Cinema

Dois perdidos num beco sujo

Dramaturgo Adriano Gilberti leva sua peça “Belatriz para as telas, assumindo a direção com o ator Thiago Pagani

Por Daniel Oliveira
Publicado em 31 de janeiro de 2017 | 03:00
 
 
 
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Adriano Gilberti começou a escrever “Belatriz” em 2002. Em 2008, ele entrou com um projeto na Lei de Incentivo para levar o texto aos palcos e, em 2011, a peça finalmente estreou em Belo Horizonte, pela Cia. Caixa de Fósforos. Narrando o encontro “realista e ao mesmo tempo poético”, em um beco, entre o traficante Tuzé e O Mendigo, vividos respectivamente por Thiago Pagani e Harley Winter, o espetáculo passou por alguns festivais, foi indicado a três prêmios Sinparc naquele ano e despertou uma vontade em Gilberti.

“Em 2012, eu resolvi roteirizar o espetáculo e fazer dele um filme”, conta o dramaturgo. Ele conseguiu aprovar um projeto de média-metragem no Fundo Municipal de Cultura em 2014, mas depois de chamar o ator Thiago Pagani para dividir a direção da produção, os dois decidiram fazer de “Belatriz” um longa – cujas filmagens começaram há duas semanas e terminam nesta terça-feira (31), na capital.

“Esse foi o grande desafio: fazer tudo em 15 dias, com uma grana apertada”, revelou Pagani, do Cine Theatro Brasil Vallourec, no meio do penúltimo dia de filmagens. Para superá-lo, a produção foi toda filmada em apenas quatro locações: o teatro, uma rua por onde os dois protagonistas caminham, o Mineirão e o beco onde eles se conhecem.

O curioso é que esse último espaço, onde acontecia toda a peça, foi construído num galpão, que virou uma espécie de estúdio – um truque realizado com a ajuda da diretora de fotografia Sarah Cambraia, o cinegrafista Ricardo Marques, a diretora de arte Ivie Zappellini e o operador de som Leo Diniz, que também vai montar o longa.

Essa foi uma das mudanças que Gilberti teve de encarar ao levar o texto do palco para as telas. “Gosto muito de espetáculos com um cenário único, apenas dois atores em cena, como ‘Esperando Godot’ e ‘Dois Perdidos numa Noite Suja’, e a peça partiu desse princípio”, conta o dramaturgo. Mas ele admite que adaptar para o cinema não envolve apenas mudança de texto, mas de linguagem. “Tudo que era referência nos diálogos se transformou em cena: na peça, o Tuzé falava que estava fugindo da polícia; no roteiro, existe uma sequência de perseguição, mais ação. Tudo que era trabalhado em cima de linguagem se tornou imagem”, conta.

E o convite para que Thiago Pagani assumisse a codireção foi também fundamental nesse sentido. Na peça, o imaginário fértil d’O Mendigo ganhava vida no texto – já no filme, ele será transformado em animação. E além de ator, Pagani tem conhecimento em computação gráfica. “Colocá-lo na criação desse projeto foi fantástico porque eu tinha uma visão e, quando você escreve, vai se fechando muito nessa concepção, e o Thiago veio trazendo ideias fantásticas”, comenta Gilberti.

Para assumir o comando do barco ao lado do dramaturgo, porém, Pagani teve que deixar o figurino de Tuzé, que passou a ser vivido na tela pelo ator Igor Cotrim. Já O Mendigo continua interpretado por Harley Winter. O elenco conta ainda com uma ponta de Antônio Rodrigues, que dirigiu o texto nos palcos.
A troca de função foi prazerosa, ainda que não sem desafios – a começar pelo fato de que Pagani vive em Belo Horizonte e Gilberti, em Piracicaba. “A gente fez a decupagem do roteiro pelo Facetime, de madrugada. Conversávamos sobre uma cena e encenávamos um para o outro online. Foi um interessante desafio virtual”, ri Pagani.

Brincadeiras à parte, porém, a dupla acredita na importância e na possibilidade de apresentar o texto para um público maior, especialmente a discussão sobre a invisibilidade e nossa insensibilidade com os moradores de rua dos grandes centros urbanos. “O filme fala da importância de observar essas pessoas em condições desfavoráveis, de fazer as escolhas certas, mesmo num momento de dificuldade. E como é possível, mesmo estando num beco da vida, sair dele”, sintetiza Gilberti, sobre o longa que deve ficar pronto até novembro. 

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