferece às crianças carentes acesso à profissionalização com o ensino do balé clássico.
Ela lembra que era uma das únicas negras nas aulas. “Se não fosse pelo projeto, talvez nunca tivesse calçado uma sapatilha”, conta a bailarina.
Fã de Ana Botafogo, nunca esteve nos planos dela ser bailarina profissional. Quando entrou para a Escola de Dança Maria Olenewa, do Theatro Municipal do Rio, se apaixonou pelo balé. Estudou depois no Centro de Movimento Deborah Colker e, aos 17 anos, veio a Belo Horizonte estagiar no Grupo Corpo. Há mais de uma década, Ingrid integra o Dance Theatre of Harlem, companhia multiétnica de balé, em Nova York (EUA).“Nunca sofri racismo no mundo da dança. Os olhares, já recebo a vida toda. Me senti representada quando entrei na companhia dos Estados Unidos. O fundador do grupo tem como proposta que cada bailarino use a meia e a sapatilha da cor da sua pele”.
Atraso
Com quase 200 anos de atraso, as sapatilhas de ponta usadas por bailarinas clássicas começam a chegar ao mercado em diversos tons. Assim como Ingrid, muitas bailarinas se dedicavam ao ritual de pintar as sapatilhas com as bases de maquiagem. Em outubro, a marca Freed of London lançou duas novas cores para atender bailarinas não brancas. Outra marca que lançou duas tonalidades foi a Gaynor Minden.
Para Ingrid, a falta de sapatilhas reflete a falta de oportunidades. “É preciso contratar mais negros. Acho importante ver pessoas que se pareçam com a gente. Ainda estamos engatinhando”, diz.
Nos anos 70, o fundador Arthur Mitchell foi visionário ao fazer com que seu corpo de baile usasse sapatilhas com os tons de pele de cada bailarino. No entanto, segundo Ingrid é preciso entender e respeitar que há o estilo de cada companhia. "A escolha do diretor do Dance Theatre of Harlem para que os bailarinos pintassem suas sapatilhas ressaltou a personalidade do grupo, mas cada companhia é livre para fazer suas escolhas. Cada companhia escolhe seus parâmetros a seguir", explicou. "Isso não quer dizer que é racismo", completou.
Temos construído e quebrado essa realidade’, diz professora
Para a professora e pesquisadora de dança do curso de educação física da UFMG, Isabel Coimbra, a falta de negros na dança está relacionada à falta de acessibilidade. “O balé sempre foi elitizado, não só em relação ao negro. Quem tem condições de pagar uma aula, comprar sapatilhas ou até mesmo ter acesso a esses espetáculos? Não podemos falar em igualdade até pelo próprio acesso e conhecimento, mas temos construído e quebrado essa realidade”, explicou.
Nas telas
Filme. A surpresa maior de “O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos”, em cartaz nas salas da cidade, acontece quando o cinema vira palco de um lindo (e breve) espetáculo de balé, protagonizado por Misty Copeland – principal bailarina do American Ballet Theatre e a primeira dançarina negra a ocupar o posto.