'Se A Rua Beale Falasse', quinto romance do estadunidense James Baldwin (1924-1987), inspirou o roteiro do filme homônimo de Barry Jenkins, conhecido pela direção de 'Moonlight', o qual foi agraciado com o Oscar de melhor filme em 2017. O novo longa-metragem também agradou a crítica e está competindo na cerimônia da Academia, a ser realizada amanhã, em três categorias: melhor atriz coadjuvante (Regina King), melhor roteiro adaptado e melhor trilha sonora original.

Ao mesmo tempo em que a trama baseada no romance de Baldwin é levada às telas, a ficção do escritor também tem chegado às livrarias por meio de novos lançamentos, como a edição de 'Se a Rua Beale Falasse' lançada em janeiro pela Companhia das Letras. No ano passado, a editora também trouxe a público reedições de 'Terra Estranha' e 'O Quarto de Giovanni' – sendo esta a obra mais conhecida de Baldwin. 

O movimento editorial em torno do legado do escritor acompanha, assim, a projeção que ele vem ganhando nos cinemas nos últimos anos. Em 2018, o documentário 'Eu Não Sou Seu Negro', de Raoul Peck, apontou para esse interesse crescente. Todos essas iniciativas têm contribuído para impulsionar novos olhares para a obra do autor, como reflete o poeta, crítico e professor Anelito de Oliveira.

'Baldwin estava praticamente esquecido nas últimas três décadas não só no Brasil, mas nos países falantes de língua portuguesa, a começar por Portugal, onde sua obra voltou a circular no ano passado em novas traduções. O documentário 'I'm Not Your Negro' ('Eu Não Sou Seu Negro') fez ressurgir o interesse por Baldwin num momento em que antigas chagas voltaram a abalar a vida social, como o racismo contra negros, a misoginia e a xenofobia', observa Oliveira.

Baldwin viveu nos Estados Unidos num momento em que os movimentos pelos direitos civis estavam em ebulição, tornando-se ele mesmo uma voz a favor desse processo. Oliveira analisa que o estadunidense pertence, assim, à linhagem dos escritores-críticos. 
'São os que praticam a literatura não só com interesse estético, mas sobretudo com interesse político. Sua obra não é o que se denomina vulgarmente como ‘literatura engajada’, empenhada na defesa de causas partidárias, ideológicas etc. Trata-se de obra que, antes de mais nada, é fazer artístico de qualidade extraordinária, em que a linguagem desponta como o dado mais importante', frisa o professor.

Para ele, Baldwin deixou sua contribuição para o debate sobre temas como racismo, homossexualidade, misoginia e desigualdade social sem estereótipos. 'Sem conversão da literatura em panfleto. A linguagem literária, com seu estatuto polifônico, possibilita que Baldwin exponha a problemática de modo sempre rico, sem os maniqueísmos simplistas comuns aos discursos dos movimentos sociais', completa Oliveira. 

Atualidade

O especialista também observa que a chegada das obras de Baldwin ao mercado editorial brasileiro também acontece em momento oportuno, quando as discussões sobre as questões raciais têm marcado o cenário contemporâneo. 'O Brasil de hoje é desavergonhadamente racista. Temos um presidente que se elegeu alardeando seu racismo', diz. 'Neste país da idade das trevas, a obra de James Baldwin soa providencial, inspiradora para a luta necessária contra o racismo, a homofobia e o feminicídio, uma luta que não pode ser travada, evidentemente, no vácuo, sem referências diversas, inclusive literária', conclui Oliveira.