“O artista tem de pensar como empresário, porque dificuldade existe em qualquer lugar: no açougue, na delegacia, na alfaiataria”. Essa frase de Mauricio de Sousa virou o “mantra” de Luciano Cunha e Gabriel Wainer, sócios na Guará Entretenimento, criada com inspiração na Marvel. “Quando criei os personagens e o Universo Guará, pensei em como eles poderiam virar marcas, e não só quadrinhos”, conta Cunha. “Foi o que o Mauricio fez: criou marcas”, defende o pai da HQ “O Doutrinador”, que virou filme e série, com direção de Gustavo Bonafé e Fábio Mendonça. A série estreia em 1º de setembro, às 21h, no canal Space.
O quadrinista organizou outras três HQs (leia abaixo), que já estão seguindo os passos de seu anti-herói. “Todas as histórias são interligadas, justamente pensando como a Marvel e a DC, com universos compartilhados”, explica Cunha. “Em maio, eles foram negociados para virar filme, e ‘Pérola’ já está sendo roteirizado”, afirma. Há outras três HQs saindo do forno em breve.
Quem comprou os direitos dos personagens do Universo Guará foi a Glaz Entretenimento, produtora de sucessos como o filme “Cine Holliudy” – parceria com a Globo Filmes – e as animações “Histórias Assombradas para Crianças Malcriadas” e “O Irmão do Jorel”, com a Cartoon Network.
Os sócios pensam em tudo e, para facilitar a transcriação das histórias das revistas para as telas, eles simplificaram os poderes de seus heróis. “Não criamos personagens que lançam lasers, que voam ou que usam uma armadura cibernética, porque isso ainda não conseguimos criar visualmente ainda no Brasil”, fala Cunha. “Nossa estratégia é pensar personagens mais ‘pés no chão’, sem superpoderes e perto do nosso cotidiano, dos problemas sociais”, diz.
Esse conceito foi problemático para o lançamento de “O Doutrinador” nos cinemas no fim do ano passado. A estreia foi adiada por causa das eleições, e a ideologia da obra sofreu duras críticas. Na trama, o anti-herói Miguel (Kiko Pissolato) é um policial que, após ter a filha morta, não consegue justiça e decide agir por conta própria, caçando políticos corruptos. Ele é um justiceiro, e muitos ligaram o personagem às milícias e alegaram que ele incitava a violência e o armamento.
“O Doutrinador” foi concebido em 2008, ganhou sua primeira história em 2010, mas foi lançado em HQ em 2014, de forma independente, pelo próprio Cunha. Claro que o personagem foi favorecido pelo movimento anticorrupção que ganhava força na época, mas Cunha e os envolvidos na produção afirmam que o filme e a série não defendem ideologia política alguma.
Sem levar em conta posições políticas, o filme tem seus méritos. Com um bom enredo e uma produção que surpreende visualmente, “O Doutrinador” é um marco no cinema nacional por ser uma adaptação de HQ, cuja missão é impulsionar esse ambicioso projeto de criar um universo multimídia – no papel e nas telas – de super-heróis, só com artistas brasileiros.
Mercado nacional
Grande parte dos quadrinistas brasileiros vai trabalhar no exterior, já que o mercado americano é maior. Lá, desenham os personagens já concebidos da Marvel, da DC Comics, mas dificilmente têm tempo e espaço para tocar projetos autorais. Quando criaram a Guará, Cunha e Wainer levaram em consideração a criação de um espaço para os profissionais desenvolverem suas próprias criações e dentro de um universo.
“Entre a galera que vai para fora, 90% não faz trabalho autoral. Claro que é demais estar lá e desenhar para a Marvel, para a DC. É um orgulho ter artistas brasileiros lá”, fala Cunha, que nunca pensou em sair do Brasil por ter um traço que “não se encaixa no que os gringos querem”.
A inspiração nas grandes editoras americanas é total, até mesmo no que diz respeito à administração do negócio. “A gente contrata como a Marvel e a DC, com um contrato por obra”, explica Cunha, completando: “Mas não exigimos exclusividade do artista”. A editora espalhou a produção das HQs por todo o Brasil para sair só do eixo Rio-São Paulo e evitar criar “panelas”.
Na China, com Jackie Chan
O Doutrinador”, ou “The Awakener”, título do filme no exterior, foi selecionado para o evento Jackie Chan International Action Film Week, na China, promovido pelo ator, para divulgar filmes de ação. O diretor Gustavo Bonafé está por lá.
Além de "O Doutrinador", outras três HQs já forma lançadas e devem chegar às bancas de BH na próxima semana. Os títulos podem ser comprado online, na loja virtual da Universo Guará.
"Santo": Desenhado por Alisson Borges (de heróis como Wolverine e os Jovens Titãs), que assina Mikhael RS, a trama mostra Salvador Sales, médium que, após um ataque a um centro de umbanda, persegue os agressores racistas e falsos profetas usando os poderes paranormais.
“Os Desviantes”: Num futuro não muito distante, o Brasil está ainda mais dividido, e jovens pobres são usados pelos mais poderosos para serem cobaias de experimentos científicos para criar super-humanos. Porém, alguns jovens se rebelam e fogem para confrontar esses poderosos.
“Pérola”: Essa heroína brasileira, marginalizada, (Pérola ou Penny) luta contra o machismo, num mundo de prostituição e tráfico de mulheres, ao lado de uma amiga trans e um amigo gay, enquanto lida com seus próprios traumas. Os desenhos são de Péricles Júnior.