Música

Conheça as histórias por trás dos sucessos de Beth Carvalho

Cantora gravou Zeca Pagodinho, Cartola, Nelson Cavaquinho e Jorge Aragão

Por Raphael Vidigal
Publicado em 30 de abril de 2019 | 19:38
 
 
 
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Beth Carvalho é a voz dos sambas animados. Ou, ao menos, a que mais se identifica com o gênero assimilado como pagode, o que originalmente referia-se às rodas de samba e ao encontro de vários músicos em clima descontraído, com muitas bebidas e tira-gostos. Contribuiu para tanto a ligação da intérprete com o morro do Cacique de Ramos, donde foi pescar pérolas de Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Beto Sem Braço, Xande de Pilares e outros, em história mais do que conhecida.

É certo que esse pagode tomou o lugar destinado, em tempos idos, às marchinhas, com suas canções rítmicas, entusiasmadas, de letras simples a versar sobre os costumes. Beth Carvalho representa, nos dias atuais, o que representaram Marlene e Emilinha Borba. É a voz das camadas populares a se estender democraticamente com sua música.

Até ser consagrada como madrinha do samba de terreiro, porém, Beth provou e comprovou sua versatilidade, não apenas esbanjando o talento de instrumentista ao empunhar o cavaco, mas, sobretudo, por aquilo que diferencia intérpretes de cantoras. Beth conhece os meandros das canções, o que lhe permitiu escolher um repertório que a deixava à vontade no controle técnico para que a emoção, principal motor artístico, alcançasse todo o potencial. 

Por isso ela canta Cartola, por isso ela canta – dizem alguns, como ninguém – Nelson Cavaquinho, e também canta “Andança”, do trio Edmundo Souto, Danilo Caymmi e Paulinho Tapajós, música que lhe valeu o primeiro flerte com a aclamação popular, e tantos outros compositores que, embora engendrados no samba pelo domínio desta dicção que Beth imprime, soam preponderantemente como canções que nos falam e, acima de tudo, contagiam.

Andança (1968) - Edmundo Souto, Paulinho Tapajós e Danilo Caymmi
“Andança” foi feita na casa de Beth Carvalho, por três jovens que, como ela, iniciavam na época suas carreiras: os compositores Danilo Caymmi, Edmundo Souto e Paulinho Tapajós. Danilo compôs a melodia da primeira parte, Edmundo a da segunda e, novamente Danilo, a da parte que é usada em contracanto, cabendo a Paulinho fazer a letra, que trata da caminhada sem fim de um romântico andarilho: “No passo da estrada/ Só faço andar/ Tenho a minha amada/ A me acompanhar/ Vim de longe, léguas/ Cantando eu vim/ Vou, não faço tréguas/ Sou mesmo assim...”. Meio samba, meio toada, moderna e bem estruturada, “Andança” mostra certa influência do estilo Milton Nascimento, uma tendência que pode ser observada no final dos anos 60, principalmente em músicas concorrentes aos festivais. Apresentada por Beth Carvalho e os Golden Boys, “Andança” foi a terceira colocada na parte nacional do III FIC e uma das mais aplaudidas pelo público.

Folhas secas (1973) – Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito
No ano de 1973, lembrando com nostalgia sua mocidade, Nelson Cavaquinho compôs, ao lado do parceiro Guilherme de Brito, a essencial “Folhas Secas”, que prestava uma homenagem à querida Estação Primeira de Mangueira, onde ele conhecera o samba que o levaria por toda a vida. A música foi alvo de uma polêmica jamais resolvida entre Elis Regina e Beth Carvalho, que a lançaram no mesmo ano. Inicialmente dada para Beth gravar, foi levada pelo arranjador César Camargo Mariano para Elis. O resultado foram dois registros belíssimos para a música brasileira e uma desavença severa entre as duas intérpretes.

As rosas não falam (1976) – Cartola 
Numa tarde de 1975, o compositor Nuno Veloso, que levava Cartola e dona Zica até a casa de Baden Powell, resolveu comprar flores para o casal. Ao se encantar com o desabrochar da roseira no dia seguinte, Zica questionou o marido: “Como é possível, Cartola, tantas rosas assim?”, ao que ele respondeu sem muito entusiasmo: “Não sei, as rosas não falam”. E começava a florescer naquele dia mais uma música que traria voz eterna a seu compositor. Gravada por ele e por Beth Carvalho em 1976, a música demonstrava toda a esperança lírica de Cartola, que a escrevera aos seus 67 anos.

Vou Festejar (1978) - Jorge Aragão, Dida e Neoci Dias
No ano de 1978, com produção de Rildo Hora para a RCA, Beth  lançou o disco “De Pé no Chão”, puxado pelos sucessos “Vou Festejar” (Jorge Aragão, Dida e Neoci Dias), “Goiabada Cascão” (Wilson Moreira e Nei Lopes) e “Agoniza Mas Não Morre”, de Nelson Sargento. Este disco, que chegou a vender 500 mil cópias, marcou o surgimento do pagode carioca, um jeito inovador e descontraído de fazer samba, descoberto por Beth quando ela assistia a um ensaio do Bloco Carnavalesco Cacique de Ramos, cujos sambistas faziam um ritmo diferente com pandeiro, tamborim, banjo e tantã, instrumentos pouco usados em rodas de samba. “Vou Festejar”, símbolo desse estilo, ficou associada aos times de coração de Beth, o Botafogo, no Rio de Janeiro, e o Atlético em Minas Gerais.

Camarão Que Dorme a Onda Leva (1981) – Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz e Beto Sem Braço
A renovação do samba carioca é creditada, em larga medida, ao bloco carnavalesco Cacique de Ramos e, sobretudo, à presença da madrinha Beth Carvalho, apontada de tal maneira pela maioria dos sambistas da nova geração. Não é por acaso. Em 1981, Beth revelou ao Brasil o compositor e cantor Zeca Pagodinho, quando o convidou para cantar em seu disco o samba “Camarão Que Dorme a Onda Leva”, parceria com Arlindo Cruz e o lendário Beto Sem Braço. Além do ditado popular presente no título, que expressa a necessidade de atenção, agilidade, esperteza e dedicação por parte do cidadão brasileiro, outros são apresentados na letra, entre eles “hoje é dia da caça, amanhã do caçador”, sobre o caráter cíclico da vida; e “não faça gato e sapato de mim”.

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