“Foi uma das partes mais difíceis”, reconhece Murilo Rocha, referindo-se às entrevistas com os parentes das vítimas da tragédia. “São pessoas para as quais a ruptura da barragem gerou uma perda humana que, claro, foi a mais impactante. Mas também gerou várias outras, desde a financeira – muitos dos trabalhadores que perderam a vida eram arrimo de família – até perdas, vamos dizer assim, meio colaterais. A Maria de Lourdes, por exemplo, ela não esperava, mas acabou perdendo o convívio com o sobrinho, Heitor (com a perda da irmã, seu cunhado se mudou do local com o filho)”, relata o jornalista.
Rocha conta que ficou particularmente impactado com uma frase dita por Maria de Lourdes: “A de que é como se a cada dia uma barragem caísse sobre a cabeça dela. Veja, é um efeito dominó o que a tragédia vai gerando na vida das pessoas. Então, foi emocionante ouvi-las e, ao mesmo tempo, difícil. A gente quis encontrar um ponto no qual não fôssemos sensacionalistas, buscando não explorar a dor dos outros, ser correto com as pessoas. No caso da Maria de Lourdes, o pai até hoje não sabe que tinha enterrado só o pé da filha, e eu perguntei: ‘Posso contar isso?’. Ela falou: ‘Pode contar, sim’. Mas é preciso ter muito cuidado, aquelas pessoas já sofreram demais”, ressalta.
Questionado se ele e o parceiro de empreitada, Lucas Ragazzi, tiveram uma consultoria, Rocha conta que só na parte técnica, após a escrita já concluída: “A gente enviou para uma professora da Ufop (Tatiana Barreto dos Santos, doutora em engenharia mineral), que fez uma consultoria informal, inclusive sem cobrar, para checar se a terminologia que a gente estava usando estava correta. Era uma preocupação que agente tinha porque a história, por si só, já é complexa, envolve muita gente, muitos nomes, e, além de tudo, é o mundo da mineração. Então, são termos como ‘piezomêtro’, ‘radar interferométrico’, com os quais não estamos familiarizados, e muito menos com a função deles. A dinâmica de uma barragem de rejeitos foi um aprendizado também. Lemos muita coisa, documentos de geotecnia, relatórios e até vídeo para entender o que seria, por exemplo, um incidente com um Dreno Horizontal Profundo (DHP), que aconteceu naquela barragem em julho de 2018, quando uma broca que estavam colocando na estrutura acabou gerando um fraturamento hidraúlico”.
Rocha destaca que a população em geral não consegue ter ideia da magnitude de uma barragem como a de Córrego do Feijão. “A altura dela era similar à de um prédio de 29 andares, e o comprimento, de seis campos de futebol. Uma coisa gigantesca. Você vai lá e fica assim, minúsculo, perto daquelas estruturas todas”, compara.
Por último, mas não menos importante, Murilo Rocha conta que, a partir da experiência dividida com Lucas Ragazzi, pôde entender melhor o papel que o jornalismo ainda tem nos dias atuais. “O jornalismo é hoje tão questionado, tão fragilizado em uma era de fake news, de notícias muito superficiais... Mas a gente vê ainda o peso que tem fazer um livro-reportagem aprofundado. Eu fiz questão de escrever que o livro não é para denunciar uma pessoa ou outra, mas sim uma situação, da mineração e a de Minas Gerais, que hoje está em pânico com a questão das barragens. Sempre entendi o papel do jornalismo, mas dessa vez ficou mais clara a sua função social, o quanto é importante na regulação do funcionamento da sociedade como um todo”, advoga.
Em tempo: como reza a prática jornalística, o outro lado se faz presente na obra pela opção da própria empresa, que foi a de responder às perguntas enviadas por meio de um texto único, reproduzido na íntegra.