Luto

Escritora e ilustradora premiada, Angela Lago morre aos 71 anos em BH

Seus traços “conversavam com os textos de forma livre e nunca superficial

Por Laura Maria
Publicado em 23 de outubro de 2017 | 03:00
 
 
 
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Delicadeza. Esta palavra foi dita inúmeras vezes pelos entrevistados quando perguntados sobre qual seria a característica marcante da escritora, ilustradora e artista plástica belo-horizontina Angela Lago, 71, morta, nesse domingo (22), em Belo Horizonte, vítima de uma embolia pulmonar. Angela passou mal na noite de sábado, por volta das 22h30, e chegou a ser socorrida pelo Samu e levada ao hospital, mas acabou falecendo. Depois de ter sido velado no Cerimonial Santa Casa, no bairro de Santa Efigênia, o corpo da artista foi cremado no Cemitério Belo Vale, em Santa Luzia, na região metropolitana de Belo Horizonte.

Formada em serviço social pela Universidade Católica de Minas Gerais (hoje PUC Minas), Ângela Maria Cardoso Lago foi uma das autoras e ilustradoras mais importantes de literatura infanto-juvenil do país. Por seus trabalhos, recebeu prêmios no Brasil e em diversos países, como França, Espanha, Eslováquia e Japão.

Seus traços “conversavam” com os textos de forma livre e nunca superficial – trabalho difícil quando o público a ser atingido são as crianças. Seus desenhos, que nem sempre explicavam o texto, davam ao leitor abertura para inúmeras interpretações. Eles não tinham a função de elucidar as palavras que acompanhavam, mas de provocar reflexões.

Experimentação na linguagem e gosto pelo folclore brasileiro e pela oralidade marcaram sua trajetória. “Angela tinha um lugar próprio, muito especial na literatura brasileira, e que não permite comparações. Digo que Angela é um substantivo. Posso dizer, por exemplo, que alguém amanheceu Angela Lago. Tínhamos uma relação pessoal. Era carinhosa, gentil, calma. Ela sempre tinha sempre um olhar diferente para que chegava perto dela”, comenta o amigo e escritor Afonso Borges.

Segundo ele, tudo o que a Angela publicou é original, muito próprio. “Poucos autores na história conseguem fazer esse trânsito entre ilustração e texto com tanta qualidade como Angela fazia. O que ela deixa para os amigos é um vazio grande pela presença, pela amizade e pela delicadeza no trato”, diz.

Borges contou que a escritora seria homenageada na próxima edição da Fliaraxá, evento de literatura que será realizado entre os dias 15 e 19 de novembro na cidade do Alto Paranaíba. “Infelizmente, agora será uma homenagem póstuma”.

Poeta e superintendente de Bibliotecas Públicas e Suplemento Literário, Lucas Guimaraens diz que Angela é quem faria as ilustrações de seu livro “Exílio: Lago das Incertezas”, lançado na França, mas ainda inédito no Brasil. “A gente brincava que a Angela estaria no lago das incertezas. O mais relevante que deve ser falado é que ela era de uma delicadeza única. Sempre teve uma visão impressionante da arte, já que para ela não existia a palavra e a ilustração. Era tudo obra de arte”.

Trajetória. Nascida a 17 de dezembro de 1945, na capital mineira, Angela viveu nos Estados Unidos, na Venezuela e na Escócia. Voltou ao Brasil em 1975. Publicou seu primeiro livro aos 35 anos. E foram logo dois: “O Fio do Riso” e “Sangue de Barata”, ambos em 1980. De lá para cá, chegaram às livrarias mais de 40 títulos. Dentre eles, “Festa no Céu: Um Conto do Nosso Folclore” (1995), publicado no México, na França, nos Estados Unidos e no Brasil, e premiado na França e na Bienal de Bratislava (Eslováquia).

Lançou também “O Cântico dos Cânticos” (1992) – relançado em 2013 pela extinta Cosac Naify –, “Um Livro de Horas” (2008) e “A Casa da Onça e do Bode” (2005). Mesmo dedicando-se à literatura infanto-juvenil, sempre escreveu poemas, os quais dizia serem feitos “para adultos e crianças lerem”. Sua última publicação, “O Caderno do Jardineiro” (SM editora, 2016), aliás, reúne uma compilação de poemas escritos por ela.

Por mais que os trabalhos mais conhecidos de Angela estivessem no campo das ilustrações e da escrita, ela estendeu seu talento a outras áreas. Além de desenvolver trabalhos com animações interativas, a artista criou um projeto de alfabetização para crianças, com livros como “O AEIOU”, em que apresenta que, com apenas a substituição de uma letra, é possível criar palavras novas, ou “Achei!”, em que o leitor é convidado a brincar a encontrar palavras dentro de outras palavras. A artista levou o projeto para mídias digitais.

O longo caminho percorrido na literatura rendeu prêmios importantes. Ela, por exemplo, levou o Jabuti – maior premiação brasileira de literatura – com “Muito Capeta” (2006), “Marginal À Esquerda” (2009), “ABC Doido” (1999) e “A Visita dos 10 Monstrinhos” (2010). Ultimamente ela morava em um sítio em Jaboticatubas.

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