Paulo Tatit

Cantor e compositor

Criador do Palavra Cantada ao lado da parceira Sandra Peres, artista fala sobre a celebração dos 25 anos do projeto, sucesso de público que busca ensinar e encantar as crianças por meio de canções lúdicas. Em entrevista ao Magazine, ele conta sobre os anos de atividade com os pequenos, defende os professores e critica o cardápio televisivo disponível para as crianças no Brasil.

Neste ano, o Palavra Cantada celebra 25 anos de criação. Vocês pretendem celebrar a ocasião?

Vamos comemorar em agosto deste ano, estamos preparando um show novo desses 25 anos de trajetória. Estamos animados para começar a ensaiar daqui a um mês, e estamos nos despedindo do “Bafafá”, que está há mais de dois anos em cartaz. Rodamos o Brasil todo, fizemos apresentações em 22 cidades, é um espetáculo bastante rodado. Terá uma parte que vamos chamar de “Túnel do Tempo”, e estamos selecionando as músicas. No meio do show, haverá uma retrospectiva, algo mais acústico, mais caseiro, muitas canções de ninar que as pessoas amam, queremos provocar bastante emoção nas mães e nos pais. Agora queremos comover também os adultos. Temos muitos depoimentos legais de mães por causa do disco “Canções de Ninar”. Como é destinado a crianças muito pequenas, os adultos acompanham. Temos músicas com apelo emocional que falam do crescimento da criança, então as mães gostam. Será um show de celebração. E também queremos lançar um DVD com esses arranjos novos.

Fale um pouco sobre o início dessa jornada.

Começamos em 1994, a internet estava engatinhando, nem e-mail havia direito, era algo singelo. Lançamos “Canção de Ninar” em fita cassete e CD, e vendemos muito, algo em torno de 400 mil fitas. As crianças mudaram muito também. Esses meninos e meninas dos grandes centros urbanos vão ficando cada vez mais em ambientes fechados, com seus iPads e iPods, mas, em 2000, fizemos o “Canções do Brasil” e visitamos todos os Estados. Então, notamos que, nas grandes cidades, a criança é uma, na periferia, é outra – ela está na rua, encara outros tipos de perigos. As crianças ficam soltas nas ruas. As brincadeiras são diferentes, de rua. Mas, agora, o celular chegou na periferia também, então tem joguinho. Isso é meio impressionante, a criança fica nervosa e irritada só de ver o celular.

O quê o inspira a fazer música para crianças?

No começo, vimos que tinha muita coisa chata, queríamos fazer algo legal, moderno, urbano e contemporâneo, para uma criança complexa, como são todas as crianças. Os adultos olham pras crianças e dizem: “Sejam saltitantes”. Como se a criança não pudesse ser triste nem ter dúvida. Então, fizemos o “Canções de Ninar” e deu certo. Foi algo orgânico, mas pensando em fazer música legal e não só para crianças: agradamos as babás e os professores. Então, é um desejo que temos de formar a criança de um jeito sutil, como a música é. Impregnar na criança uma cultura musical mais sofisticada, que possa criar alicerces que ela possa curtir música para o resto da vida. A criança em formação, de 2, 3 anos, tem que começar a criar aquele caráter musical, mostrar os ritmos do seu país.

Qual a faixa etária que o Palavra Cantada mais busca atingir?

Nosso trabalho pega as crianças pequenas, da primeira infância, e vai até 7, 8 anos. A média de idade das crianças nos shows é de 5 anos. Mas crianças de até 9 e 10 gostam porque o show é animado, tem banda. Somos mais musicais e menos intencionais, ou seja, a mensagem passa a ser mais musical. É instrução melódica e musical.

Qual a fórmula do sucesso?

A criança aceita algo que o adulto oferece a ela, não julga se uma música tem qualidade ou não. Mas a gente agrada pessoas de qualquer classe social, tem um apuro musical. As babás percebem isso, gente mais simples diz isso, então a música transmite bem. O Palavra Cantada chega a todo público. Já fizemos muitos shows em escolas de periferia, por exemplo. Eu e meu irmão Luiz Tatit tentamos fazer músicas simples, como “O Passeio do Bebê”. Letras bem simples, com ritmo gostoso. A repetição é outro truque, brincadeiras com palavras e com sílabas.

Do que as crianças não gostam?

Harmonia mais sofisticada, ritmos quebrados, solos de piano, isso não rola. A criança gosta muito de algo mais objetivo e claro do ponto de vista rítmico, mais energético. Criança gosta de pegar a baqueta e tocar. Gosta de coisa engraçada também, de rima e aliterações, trava-línguas. Tem que fazer coisas lúdicas no texto e na melodia. Tem que ter uma história bem contada também, como fizemos em “Papagaio Reginaldo”, que mesmo com uma letra enorme, as crianças gostam.

A cada época as crianças gostam de algo diferente? Esse comportamento mudou?

O que mudou foi que a música, hoje, tem que ter um clipe. A música sozinha não acontece nada. Todo mundo pede por causa do clipe, então, isso virou uma imposição da época. A gente resistiu um pouco a isso, mas, a partir de um certo ponto, não deu mais.

Muitas escolas usam as músicas de vocês no processo de alfabetização. Como é essa experiência?

Fazemos livros, temos aplicativo e cursos também. Esse material é utilizado por professores em trabalhos de percepção musical. Temos as brincadeiras musicais, onde a criança vai entendendo os parâmetros musicais, o que é ritmo, condução, melodia, harmonia, pulso... Nos livros, os professores compram esse material didático e usam dentro de sala de aula. O professor é nosso parceiro, é a coisa mais importante que tem. Só os países desenvolvidos que valorizam essa importância fundamental do professor. No Brasil infelizmente não é assim.

O Palavra Cantada também já criou canções que denunciam situações que o país enfrenta, como o trabalho infantil (na canção “Criança Não Trabalha”). Vocês ainda criam músicas com tom de denúncia?

A música (“Criança Não Trabalha”) é lúdica e fala desse problema brasileiro, mas as crianças gostam e não entendem a mensagem. Fizemos ela depois de ver fotos impressionantes de crianças trabalhando em colheita de laranja e fornos de carvão. Isso que gerou a música. Mas esse não é muito nosso caminho, apesar de termos outras músicas, como a “Cuida com Cuidado”, que demonstra como o homem é dependente.

Existe algum tema proibido para o Palavra Cantada?

Sempre construímos as letras de uma forma mais poética, evitamos dar respostas prontas, abordagens muito didáticas, que fica chato. Sempre tentamos algo lúdico e engraçado. Precisa ser bem rimado, e depende da forma e da linguagem.

Vocês tem algum convite para programa de TV? A TV abandonou as crianças?

Temos dificuldades com a TV, porque é muito cheia de regras e isso dá uma canseira na gente. A gente tinha um projeto superlegal, apresentamos para um canal e eles já tinham todo um formato. Falta coragem à TV, falta arrojo. É tudo formatadinho demais. Hoje em dia, fazemos mais no YouTube. O Brasil ficou para trás na programação infantil na TV em comparação aos anos 1980, quando havia coisas como “Castelo Rá-Tim-Bum”, por exemplo. A TV hoje só pensa no lucro, mas está paupérrima do ponto de vista de qualidade. De vez em quando eu assisto algumas produções norte-americanas e inglesas com projetos legais, bem feitos, bem filmados, coisas simples mas com bons diálogos.