Circuito Urbano de Artes - CURA

Conheça o artista por trás da intervenção no Viaduto Santa Tereza

Indígena da etnia Makuxi, Jaider Esbell ficou surpreso com repercussão da obra; arte das populações nativas está em evidência nesta edição do CURA

Por Alex Bessas
Publicado em 23 de setembro de 2020 | 16:53
 
 
 
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Inaugurada na tarde de terça-feira (22), a escultura inflável que, com ineditismo, transforma a estrutura do icônico Viaduto Santa Tereza marcou o início das atividades da etapa deste ano do Circuito Urbano de Artes (CURA). Iluminadas por volta de 17h30, as duas serpentes de cerca de 40 m causaram frisson nas redes sociais e alcançaram tanta repercussão midiática que deixaram Jaider Esbell, 41, surpreso: nome por trás da obra, o artista indígena da etnia Makuxi não esperava tanta mobilização e celebra que o trabalho tenha sido abraçado pelos belo-horizontinos. 

Esbell explica que as duas cobras gigantes remetem intencionalmente ao imaginário associado à fauna amazônica. Em Minas, essas entidades ganham outras dimensões: representam os trens ferroviários, muito associados à atividade da mineração. “Há um ponto comum neste sentido, pois a extração de minérios que solapa as terras mineiras legalmente está, de alguma forma, ligada ao garimpo que destrói a Amazônia ilegalmente”, pontua o artista roraimense que viveu, até os 18 anos, na Terra Indígena Raposa – Serra do Sol.

Quando, ao entardecer, a instalação é iluminada, simbolicamente, Esbell indica como a arte pode se tornar um farol para iluminar e reforçar por meio de outras linguagens as lutas políticas dos povos originários - por reconhecimento, dignidade e preservação. Hoje, esta é uma frente que vem aglutinando cada vez mais indígenas. Caso do mineiro Isael Maxakali, da Aldeia Hãm Kutok, situada no município de Ladainha, no vale do Mucuri, que venceu o Prêmio Pipa 2020 na categoria voto popular.

Nesta edição do CURA, diga-se, outros representantes de populações nativas deixarão suas marcas na cidade. Daiara Tukano, nome tradicional Duhigô, que pertence ao clã Uremiri Hãusiro Parameri do povo Yepá Mahsã, é um dos destaques do circuito. Fica a cargo dela a pintura da empena de mais de 1.000 metros quadrados no Edifício Levy, no centro de BH. A organização do festival destaca que esta será a maior arte pública já feita por uma artista indígena no mundo. Juntam-se ao grupo Denilson Baniwa (AM) e Célia XaKriabá (MG), responsáveis por uma intervenção que estendeu com bandeiras gigantes desenvolvidas nas janelas do antigo prédio de Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Uma das curadoras convidadas desta etapa do circuito, Arissana Pataxó, de Coroa Vermelha, Cabrália, completa o time. 

“Essa presença de representantes originários já era um sonho antigo”, garante Priscila Amoni, uma das idealizadoras do projeto de arte urbana belo-horizontino. Ela lembra que nem todos os convidados puderam comparecer por conta de restrições impostas pela pandemia da Covid-19. “O que fica evidente é que estamos nessa pesquisa cada vez maior e essa participação vai continuar em todas próximas edições”, diz.

“A relação da nossa presença no CURA tem muito a ver com essa abordagem de sermos tratados como artistas”, avalia Esbell. “Estamos conseguindo ocupar esse lugar. Vários artistas indígenas estão saindo da invisibilidade. Sem dúvida, isso é fruto da luta de nossos antepassados e é, também, uma forma de essa segunda ou terceira geração tomar par desse combate”, completa, destacando tratar-se de um trabalho construído em rede, que se soma a cada ação e que vai se avolumando, mas que só vai crescer se a sociedade dominante for alcançada e envolvida nas práticas.

Artista, que esteve em BH em 2013, diz ter uma relação forte com a cidade

A história de Jaider Esbell com a capital mineira não começou ontem. Em 2013, ele participou da Exposição Coletiva e Latinoameríndia MIRA – Artes Visuais Contemporâneas dos Povos Indígenas, organizada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e que reuniu povos originários de diferentes países da América Latina. “O evento foi um marco não só para Minas Gerais, mas para todo o Brasil. Foi algo de grande importância por acolher tanta diversidade cultural. Para mim, a passagem por essa mostra foi fundamental. Depois disso, meu trabalho ganhou mais projeção”, observa, reforçando que a obra que apresenta agora está diretamente vinculada à trajetória que construiu a partir de então.

“Eu tenho uma ligação forte com BH. Quando estive aqui, há sete anos, fiquei quase um mês participando de diversas atividades, foi muito enriquecedor”, diz, esbanjando generosidade. E a agenda, desta vez, segue cheia, tanto que, para atender a reportagem, precisou encurtar o próprio almoço.

Em um momento em que os ataques aos povos indígenas se tornam mais visíveis para parcela da sociedade, embora nunca tenham cessado ao longa de toda história, o artista defende ser fundamental que se coloque com mais clareza e contundência que os conhecimentos e práticas dessas populações, embora fragmentados, estão vivos e podem ser oferecidos para a sociedade como uma ferramenta de compreensão do mundo.

“O legado que vamos construindo só vai existir se formos compreendidos como sujeitos ativos, que são parte do mundo - e não como seres exóticos. Nós somos capazes de acessar conhecimentos e tecnologias indispensáveis para formatar meios de convivência. Somos povos completos, complexos e integrais capazes de adiar o fim do mundo”, sentencia, citando palavras do líder indígena Ailton Krenak, que venceu o prêmio Juca Pato de intelectual do ano nesta terça-feira (22) e que participa, no dia 2 de outubro, do encerramento da maratona de atividades virtuais do CURA com o aulão “A Vida Não É Útil”, tema que também dá nome ao seu novo livro.

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