FIT-BH

Endurecer sem perder o humor

Ntando Cele apresenta “Black Off, que propõe reflexões sobre o papel da mulher negra e do artista na sociedade

Por Gustavo Rocha
Publicado em 15 de setembro de 2018 | 03:00
 
 
 
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Misturar arte e política não é exatamente uma novidade no cenário cultural. No teatro, então, há um lastro histórico de artistas que se dedicaram a criar uma estética discursiva que fosse ao encontro de questões sociais e que refletisse seu tempo. Investindo em uma construção multimídia, a artista Ntando Cele apresenta “Black Off”, neste sábado (15) e domingo (16), no Teatro Sesiminas, dentro da programação do Festival Internacional de Teatro (FIT-BH). “Arte e política sempre estiveram entrelaçadas. Se uma arte não pretende ser política, ela está, de mais a mais, endossando o sistema. Se a arte quer tocar as pessoas, ela precisa falar de assuntos delicados e assuntos que ninguém aborda. Histórias ou pontos de vista que ainda não foram contados. E isso, por si só, é político”, pontua a sul-africana Ntando Cele. 

Em cena, a performer assume o papel da apresentadora “cidadã do mundo” Bianca White, espécie de alter ego de si própria, que se julga profunda conhecedora dos negros e deseja ajudar para que eles superem sua “escuridão interior”. Pensamentos racistas e estereótipos de mulheres negras ganham a cena e ativam reflexões sobre a humanidade e a construção que pode limitar a visão do outro.

Ntando pontua que “Black Off” é “uma mistura de ideias divertidas de como lidar com o preconceito”. “O humor é usado para atrair o público, e os gestos performáticos dão a impressão de que o preconceito machuca fisicamente. Também tem muita música, porque a música é capaz de afetar a pessoa imediatamente”, destaca. Em cena, ela busca um humor que revele o preconceito com leveza, já que, “aos berros, ninguém consegue a atenção da plateia”. Ntando tem circulado com “Black Off” por importantes festivais (esteve na MITsp - Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, no ano passado), sobretudo em países de população com maioria branca. Abordar o racismo, portanto, da forma que ela propõe, é uma maneira de criar uma reflexão por meio do riso. “Rir de si mesmo pode ser uma caminhada na direção certa”, destaca ela. 

O título da peça é inspirado em algumas possibilidades da palavra “off”. Ntando explica que a primeira parte do trabalho era chamada “Face off”, que pode ser traduzida como “encarar” ou “olhar cara a cara”. “É para chegar em termos entre eu e o outro”, pontua. Também há um jogo de palavras, somente possível em inglês, com a expressão “back off”, que significa “afaste-se” ou “dê-me espaço”. “O trabalho é inegavelmente um olhar da ‘blequitude’ e eu digo ‘back off’, cansada por ter que me explicar para pessoas que não escutam”, ressalta Ntando.

Acompanhada por três músicos em cena, ela acredita na pluralidade de linguagens para compor “Black Off”. Sobretudo o audiovisual. “Fazia sentido abordar essa temática com diferentes mídias. Eu acredito que cada espetáculo requer diferentes estilos e mídias. Além do mais, um trabalho com uma atriz apenas em cena fica mais ‘mágico’ com as projeções de vídeo”, assegura a artista. 

Representatividade negra nos palcos

Nascida em Durban, na África do Sul, há alguns anos, a artista vive e desenvolve seu trabalho na Suíça. Ela destaca a dificuldade de encontrar artistas negros ativos em países como a Suíça ou a Alemanha. “Em termos da cena teatral, quase não há artistas negros. Os teatros se parecem com o Congresso Nacional brasileiro. Se você vive em um país de maioria branca, as pessoas pressupõem o pior quando veem pessoas negras. O preconceito dificulta que sejamos aceitos como artistas. Ser negro em um país de não negros já é uma luta contra estereótipos”, destaca Ntando.

Segundo a artista, seu trabalho se encaixa no eixo curatorial proposto para o FIT deste ano – que é Corpo-Dialeto – porque a linguagem corporal presente no espetáculo traduz, defende e marca seu posicionamento pessoal como artista. “Tenho criado meu estilo pessoal de construir narrativas usando minha fisicalidade. De partida, uma mulher negra no palco já tem um significado. Meu corpo vem com associações preconcebidas”, destaca. 

No FIT, além das duas apresentações de “Black Off”, Ntando ministra a oficina “Speaking outside my skin”, no domingo, dia 16. As inscrições já se encerraram.

Agenda

O Que. “Black Off”, de Ntando Cele

Quando. Neste sábado (15), às 21h, e domingo (16), às 20h

Onde. Teatro Sesiminas (rua Padre Marinho, 60, Santa Efigênia)

Quanto. R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); a bilheteria do teatro abre uma hora antes de cada apresentação

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