Literatura

Filosofia em tempos de cólera

Escritor Marcelo Rubens Paiva conversa com o público sobre seu mais recente livro, 'O Orangotango Marxista'

Por Patrícia Cassese
Publicado em 22 de outubro de 2018 | 02:00
 
 
 
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As lembranças de como foi arrancado de seu habitat são vagas. Teria sido em Sumatra? Bornéu? Fato é que o início de “O Orangotango Marxista”, mais recente investida literária de Marcelo Rubens Paiva, já flagra o personagem citado no título em um laboratório brasileiro. Vindo de um centro de reabilitação africano, após ter sido resgatado de traficantes, o animal fica sob a tutela de Kátia, a ruiva estudante de biologia que torna-se objeto de idolatria do símio.

E se a cumplicidade dos dois só faz se solidificar com o tempo, um incidente culmina com a transferência do primata para um zoológico do interior de São Paulo. Lá, o animal dá continuidade a suas não raro mordazes análises sobre aqueles que nomina “macacos nus” – trocando em miúdos, nós, humanos.

“O Orangotango Marxista” (Alfaguara/Companhia das Letras) é justamente o motivo que traz o paulistano de 59 anos de volta à capital mineira: nesta segunda-feira (22), às 19h30, o autor de “Feliz Ano Velho” (1982), entre outros títulos não menos bem-sucedidos, participa do projeto Sempre um Papo, em que, além dos habituais autógrafos, discorre sobre esse inusual protagonista que, na primeira parte de sua trajetória em plagas tupiniquins, à noite, em função da gaiola sem trancas, aproveita para calibrar o intelecto com a leitura dos livros dispostos no entorno – obras de Marx, Engels e Kant.

O embrião de toda essa empreitada, Paiva localiza nas visitas à casa do sogro, fixada justamente em frente a um zoo, no interior de São Paulo. Atiçado pela curiosidade, o escritor, dramaturgo e jornalista percorreu algumas vezes as alamedas do lugar para constatar, estupefato, a rotina daqueles animais que, cerceados de liberdade, ficam a observar apáticos os visitantes, que, por seu turno, parecem mais interessados na tela de seus celulares.

Instigado em particular com os macacos, o autor se embrenhou em pesquisas: “Estudei tudo: os macacos do Velho Mundo, os do Novo, os macacos-prego, das matas brasileiras... Mas também os grandes símios, como o chimpanzé e o gorila. Todos estiveram ligados ao homem há milhões de anos, para se separarem na evolução”. E por que a escolha pelos orangotangos? “Dos grandes símios, eles só não são mais inteligentes que o homem. Mas a memória às vezes chega a ser superior à nossa”, explica ele.

Na história, seja no laboratório ou no zoo, em meio a situações bisonhas – como os nomes ridículos dados aos animais pelos homens ou os maus-tratos imputados ao gorila Fidel (uma impactante metáfora da tortura) –, o orangotango esquadrinha o homem moderno. E, vale dizer, na perspectiva do animal, esse homem contemporâneo também vive, ainda que simbolicamente, preso. “Ando muito de metrô e ônibus e vejo as pessoas cada vez mais presas ao celular, vivendo um cotidiano virtual, em suas bolhas, jaulas, e esquecendo-se do real”, lamenta o autor, que, por outro lado, reverbera na obra (e, mais uma vez, o título já avisa) a noção de utopia contida no pensamento de Karl Marx, a quem considera um injustiçado. “Mas, veja, não estou fazendo (no livro) uma apologia do marxismo, e sim falando da filosofia dele e de questões que julgo relevantes em nossa sociedade”, diz o também articulista do jornal “O Estado de São Paulo”.

Sempre um Papo

Biblioteca Pública Estadual (Circuito Liberdade, 21), segunda (22), a partir das 19h30. Entrada franca

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