Em Morrinhos, cidade no interior de Goiás onde nasceu, Odair José, que se apresenta em Belo Horizonte neste sábado (16/8), vivia com os ouvidos ligados no radinho. Aos sete anos de idade, pediu um violão de presente de Natal, mas ganhou um cavaquinho. Tempos depois, se apaixonou por Elvis, Beatles, Rolling Stones e Bob Dylan, mas também por Frank Sinatra e Luiz Gonzaga. O rock, no entanto, era o que fazia sentido para o adolescente, que, ao se mudar para Goiânia, se descobriu compositor tendo John Lennon e Paul McCartney como professores.

O mundo estava mudando rápido em 1967, e Odair José, um menino de 19 anos, também. Ele colocou uma guitarra elétrica nos ombros e, sem dar qualquer satisfação à família, partiu rumo ao Rio de Janeiro com a intenção de mostrar suas canções. No bolso, endereços de alguns produtores, com os quais se reuniu para apresentar o que havia composto.

Mas as coisas não aconteceram como ele esperava. No Rio, Odair José teve de se virar. Trabalhar na noite forjou um artista que começou a conviver com estilos diversos. O bolero e a música romântica acabaram se fundindo ao rock, sua maior influência. 

Contratado pela gravadora CBS, o resultado começou a aparecer em “Odair José” e “Meu Grande Amor”, lançados em 1970 e 1971, respectivamente, mas a virada aconteceu mesmo com “Assim Sou Eu…”, de 1972. A partir desse ano, uma enxurrada de sucessos colocaram Odair José nas rádios de todo o país e fizeram dele um dos maiores vendedores de discos do Brasil, chegando a rivalizar com Roberto Carlos. 

“Vou Tirar Você Desse Lugar”, “Essa Noite Você Vai Ter Que Ser Minha”, “Deixa Essa Vergonha de Lado”, “Eu Você e a Praça”. “Uma Vida Só (Pare de Tomar a Pílula)” e “Cadê Você?” estouraram. Embaladas por melodias simples e letras diretas e ousadas, as canções de Odair José abordavam questões sociais, questionavam tabus comportamentais e pregavam o amor e a liberdade. A religião também era discutida, como no rockão atrevido “Cristo, Quem é Você”: “Abre essas portas que lá já vem Jesus/ Pobre e cansado com o peso da cruz”.

Sucesso e censura

O êxito comercial gerou reações ambíguas. Absorvido e admirado pelas classes populares e desprezado pela esquerda universitária que cultuava Chico e Caetano e considerava o compositor um artista alienado, Odair José e sua música ganharam rótulos pejorativos. Ele já foi chamado de Bob Dylan da Central do Brasil, Terror das Empregadas e Rei do Brega, alcunhas que associavam suas canções às camadas mais humildes como se isso fosse algo negativo ou uma coisa da qual ele devesse se envergonhar.

“Vou direto na cabeça das pessoas mais simples, canto o que elas gostam, mas minha música também é um despertador, minha mensagem e meu pensamento estão nas canções. Falar para as massas é um privilégio. Eu atingia o povo brasileiro, era mais subversivo que o Chico Buarque”, afirma.

As canções que tanto tocavam nas rádios contrariaram os militares. Nos anos 1970, Odair José foi um dos artistas mais censurados pela ditadura. Inspirada nas vivências noturnas de Odair José no Rio de Janeiro, “Vou Tirar Você Desse Lugar” foi a primeira a chamar a atenção da repressão, que convocou o artista para alguns esclarecimentos.

“Fui ao departamento de censura na Lapa (bairro carioca), uns caras esquisitos, sombrios, alguns fardados, outros não”, ele recorda. Para a ditadura, a canção convocava o povo a deixar o país e falava, por meio de metáforas, que o Brasil não era um bom lugar para se viver.

“E aí comecei explicar, ‘não tem nada disso, é sobre um cara que conhece uma puta e se apaixona por ela’. Rapaz, aí foi pior a emenda que o soneto”, diverte-se. “Acharam um absurdo, uma imoralidade. A partir disso, todo disco tinha que passar pela censura”, completa o compositor, que lançou, em 1977, o conceitual “O Filho de José e Maria”. Considerada a primeira ópera-rock brasileira, o álbum, hoje referência cult, teve oito faixas censuradas e foi alvo da ira da Igreja Católica. 

Ao longo de mais de 50 anos de carreira, Odair José – e seu olhar de cronista do cotidiano – nunca deixou de fazer música popular, como aprendeu com Lennon e McCartney. Nesse período, viveu altos e baixos, passou a ser devidamente reconhecido a partir dos anos 2000 e lançou 40 álbuns de estúdio, o mais recente, “Seres humanos (e a Inteligência Artificial)”, saiu em junho de 2024 e utiliza recursos de IA nas baterias e nos teclados. 

Aniversário e show em BH

Era uma tarde de quarta-feira fria em São Paulo quando Odair José atendeu a reportagem. Neste sábado (16/8), data em que completa 77 anos, ele sobe ao palco do Sesc Palladium. O aniversário não é visto com grande expectativa. Se a data cai num fim de semana, o músico encara como um dia de trabalho qualquer e sobe ao palco feliz por poder tocar suas canções.

Na capital mineira, em 1h30, 1h40 de show – ou cerca de 25 músicas – , o cantor fará um apanhado dos sucessos, alguns indispensáveis. Clássicos dos anos 1970, incluindo “Vou Tirar Você Desse Lugar”, “Uma Vida Só (Pare de Tomar a Pílula)” e “Cadê Você?”, vão se misturar, por exemplo, a músicas do disco de 2024, como o rock “DNA” e a libertária “Desejo”, um recado à moda Odair José.

“Estou dando o toque para as pessoas. A música é um convite à liberdade sexual. A vida passa rápido e o ser humano está cada vez mais enrustido, cada dia mais careta”, constata o poeta da classe trabalhadora.  

Não vai demorar muito e o goiano lançará mais um álbum. Ele compõe compulsivamente. Outro dia mesmo deu a inédita “Um Burro Com Sorte”, um rock divertido, para Luiz Thunderbird. Odair José Vive fazendo música: “Se eu quiser, gravo um disco amanhã”.

Programe-se

Odair José relembra seus sucessos neste sábado (16/8), no Sesc Palladium (rua Rio de Janeiro, 1046 – Centro) , às 20h. Ingressos (entre R$ 70 e R$ 240) estão disponíveis na plataforma Sympla.