Com uma trajetória fortemente ligada às comunidades indígenas desde os anos 70, o cineasta ítalo-brasileiro Andrea Tonacci propôs à organização do forumdoc.bh a realização de uma mostra dedicada à produção audiovisual desses povos. O material angariado pelo diretor foi tão rico e abrangente, no entanto, que o resultado, a mostra “Olhar: Um Ato de Resistência”, tornou-se o grande destaque do festival que começa hoje e vai até o dia 29 nos cines Humberto Mauro, 104 e na UFMG.
“Num contexto muito desolador das políticas públicas e da visibilidade das comunidades indígenas no Brasil, a mostra vem não só exibir filmes, mas promover um encontro entre eles, de aprofundamento e troca entre as varias etnias que vamos trazer”, propõe Carla Italiano, uma das organizadoras do evento, destacando um dos principais pontos desta 19ª edição. Além dos mais de 80 filmes selecionados, o forumdoc vai trazer representantes indígenas do Brasil, México, EUA, Bolívia, Panamá, Peru e Venezuela para uma série de encontros e debates sobre suas produções, sua cultura e os desafios enfrentados por esses povos em toda a América.
“Serão não só realizadores, mas também pesquisadores e antropólogos que podem contribuir para as discussões que surgirem”, ela completa, acrescentando que os encontros são abertos ao públicos, sem inscrição prévia.
Esse grande foco indígena começa já hoje, às 19h30, no Cine Humberto Mauro. Após uma fala do próprio Tonacci, a realizadora navajo Arlene Bowman vem dos EUA apresentar e discutir dois dos filmes que ela vem produzindo desde os anos 80, “Navajo Talking Picture” e “The Graffiti”. “Ela discute como levar essa tecnologia do cinema para uma outra cultura, especialmente no ‘Navajo’, em que a Arlene lida com a resistência da avó dela em ser filmada”, analisa Carla.
Outro destaque é a vinda do xamã yanomami Davi Kopenawa na próxima segunda, dia 23. Além de apresentar dois filmes em que ele aparece – um dirigido por um índio, e outro não –, o líder lança em Belo Horizonte o livro “A Queda do Céu: Palavras de um Xamã Yanomami”. Originalmente editada na França, e recentemente lançada no Brasil, a obra é considerada um marco da antropologia, da filosofia e da literatura, ao fazer uma análise poética da “cultura da mercadoria”, a branca, do ponto de vista yanomami. “É algo bem emblemático do que essa mostra está fazendo. Não são filmes sobre indígenas. É sobre o acesso deles à produção audiovisual, retratando sua cultura e fazendo uma crítica muito potente à nossa”, descreve a coordenadora do forumdoc, Júnia Torres.
Ela ressalta que, mesmo não fazendo parte da mostra “Olhar: Um Ato de Resistência”, outro destaque do festival deste ano está ligado à causa indígena. Rodrigo Moura, diretor artístico do Inhotim, faz sua estreia como diretor no documentário “A Estrangeira”, sobre a fotógrafa suíça Claudia Andujar.
“Ela teve uma atuação determinante na mobilização internacional para a demarcação das terras dos yanomamis nos anos 90 e é muito próxima do Davi (Kopenawa) ”, lembra Torres. Ela ressalta, porém, que o longa não trata apenas do ativismo de Andujar, que inaugura sua nova galeria em Inhotim no dia 26 e lança o filme dois dias depois, às 21h, no Humberto Mauro.
Fora da temática indígena, o forumdoc deste ano homenageia o cineasta baiano Olney São Paulo. Um dos nomes menos conhecidos do Cinema Novo, ele ganha uma retrospectiva no festival. “Não é integral porque grande parte da obra dele não está em bom estado de conservação, o que por si só indica a importância do resgate dessa parcela do cinema brasileiro em vias de extinção”, aponta Carla Italiano. Entre os destaques da homenagem, estão a sessão de “Manhã Cinzenta”, comentada por Rodrigo Siqueira, diretor de “Orestes”; e de “O Forte”, debatido por Hernani Heffner, diretor da cinemateca do MAM - Rio.
Por fim, a novidade da seção contemporânea da edição deste ano é o fim do caráter competitivo. “Gostaríamos que esses 16 filmes nacionais e 11 internacionais, dentre 600 inscritos, fossem prestigiados igualmente, acompanhando a guinada do cinema contemporâneo, cada vez realizado mais coletivamente, esvaziando a figura do autor”, defende Carla. Cada um dos selecionados ganhou uma crítica no catálogo do festival.
E, além dos espaços tradicionais, o forumdoc deste ano faz ainda um circuito com sessões nas Ocupações Esperança, Eliana Silva e Morro do Cascalho. “Queremos não trazer as pessoas, mas ir até elas e levar essas questões que elas já vivem, mas não discutem dessa forma, a partir do cinema”, justifica Carla.
19º forumdoc
Quando. De hoje a 29/11
Onde. Cine Humberto Mauro, 104 e UFMG
Programação completa. www.forumdoc.org.br
Entrada gratuita