Cinema

‘Bacurau’: ação e resistência

Vencedor do Grande Prêmio do Júri em Cannes, longa de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles chega ao país

Por Etienne Jacintho
Publicado em 29 de agosto de 2019 | 03:00
 
 
 
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Os diretores Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles têm sido aplaudidos de pé por onde passam com “Bacurau”. Em Fortaleza, eles exibiram a obra no Cineteatro São Luiz para 1.100 pessoas e ouviram três minutos de palmas ininterruptas. O longa, que conquistou o Prêmio do Júri do Festival Internacional de Cinema de Cannes e recebeu ótimas críticas da imprensa mundial, chega hoje aos cinemas brasileiros.

À primeira vista, “Bacurau” pode parecer um filme realista sobre as dificuldades de uma comunidade do sertão nordestino. Aos poucos, porém, fatos estranhos vão sendo revelados, num crescente suspense. Nem mesmo a descoberta de parte do mistério aplaca a tensão do espectador. Com o uso de realismo fantástico e influências do cinema de ação norte-americano dos anos 70 e 80, os cineastas (e cinéfilos) entregam ao público uma obra em que as cenas ficam na cabeça e cuja trama gera um efeito físico em quem a acompanha no ritmo ditado pelos realizadores.

Por isso, não cabe aqui uma crítica ou um resumo da história. Parte da experiência é a surpresa com a montanha-russa criada pela dupla e com o desfecho da situação tensa criada com maestria – como um “Dogville”, de Lars Von Trier, que também constrói sem pressa um cenário tenso cuja consequência é imprevisível.

Ação e fantasia

“A gente falava em fazer filme de gênero (realismo fantástico) porque há a possibilidade de exagerar as situações e até criar essas situações absurdas para falar de coisas que nos incomodam”, afirma Juliano Dornelles ao Magazine. “Esse filme nasceu da vontade de mostrar pessoas presunçosas que não procuram saber nada do outro e são surpreendidas”, fala.

Kleber Mendonça Filho concorda, cita a Guerra do Vietnã, e diz que a comunidade de Bacurau é o Brasil que ele gostaria que existisse. “Um Brasil em que as pessoas vivam em paz, apesar das diferenças – sexos, gêneros, orientações, raças –, em uma sociedade com base forte na educação e na cultura”, diz Mendonça. “Não é por acaso que a escola e o museu de Bacurau são quase como personagens no filme”, explica.

Em “Bacurau”, há uma personagem trans, mas ninguém julga se ela parece morar com dois homens. Ninguém comenta que Teresa (Bárbara Colen) está dormindo com Pacote (Thomás Aquino); ou que Domingas (Sonia Braga) é casada com a mulher que cuida do museu. O valentão da cidade pinta as unhas e faz a sobrancelha. Tudo isso é notório, mas não tem importância.

O que conta é o fato de haver um núcleo de opressores “gringos”, liderado pelo ator alemão Udo Kier (“Suspiria”, “Dogville”, “Blade”). Eles não são americanos – há europeus e até brasileiros (Karine Teles e Antonio Saboia) –, mas representam o discurso de Donald Trump, que, na época em que os cineastas escreveram o roteiro, disputava as eleições americanas.

“Donald Trump estava na iminência de se tornar presidente”, lembra Dornelles. “Escrevemos ‘Bacurau’ vendo essa nuvem escura se aproximando. Sabe quando você está na praia, vê a nuvem e começa a recolher as coisas porque a chuva vai cair? Estávamos nesse lugar, com o discurso de superioridade da extrema direita”, explica.

“Bacurau” é um filme político, mas não panfletário. Algumas vezes, a população de Bacurau pode parecer apática, anestesiada, mas, por lá, a ação gera uma reação. O público toma sustos ao longo da obra. E, diferentemente de alguns filmes de ação, “Bacurau” pergunta a seus vilões: “Por que vocês estão fazendo isso?”. Não existe uma resposta única. “Essas pessoas que se sentem superiores agem assim porque não têm cultura nem educação, porque não têm respeito pela vida, porque repetem um comportamento sem pensar…”, lista Mendonça.

“Bacurau” é um filme que se destaca dentro do portfólio do cinema brasileiro. É diferente na estética e no enredo. E celebra as linguagens mais populares do cinema mundial. “Queríamos contar uma história que a gente gostasse, pois são dois cinéfilos escrevendo um filme e falando sobre o Brasil de forma honesta e afetuosa”, conclui Dornelles.

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