Há algo entre “Nós” e “Outros” que o Grupo Galpão tenta captar. Os dois espetáculos, encenados pela primeira vez em 2016 e 2018, respectivamente, estarão novamente em cartaz a partir desta quinta (30), em mostra que se estende até o dia 9 de junho. Além da presença de Marcio Abreu na direção, reunir as duas montagens em uma única temporada instigou os intérpretes a refletirem sobre outros pontos de contato entre elas.
“O Marcio tem uma linguagem muito voltada para a performance, baseada no aqui e agora, no acontecimento teatral em detrimento da representação. De certa maneira, os dois trabalhos refletem um pouco isso”, arrisca Eduardo Moreira, 58, que não só atua como assina a dramaturgia das encenações com Abreu. No caso de “Outros”, o ator Paulo André também é dramaturgo.
No entanto, Moreira ressalta que há “acentuadas diferenças” entre as peças. Vigésima terceira montagem da história do Galpão, “Nós” apresenta um sentido duplo em seu título, podendo se referir tanto ao plural de um nó, difícil de ser desfeito, quanto às relações em sociedade. “É um espetáculo que tem essa dubiedade entre coletivo e indivíduo, público e privado, dentro e fora”, explica Moreira.
Na narrativa, sete pessoas preparam a “última sopa”. É a partir deste fato, aparentemente cotidiano e banal, que temas urgentes e contemporâneos vêm à tona, como violência, opressão e intolerância. “Este ainda é um espetáculo com uma certa trama, uma história que conduz a plateia”, afirma o entrevistado.
Radical. Da plateia, a vontade que veio foi de “participar daquela experiência nova”. “Era um teatro mais ‘clean’, jovem, muito conectado com o contemporâneo”, elogia Inês Peixoto, 58. A atriz do Galpão não pôde fazer parte do espetáculo “Nós”, porque, à época, gravava a novela “Além do Tempo”, da rede Globo. Mas ela não deixou escapar a oportunidade de estar em “Outros”. “Desenvolvemos um trabalho que não busca personagens, e sim os estados de presença”, resume Inês.
Habituados ao teatro de rua, os atores foram levados para esse ambiente, a fim de se colocar no lugar de escuta, e assim tentar compreender as vozes do mundo real. “Isso nos levou a uma encruzilhada, ao dilema e ao paroxismo da incapacidade de uma linguagem que já não dá mais conta de travar um diálogo, estamos todos um pouco surdos”, diz Moreira.
Inês concorda que “Outros” veio para “radicalizar a experiência” de “Nós”. “Querem calar, de novo, as pessoas que sempre foram silenciadas. Nesse sentido, o espetáculo é um grito contra o retrocesso”, conclui.
Quadrinhos. Aquela apresentação de “Os Gigantes da Montanha”, de Luigi Pirandello (1867-1936), na Praça Roosevelt, em São Paulo, em 2013, acrescentaria um capítulo inédito na história do Grupo Galpão. Assim que os personagens entraram em cena, “impressionado pela caracterização e a riqueza de detalhes”, o artista plástico Carlos Avelino, 46, começou a maquinar uma ideia atrevida. “Pensei em transformá-los em personagens de quadrinhos”, conta Avelino.
O pensamento virou realidade. No próximo dia 4 de junho, a versão para “Os Gigantes da Montanha” em HQ será lançada, em exposição que fica em cartaz até 14 de julho. “Acompanho o grupo desde 2002, quando assisti ‘Rua da Amargura’. Foi um presente de fã”, diz Avelino. “Fascinada com o traço” do artista, a atriz Inês Peixoto abraçou a ideia de transformar o material numa HQ. “Os quadrinhos captam essa faceta viva da obra, e podem trazer um público mais jovem. Essa é uma peça lisérgica do Pirandello”, afirma o ator Eduardo Moreira.
Agenda. “Nós” , desta quinta (30) a 2 de junho. Quinta e sexta, às 20h; sábado, às 17h e 20h (sessão dupla); e domingo, às 19h. “Outros” , de 5 a 9 de junho. Quarta a sábado, às 20h; domingo, às 19h. No Teatro Francisco Nunes (av. Afonso Pena, 1.277, Parque Municipal) Ingressos: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia-entrada)