Poder trabalhar em rede, cercada ora por artistas estabelecidos, ora por alunos de cursos de formação em artes cênicas, parece ser o que move a brasiliense Kenia Dias. A capacidade de dialogar com contextos diversos permitiu que a artista transitasse, inclusive, entre cidades, especialmente Brasília, Belo Horizonte e São Paulo.
Kenia está envolvida no processo criativo de “Outros”, do Grupo Galpão, com direção de Marcio Abreu, em cartaz até dia 18 no Galpão Cine Horto. “Sou convidada a provocar artisticamente processos de montagens de teatro, dança, intervenção. Minha pesquisa parte da relação do corpo com o movimento, com o som, com o objeto e com a palavra. Me sinto, de certa forma, uma bruxa que altera os sentidos, ou uma arqueóloga que escava outros modos de existir, outras concretudes”, afirma Kenia.
“Esses trabalhos se dão a partir de propostas, assuntos, textos, ideias vindas dos diretores e elenco. A partir delas, penso em estratégias, dispositivos, procedimentos para inventar materialidades. E é interessante perceber como esse material levantado se desdobra ao longo do processo, quando já não estou mais”, completa.
Em 2008, ela veio a Belo Horizonte para dirigir o projeto Oficinão, do Galpão Cine Horto, e assim começou sua relação mais direta com a cidade. “Fui para ficar um ano e fiquei cinco. Me envolvi profundamente com o Cine Horto ministrando aulas de teoria, prática, dirigindo módulos de criação, coordenando os núcleos de pesquisa, dirigindo peças, pensando o projeto pedagógico com a equipe coordenada por Lydia del Picchia”, recorda a artista.
Na capital mineira, Kenia trabalhou em parceria com Dudude Herrmman, Margô Assis, Thembi Rosa, Grace Passô, Lenine Martins, Garrocho, Leticia Andrade, Joaquim Elias, Camila Morena e com a Cia. de Dança do Palácio das Artes.
Apesar da rotina no Cine Horto, a relação direta com o grupo Galpão, entretanto, seguia tímida, em eventuais ensaios abertos dos processos da trupe.
Apenas em 2015, quando já tinha se mudado para São Paulo, foi que as agendas se alinharam e ela fez parte do processo do espetáculo “Nós”, também dirigido por Marcio Abreu. Em “Outros”, a parceria se repete. “Nessa nova montagem, conduzi alguns laboratórios e experiências corporais e tenho colaborado artisticamente e feito direção de movimento”, destaca a brasiliense.
Em sua carreira artística, de diretora e professora, Kenia acumula trabalhos com importantes coletivos e artistas do cenário nacional: Janaína Leite, Os Crespos, Georgette Fadel são alguns de uma longa lista. Ela também tem trabalhos como professora na Escola Livre de Santo André e na Escola de Arte Dramática (EAD), da Universidade de São Paulo.
As salas de ensaio e de aula, para Kenia, são convergentes no encontro do artístico com o pedagógico. “Para mim, não existe separação entre um e outro. Sala de aula, laboratório, ateliê, são espaços de aprendizado recíproco, onde, de fato, o teatro acontece artisticamente. E um processo artístico realizado é pedagógico também, pois acontecem pensamento e experiência ali. Um conceito vira carne, ou, melhor ainda, uma carne inventa conceitos”, diz.
Origens
A mãe de Kenia, Vera Lúcia Dias, que é musicista, desde muito cedo lhe apresentou chaves para explorar o universo artístico sem privações, e isso contribuiu para a busca por formas expressivas, que se enredam entre a dança, o teatro e a performance. Pesa também o fato de ter crescido em Brasília, que, entre as décadas de 60 e 70, recebeu uma grande quantidade de artistas, de vários lugares, que lá desenvolveram suas trajetórias em diversas linguagens.
Kenia se formou em artes cênicas e fez mestrado na UnB, onde também foi professora entre 2005 e 2007. Há alguns anos vivendo em São Paulo, ela administra o estúdio Fitacrepre SP – Ateliê do Som e Movimento, com Ricardo Garcia.
A busca por vitalidade cênica
Kenia Dias aponta que é possível, sim, perceber um desejo de construção de linguagem em sua trajetória. Ela ressalta que sua busca, mesmo como público, é por vitalidade cênica. “Como espectadora, tento acessar a chave da peça que estou vendo. Tento operar mais na potência do que vejo e recebo do que na falta, ou no que eu acho que poderia ser e não é”, pontua ela.
Além disso, a artista brasiliense revela um desejo por “decadências”, vistas em rastros, restos de corpos e imagens, um processo de quebra de hierarquias. “Busco ativar um modo de vida, um senso de realidade que muda de peça para peça, busco ambiguidade, busco lacunas e inconclusões. Busco transitoriedade, trajetos, e não fins. Busco qualidades de presença. Busco lógicas, ou experiências não lineares, onde há mais dança do que sentidos na palavra, mais música do que movimento no corpo”, explica a artista.