Independentemente do tema, os filmes dirigidos por Clint Eastwood deixam sua impressão digital. Aos 88 anos, o artista se recusa a envelhecer no que diz respeito aos seus ideais. Acomodar-se, então, nem pensar! Em seu novo filme, “A Mula”, que estreia nesta quinta-feira (14) nos cinemas, Eastwood prova seu prestígio, seu talento para farejar boas histórias e sua habilidade em transpô-las para a tela.
“A Mula” conta a trajetória de Earl Stone, um veterano de guerra que, aos oitenta e muitos anos, se torna uma das mais rentáveis mulas do cartel de Sinaloa e carrega quilos de drogas pelas estradas americanas sem levantar suspeitas. O enredo é baseado na vida real de Leo Sharp.
Apesar da temática envolvendo o cartel mais temido do México, quem espera ação no filme de Eastwood vai se decepcionar. Esta é uma obra que tem dividido opiniões entre os críticos. Há quem adore e há os que considerem o filme fraco e passivo demais. Fato é que “A Mula” tem um ritmo que está longe de ser frenético. Em muitos detalhes lembra o drama “As Pontes de Madison”, longa com Meryl Streep que Eastwood dirigiu em 1995.
“A Mula” traz num primeiro momento um panorama da vida de Earl, esse senhor que reserva todo o seu afeto para os lírios que produz. Já a família representa uma dificuldade na vida do veterano. Ao retratar esse homem, Eastwood o faz com sutileza, e, como em muitos de seus filmes, as marcas que o personagem carrega são expostas com profundidade, mas sem alarde. É assim também com Mary – papel de Dianne Wiest –, a ex-mulher de Earl. A boca dela diz palavras que o olhar contesta, e ali, está claro, sobrevive um grande amor – que o ressentimento, as dores e os egoísmos deixaram engavetado.
Esse desvio melodramático da trama é importante para situar o espectador em relação às motivações que levaram Earl a topar fazer sua primeira viagem para o cartel. Depois dessa iniciação, o que impulsionou a sequência do “trabalho” foi, obviamente, o dinheiro. São divertidas as cenas em que Eastwood encara os maços, cada vez maiores, de notas de US$ 100 que recebe após cada carregamento entregue.
Claro que, num filme de traficante, tem de haver um mocinho. O escolhido para a missão é Bradley Cooper, em mais um trabalho com Eastwood, após “Sniper Americano”. Em “A Mula”, Cooper é o agente do DEA (Drug Enforcement Administration) Colin Bates, destacado para assumir as investigações das atividades do cartel de Sinaloa e prender a rentável mula que fazia grandes entregas de drogas em Chicago. Laurence Fishburne e Michael Peña completam o time dos mocinhos da lei, e um Andy García quase irreconhecível encarna o traficante Latón, um “bon-vivant” satisfeito com sua mula.
No filme, Clint Eastwood marca bem o lado machista e careta de Earl, fruto do ambiente em que viveu seus quase 90 anos e que o define, mas não o intimida. O veterano está disposto a abrir sua mente para o novo, e, toda vez que destila seu preconceito, seu racismo e sua homofobia, logo o público percebe o quanto ele está apenas reproduzindo essa mentalidade, que predomina até hoje em grande parte dos Estados Unidos.
“A Mula” pode não ser o melhor filme de Eastwood – premiado por obras mais complexas e completas, como “Menina de Ouro” (2005), “Os Imperdoáveis” (1992), “Mystic River: Sobre Meninos e Lobos” (2003), “Gran Torino” (2009) e “Cartas de Iwo Jima” (2007). No entanto, o longa-metragem tem bons momentos e uma história cativante, que reflete todos os preconceitos e estereótipos que estão construídos no nosso subconsciente. Só assim um senhor branco, idoso, veterano de guerra conseguiu a proeza de ser a mula mais rentável do cartel de Sinaloa.
Ator diz que este foi seu último papel
Quando Clint Eastwood anunciou que estava envolvido na realização do longa “A Mula” – como diretor e protagonista –, começou a correr o boato de que este foi o filme escolhido pelo artista para encerrar sua carreira frente às câmeras. Após mais de 60 anos trabalhando como ator – sua estreia no cinema foi em 1955 –, Eastwood teria dito a amigos que iria se aposentar, ao menos nessa função.
Apesar dos fortes boatos, os fãs, colegas e profissionais da indústria cinematográfica não estão dando muito crédito à aposentadoria. Em 2008, Eastwood já havia dito que iria parar de atuar e que Walter “Walt” Kowalski, de “Gran Torino”, filme que também dirigiu, seria seu último personagem. Após “Gran Torino”, o ator esteve em mais dois longas: “Curvas da Vida” (2012) e agora em “A Mula”.
Além de dirigir filmes, Eastwood também é produtor. Ele assina, por exemplo, a produção da nova versão de “Nasce uma Estrela”, de Bradley Cooper, que encarou a direção inspirado no veterano e parceiro de tela.
Vida real
O personagem de Clint Eastwood é baseado em Leo Sharp, preso em 2011, aos 87 anos, por ter sido mula do cartel de Sinaloa por mais de dez anos. Após a prisão, a história de Sharp foi contada pelo jornalista Sam Dolnick no “The New York Times”. O artigo chamou a atenção do roteirista Nick Schenk, que o transformou em filme. Sharp morreu em 2016.