Dos aforismos do “Manifesto Antropófago”, estudado por Beatriz Azevedo, autora de “Antropofagia – Palimpsestos Selvagens”, o “Matriarcado de Pindorama” traz importante contribuição para compreender o que se vive hoje na sociedade brasileira.
“Ele é o oposto ao patriarcado, que é o que venceu, dentro da civilização ocidental e capitalista, em que tudo é mercadoria, tudo é comercializado, tudo é para se fixar em ‘labels’ e definições que diminuam uma coisa. A Antropofagia não quer ‘labels’, definições, mercadorias. Quer sempre a transformação permanente”, afirma Beatriz.
O pensamento carregado na noção de “Matriarcado de Pindorama” é mais um exemplo que propõe uma mudança de visão sobre o Brasil e lança o olhar para os tempos em que os índios eram os habitantes dessa terra.
“Nossas tribos não eram patriarcais. Eram matriarcal porque eram coletivas. O alimento era para a tribo inteira, o que é diferente de uma mentalidade capitalista. É a TFP – Tradição, Família e Propriedade. Eu tenho esse carro, ele é meu. Tenho essa casa, ela é minha. A família passa a ser o nome do pai e, quando eles morrem, herdamos os bens. Isso é uma visão patriarcal que faz a sociedade ficar egoísta, individualista e, por isso, temos esse desnível social no Brasil”, explica.
“É uma utopia. Para começar, Oswald não queria Estado. Queria uma sociedade mais livre e coletiva, onde tudo fosse compartilhado. Oswald vai dizer em outro aforismo que antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil já havia descoberto a felicidade”, observa a autora.
Também o termo Pindorama, como explica Beatriz, vai remeter ao momento em que os europeus ainda não haviam sentido o cheiro das terras tropicais. “O Brasil recebeu esse nome por causa da exploração do pau brasil. Para os índios, éramos o Pindorama, terra das palmeiras. O nome de Vila Rica e Ouro Preto, por exemplo, vem da exploração. O Brasil é marcado pela chegada dos europeus estuprando as índias e que chegam explorando e sugando tudo. Então, Oswald, ao chamar o “Matriarcado de Pindorama”, está falando dessa pátria mítica que temos antes do Brasil e que deveríamos valorizar”, comenta.
“A alegria é a prova dos nove” é outro bordão antropófago que foi ingerido do filósofo francês Michel de Montaigne, que, ao descrever o encontro dos índios tupinambás e da corte francesa, no ensaio “De Los Canibales”, afirmou serem os europeus os verdadeiros selvagens. “Nesse trabalho, ele afirmou também não fazer nada sem alegria e essa ideia vai influenciar Oswald, tanto que ele foi um cara de grande humor e sacadas, conhecido como um frasista genial”.
No menor poema da literatura brasileira – ‘Amor Humor’, escrito por Oswald, é possível perceber o valor dado à alegria. “Ele é um lúdico. Apesar de ter criado a única filosofia original do Brasil, nunca perdeu o amor, o humor e essa ginga. É por isso, também, que ele é tão particular”, diz Beatriz, com entusiasmo.
Pensando no sentido de permanência e movimento da Antropofagia, para ela, se Oswald estivesse vivo no Brasil de hoje, ele estaria ocupando as escolas, ao lado dos estudantes secundaristas. “É a ideia de insurreição, de não compactuar com a hipocrisia. Ele sempre queria a transformação”, comenta.
Beatriz lembra que, um século depois do Grito do Ipiranga, Oswald escreveu: “a nossa independência ainda não foi proclama”. “E eu me pergunto se já foi proclamada em 2016, com tudo o que está acontecendo no Congresso Nacional, em Brasília. De novo, temos o patriarcado, os coronéis, os poderes religiosos. Um ministério formado por homens brancos? Ali está o patriarcado, e é contra isso que a Antropofagia luta”, conclui.
Livro
“Antropofagia – Palimpsestos Selvagens”
Beatriz Azevedo
Editora Cosac Naify
242 páginas
R$ 50