“Flaira” nasceu pelo poder da imaginação e da liberdade de uma criança. “Minha mãe estava grávida de mim, mas ainda não sabia o sexo. Então a minha irmã mais velha, Flávia, que tinha seis anos na época e estava se alfabetizando, perguntou se poderia escolher o meu nome, e minha mãe respondeu que sim, meio brincando”, conta a entrevistada.
“Aí minha irmã juntou as sílabas e mostrou para a minha mãe, que amou a sonoridade. Era um nome que não existia. Foi uma invenção da minha irmã”, completa. Batizada Flaira Fernanda Ferro, ela hoje assina, artisticamente, sem o nome do meio, que apareceu como uma precaução da mãe. “Ela tinha medo de que eu sofresse bullying”, admite Flaira, que manteve a premissa dos nomes dos filhos na casa. Ela também é irmã de Felipe e Fagner.
Cantora, compositora e dançarina, a recifense causou furor na internet ao lançar, em março, o clipe “Coisa Mais Bonita”, que, além de tratar da sexualidade feminina, mostrava mulheres se masturbando. Retirado do YouTube no dia seguinte à publicação, o vídeo retornou, com restrição de idade, graças a uma campanha na rede que agregou fãs e pessoas sensíveis à causa.
Com letra e música de Flaira, a canção afirma: “Não tem coisa mais bonita/ Nem coisa mais poderosa/ Do que uma mulher que brilha/ Do que uma mulher que goza”. “O prazer feminino é um aspecto muito reprimido, uma mulher que goza incomoda tanto porque historicamente fomos projetadas para a cultura da dor, estimuladas desde cedo a aguentar e ouvir que a mulher suporta a dor do parto, da cólica, da menstruação, das violências”, afere a artista.
No romance “Madame Bovary”, publicado em 1857 por Gustave Flaubert, o escritor francês narra que mulheres que riam em público eram malvistas, afinal essa exposição de prazer soava obscena. Séculos depois, Flaira aponta mudanças. “A polêmica é fruto desse rebuliço que procuramos fazer mesmo, o papel do artista é de provocador, para gerar o debate e a reflexão. Nós estamos caminhando. Se hoje ainda é difícil falar desses assuntos, imagina na década passada”, considera.
Antes disso, no entanto, Flaira já tinha uma trajetória e tanto. Aluna de Nascimento do Passo – responsável pelo primeiro método para ensinar frevo no mundo –, ela ganhou uma bolsa para estudar balé, acumulou diversos prêmios e começou a excursionar por países como Alemanha, França, Suíça, Inglaterra, Portugal, Itália, Argentina, Peru, China, Índia e Estados Unidos. Mas sua primeira manchete aconteceu quando ela tinha apenas seis anos de idade.
“Nasci no período carnavalesco, no dia 20 de fevereiro, e nesse ano pedi de presente para a minha mãe e meu pai que eles me levassem no Galo da Madrugada, o maior bloco de rua do planeta, e eles atenderam”, relembra. “Para os olhos de uma criança o Carnaval é um cardápio lúdico, colorido, com todo mundo sorrindo, brincando, parece um delírio”, destaca.
“Comecei a imitar as pessoas dançando e logo se formaram rodas ao meu redor, porque eu já apresentava facilidade com a coordenação motora. No dia seguinte saiu uma foto minha no jornal ‘Diário de Pernambuco’, que me chamava de musa mirim da folia”, diverte-se a compositora. Com esse primeiro “passo”, a mãe a matriculou na Escola Municipal de Frevo.
“Nasci numa cidade muito rica culturalmente. No quesito das culturas populares, Pernambuco é um Estado efervescente, com os ciclos de Carnaval, São João e Natal. Quem nasce aqui recebe essas referências desde cedo, na escola e também na rua, com os ensaios de maracatu, rodas de capoeira, as pessoas treinando a metaleira para trocar frevos”, exalta Flaira.
Em 2015, ela lançou “Cordões Umbilicais”, o primeiro disco da carreira, com dez canções autorais e um poema composto pelo pai, interpretado por ele e pela mãe de Flaira. No repertório, estava a música “Me Curar de Mim”, toda composta pela artista, e que estourou depois de ser compartilhada pelo ator Reynaldo Gianecchini.
“Essa música é uma oração, que fala um pouco sobre o desejo de repensar nossas sombras, no caso, a minha”, diz. Agora, ela já prepara o segundo álbum, que tem produção de Pupillo. “O primeiro CD era mais autobiográfico, passional. Tinha uma coisa do meu despertar aos 23 anos, algumas músicas eu escrevi quando tinha entre 18 e 19 anos”, informa. “Já esse próximo vai vir com uma temática mais puxada para o social, tem uma certa agressividade, vêm uns rocks por aí. Estou com seis músicas prontas e quero mais umas oito”, revela Flaira.