Curitiba. Uma antiga torre, local em que eram armazenadas armas e pólvoras muitos anos atrás, se transforma em palco para o duelo de duas mulheres soberanas. O espaço, onde hoje funciona o Teatro Paiol, recebe a peça "Rainhas - Duas Atrizes em Busca de Um Coração", um dos três espetáculos que abriram, ontem, a mostra oficial do 18º Festival de Teatro de Curitiba. Trata-se de uma ação entre mulheres, um diálogo com a obra "Mary Stuart", de Friedrich Schiller, projeto que reúne as atrizes Isabel Teixeira e Georgette Fadel como Mary Stuart e Elizabeth I, respectivamente, sob a direção de Cibele Forjaz, uma das diretoras mais criativas da cena contemporânea. Foi durante o último ensaio antes da estreia no festival, entre uma passagem de luz e outra, tarefa que Cibele conhece com profundidade, que a diretora paulista recebeu o Magazine, para uma entrevista exclusiva sobre sua trajetória e o espetáculo que apresenta no evento.

Muitas das ideias que norteiam o teatro de Cibele Forjaz podem ser facilmente sintetizadas por uma simples frase da encenadora: "Faço teatro pela fome e, não, pela fama", comenta a criadora, responsável pela direção de trabalhos primorosos como "Toda Nudez Será Castigada" e "Um Bonde Chamado Desejo", peças que confirmaram o talento de Leona Cavalli, "Arena Conta Danton", que recuperou o sistema coringa utilizado pelo Teatro de Arena, e "VemVai - O Caminho dos Mortos", que abocanhou as principais categorias do prêmio Shell no ano passado. Aliás, "Rainhas" também chega em Curitiba com mais um prêmio Shell, dessa vez, de melhor atriz, para Isabel Teixeira. Independentemente do universo que aborda em suas criações, o que interessa a Cibele Forjaz é o que ela chama de teatro-jogo. "Falo no sentido da ‘presentificação’ do ator na sua relação ao vivo com a plateia. Isso parece óbvio, mas busco levar essa especificidade da arte ao vivo ao extremo, fazendo com que a presença do outro seja fundamental para que o trabalho se realize", justifica a diretora, cujos espetáculos são inéditos em terras mineiras. Cibele acredita em um teatro no qual a plateia seja atingida pelo que está em cena e no qual o ator se transforma no contato com o público. "O que eu busco é essa afetação de uns pelos outros."

A diretora está sempre em trânsito entre a Cia. Livre, da qual é diretora, e projetos paralelos, como é o caso de "Rainhas". "Agora, no caso de ‘Rainhas’, é ainda mais especial. Porque a Isabel fundou a Cia. Livre comigo, e sempre trabalhamos com a ideia do ator-criador, um ator senhor de seus atos. E a Isabel saiu da Cia. Livre e, agora, me convidou para dirigir esse trabalho. É um encontro lindo, permeado pela lógica de um trabalho de grupo, em que cada uma de nós aceitou o convite de se desafiar", garante. Cibele ressalta que a história pregressa das três mulheres envolvidas na montagem acaba reverberando com as questões apresentadas em cena. "Tenho um flerte artístico com a Georgette de muitos anos. Ela e a Isabel foram contemporâneas de EAD (Escola de Arte Dramática, da USP). Então, tem um momento do espetáculo em que elas falam ‘cruzei várias vezes com você pelos corredores’ ou ‘já operei muitos canhões para você’, o que fala ao mesmo tempo da peça do Schiller e da nossa história", pontua. "A gente teve quatro meses para criar o espetáculo, mas, em cena, chegam pelo menos dez anos de relação entre nós três."

Com apenas 1,43 m de altura, Cibele tem uma criatividade de grandes dimensões. Embora seja considerada uma das principais encenadoras do país, faz questão de dizer que todos os seus trabalhos são feitos em coautoria. "Acho que essa ideia dos grandes encenadores do século XX foi fundamental para transformar um teatro que era pautado no realismo para algo com traços mais autorais. Mas, hoje, no teatro do século XXI, o mérito da criação não pode ficar restrito a uma única pessoa. Cabe aos coletivos esse papel hoje, eles são o grande celeiro da pesquisa teatral", reconhece. "Não me interesso por atores que só sabem falar, cantar e dançar. Eles têm que ser autores do que falam, do que cantam e dançam, têm que ser senhores de sua arte e, não, instrumentos a serem manipulados pelo desejo deste ou daquele diretor. Por isso mesmo, acho muito coerente que eu, Isabel e Georgette tenhamos assinado o texto do espetáculo coletivamente."

Equipe premiada

CIBELE FORJAZ
ganhou o Shell 2008 pela direção de "VemVai - O Caminho dos Mortos"

GEORGETTE FADE recebeu o mesmo prêmio por sua atuação em "Gota D´Água"

ISABEL TEIXEIRA foi premiada com o Shell este ano, por "Rainhas"