A regulação e a taxação das plataformas de vídeo sob demanda (VoD, na sigla em inglês), que formam o setor de streaming no Brasil, têm ocupado a mesa de debates desde que Lula assumiu a Presidência, em janeiro de 2023, e se intensificou nos últimos meses, gerando divergências entre representantes das plataformas, setor audiovisual e Ministério da Cultura (MinC).
O setor defende uma alíquota de 12% sobre a receita das plataformas e uma cota de 20% para obras brasileiras nos catálogos. Já o MinC propõe percentuais menores: 6% de alíquota e 10% de cota. O que se comenta nos bastidores é que as empresas estariam dispostas a repassar 3% do faturamento no país.
Dois projetos que tratam da regulação das plataformas de vídeo sob demanda tramitam na Câmara e um deles já foi aprovado pelo Senado. O objetivo é estabelecer regras para as plataformas de vídeo sob demanda, incluindo, entre outras questões, a cobrança de impostos, a definição de cotas de conteúdo nacional e a proteção de direitos autorais.
Em entrevista ao programa “Café com Política”, exibido nesta segunda-feira (14/7) no canal de O TEMPO no YouTube, a ministra da Cultura, Margareth Menezes, disse acreditar em uma solução ainda neste ano. “A pauta está em construção. Acredito muito que a gente consiga (a regulamentação ainda em 2025), mesmo com todo o ambiente que estamos vendo no Congresso. O setor cultural precisa muito dessas regulações”, comentou.
A Lei Rouanet, que recentemente bateu recorde de captação, superando R$ 760 milhões no primeiro semestre, também foi alvo dos comentários de Margareth Menezes. A ministra defendeu o mecanismo de fomento, principal lei de incentivo à cultura no país, e salientou que o MinC tem promovido diversas ações para descentralizar os recursos, como a criação das Rouanet Centro-Oeste, Norte e Nordeste, que abrange Minas Gerais.
Segundo Margareth Menezes, “é preciso entender que a lei não dá dinheiro para ninguém, é uma conquista do setor e uma necessidade também”. “O ativo maior da cultura e da arte é o ser humano. Quando investimos na cultura estamos investindo em qualidade de vida e em gente que vai comprar, que gera emprego e paga imposto”, acrescentou.
A ministra da Cultura também celebrou a inclusão, desde o fim de 2023, do MinC no Novo PAC – Desenvolvimento e Sustentabilidade. Entre as conquistas, Margareth cita a reativação de mais de 1.000 bibliotecas em todo o país e a entrega de mais de 100 salas de cinema até o fim da gestão, em dezembro de 2026.
Até lá, a chefe da pasta da cultura diz que um de seus objetivos é regulamentar leis que garantam a institucionalidade das políticas públicas e criar o plano de carreira dos servidores do Ministério da Cultura, além de reforçar o setor como estratégico propulsor da economia brasileira.
“Precisamos tirar essa desconfiança de cima do setor cultural e dos artistas. O ativo maior da cultura e da arte é o ser humano. Quando investimos na cultura estamos investindo em qualidade de vida e em gente que vai comprar, que gera emprego e paga imposto”, enfatizou Margareth Menezes.
A pauta da regulação do setor de vídeo sob demanda (VoD) segue travada no Congresso Nacional. O que tem impedido esse debate e como o MinC pretende atuar para destravar a pauta e ampliar o diálogo, respeitando os interesses do setor para chegar a um consenso e a regulamentação acontecer ainda neste ano?
A pauta não está travada, está em diálogo, em construção. Desde quando retomamos as ações do Ministério da Cultura em todas as políticas, especialmente no audiovisual, estamos nesse constante diálogo em relação à construção dessa pauta. É bom lembrar que isso estava parado no Congresso há muitos anos. É uma regulação importante para o setor – uma adequação, na verdade, ao ambiente digital. Desde 2023, quando assumimos, fomos resgatar todos esses marcos regulatórios dentro do Congresso e na questão do audiovisual isso é importantíssimo, justamente porque o Brasil é o segundo país que mais consome streamings no mundo, e até hoje as plataformas não têm nenhum tipo de contribuição (no país). O que está sendo construído, primeiramente, é o resgate da pauta. Desde 2023, há muita colaboração, e também há críticas, porque todo mundo se sente incomodado com a falta dessa regulação. É importante o diálogo e uma melhora da proposta. O Ministério da Cultura, a secretária Joelma Gonzaga e toda a secretaria do audiovisual vêm trabalhando para que a proposta chegue de uma maneira amadurecida. Nós também temos dificuldade dentro do Congresso, mas, desde 2023, temos conseguido a regulamentação de coisas importantes a partir do diálogo com deputados, senadores e pessoas interessadas nos temas de cultura. Estamos com uma perspectiva de construção, você tem que ouvir as radiodifusoras, os streamings, o setor e o Ministério da Cultura tem defendido uma regulação que traga uma resposta de 6% (nessa proposta as plataformas contribuíram com uma alíquota de 6% sobre o faturamento no país) e de cota de 10% de obras brasileiras com o protagonismo (no catálogo) nos streamings. Estamos estabelecendo esse diálogo.
A senhora acredita que haverá solução ainda neste ano?
Acredito muito que a gente consiga, mesmo com todo esse ambiente que estamos vendo no Congresso. O setor cultural precisa muito dessas regulações. A cultura brasileira e a arte trazem benefício na questão da simbologia, mas, principalmente, por serem setores de geração de emprego e renda, e o audiovisual brasileiro está no momento maduro, sendo reconhecido no mundo inteiro. Essa regulação é necessária para que a gente tenha mais financiamento no Fundo Setorial do Audiovisual. As pessoas perguntam muito de onde vem o dinheiro que se aplica no audiovisual, e já há o recolhimento do próprio setor. A única coisa que a gente precisa fazer agora é adequar o que já existe no ambiente analógico, com as radiodifusoras, para o ambiente digital. As plataformas de streaming precisam fazer essa correção, é uma correção justa e está acontecendo no mundo inteiro. Há um Projeto de Lei relatado pela deputada Jandira Feghali e com ele estamos conseguindo trazer uma harmonia. É uma construção, não é fácil conseguir harmonizar todos os interessados para a gente conseguir colocar isso em votação, mas já progredimos bastante, buscando a compreensão por parte dos deputados para conseguirmos uma regulação adequada, que seja melhor construída e que favoreça o setor da indústria audiovisual brasileira, especialmente as produtoras independentes.
Recentemente, a Lei Rouanet bateu recorde de captação, superando R$ 760 milhões em recursos captados nos seis primeiros meses do ano. A que a senhora atribui esse desempenho e como o ministério planeja garantir mais diversidade regional e temática nos projetos beneficiados?
A nossa gestão chegou em um momento em que a Lei Rouanet estava muito descaracterizada e perseguida. É uma lei que não tem ainda uma compreensão do que ela realmente promove na sociedade como um todo não percebe ainda. Fizemos um estudo sobre a aplicação da Lei Rouanet nesses 33 anos de existência dessa lei e avaliamos que existia esse entendimento pela grande concentração do acesso a esse mecanismo no Sudeste, especialmente nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Fizemos uma correção no uso do mecanismo. É preciso que as pessoas entendam que a Lei Rouanet não dá dinheiro para ninguém. A Lei Rouanet analisa os projetos e a partir do momento em que aquele agente cultural tem o projeto analisado pelo Ministério da Cultura, ele recebe um aval para captação. O mecanismo de fomento funciona dessa forma, é análise de projeto.
O que foi feito, desde que a senhora assumiu o MinC, para descentralizar os recursos e evitar a histórica concentração na região Sudeste?
Quando verificamos essa concentração mais forte no Sudeste, fizemos um projeto de reparação, criamos alguns dispositivos, como a Rouanet Norte, porque vimos que a região Norte, ao longo histórico da Lei Rouanet, foi a que menos teve a possibilidade de acesso ao mecanismo. Então criamos a Rouanet Norte, a Rouanet Nordeste estamos implementando agora e teremos a Rouanet Centro-Oeste. A Rouanet Nordeste, inclusive, adere Minas Gerais e Espírito Santo. Fizemos tudo isso sem descaracterizar o protagonismo do Sudeste, onde a captação cresceu 30%. Nós também criamos diálogo com as empresas, mostrando o que é o mecanismo e a quantidade de empresas que passaram a fazer patrocínios no Brasil inteiro também cresceu. Tivemos também a Rouanet Favelas, para que o mecanismo também fosse acessado por produtores de favelas. Nas favelas do Brasil, já estamos já no segundo dispositivo. Estamos chegando com o Rouanet Território, que é uma lei para organizações que já trabalhem em captação, análise e melhora da produção local, trabalhando com a economia criativa. Estamos fazendo com que o mecanismo tenha uma abrangência nacional. Por isso, estamos retratando essa ampliação tanto de empresas que estão investindo, quanto da captação. É importante entender que a gente precisa desse mecanismo de captação para efetivar a produção. O produtor que vai atrás da Lei Rouanet precisa daquele primeiro fomento, como toda indústria precisa de investimento. A Lei Rouanet é o nosso mecanismo de fomento da área cultural e estamos aperfeiçoando, buscando que ela seja menos burocrática. É preciso entender que a lei é uma conquista do setor e uma necessidade também.
Considerando e até voltando um pouquinho no tempo, com a retomada do MinC depois da última gestão, uma política estruturada de Estado para a cultura, e que seja contínua, menos vulnerável a qualquer mudança de governo, é um plano da senhora? A pasta tem agido nesse sentido para criar esse tipo de política de Estado?
Com certeza, isso passa pela implementação desses marcos regulatórios. Vamos implementar o Sistema Nacional de Cultura, sancionado recentemente (em abril) pelo presidente Lula. O que vai acontecer a partir disso? Teremos as responsabilidades das cidades, dos estados e do governo federal com o setor cultural como funciona o SUS. Temos também o Plano Nacional de Cultura, que o MinC acabou de elaborar, escutando a sociedade, setores e gestores, e vai mandar para o Congresso, que vai traçar os 10 próximos anos dentro do setor cultural. E também o nosso marco regulatório do fomento, que, pela primeira vez, nós temos um marco aderente ao setor cultural, porque o que temos em relação a essa forma de prestação de contas é muito fora da realidade de uma produção cultural. A prestação de contas era feita como se você prestasse e contas de um prédio, totalmente inadequada para o setor cultural. Hoje temos o nosso marco regulatório, o Ministério da Cultura já faz a implementação e estamos agora construindo isso no âmbito federativo.
Há diálogo com os estados?
Estamos indo aos estados, buscando conversas com os órgãos de fiscalização para que esse marco seja realmente usado em todo o país para facilitar o acontecimento, a administração, a entrega, a fiscalização e é menos burocrático, atendendo a grande diversidade da cultura brasileira. Entendemos que essas regulações – a regulação do streaming, a regulamentação das leis de livre e leitura e todas as regulamentações que estavam soltas – fazem a institucionalidade das políticas culturais. A partir do momento que você consegue trazer esse approach jurídico institucional, você também amarra as leis da cultura para o ambiente cultural. Isso é uma forma de estabilizar e trazer a política cultural como uma política de Estado. Outra coisa que acho importante e estamos buscando é justamente o plano de carreira dos servidores do Ministério da Cultura. É um ministério que completa 40 anos e temos órgãos que estão dentro do MinC e têm quase 100 – o Iphan, por exemplo, tem 88, a Funarte tem 50, a Fundação Palmares tem 33 anos – e há uma falta de uma regulação em relação a essa questão do plano de carreira. É mais uma coisa que nos ajuda a criar essa visão de política de Estado para a cultura.
Ministra, o governo Lula tem mais um ano e meio de gestão pela frente e 2026 é um ano de eleição presidencial. Quais são as principais metas e desafios do MinC nesse futuro a curto e médio prazo?
Desde 2023, demos passos muito largos. Quando chegamos não tínhamos nem ministério constituído, era uma secretaria. Para você ter ideia, o Ministério tem seis secretarias. O Brasil é imenso nessa questão da produção cultural. Tivemos que reestruturar tudo isso e implementar as leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc, que são mecanismos importantes, é o financiamento, a parte do dinheiro que não existia. Tinha Plano de Cultura, Sistema Nacional de Cultura, mas não tinha o recurso. A Lei Aldir Blanc Aldir é uma conquista do setor, virou uma lei perene e é implementada pelo governo federal para as secretarias e municípios. Já estamos na execução da segunda parcela da Lei e tivemos a aderência de 99,9% das cidades para receber essas parcelas. Na implementação disso, estamos evocando que cada cidade também tenha a sua própria gestão, porque sinaliza que aquela cidade está implementando o seu sistema de cultura, o seu conselho, o seu plano de cultura. Isso é muito importante nesse momento, é uma entrega gigante. Estamos melhorando o ambiente cultural e artístico no Brasil como um todo.
O Ministério da Cultura integra o eixo Infraestrutura Social Inclusiva do Novo PAC – Desenvolvimento e Sustentabilidade. Em que medida isso beneficia o setor cultural?
Estamos trazendo equipamentos culturais, que era uma coisa muito pedida pelo setor, para dentro do PAC, com a construção de nossos Céus da Cultura, dos MovCEUs, e também reativamos mais de 1.000 bibliotecas fechadas no governo passado. Cada entrega do Minha Casa Minha Vida terá uma biblioteca. Voltamos a implementar as salas de cinema, hoje estamos com marco histórico – até o fim da gestão vamos entregar mais 100 salas. Além das regulamentações, o que queremos é proporcionar uma melhora de qualidade no ambiente cultural e artístico brasileiro para que, efetivamente, o investimento feito tenha também o espaço dos seus acontecimentos. Vamos garantir a qualidade na prestação de contas e também que o acesso à cultura e às políticas culturais cheguem a todos lugares. Não é uma construção fácil, mas os dados que estamos começando a recolher mostram que, pela primeira vez no país, a gente está tendo esse acesso e essa comunicação com uma capilaridade maior.
Os secretários estaduais e municipais também participam dessa construção?
Nós estamos em contato com os secretários municipais e estaduais, com os agentes culturais. Tudo que o ministério faz está amplamente divulgado, temos uma rede com transparência, em diálogo com os órgãos de controle. Vamos deixar um ambiente (cultural) melhor, mais organizado. Nossa gestão tem muita essa visão, porque entendemos que existem na cultura e na arte a geração de emprego e renda. Desde quando cheguei tenho chamado atenção para a economia criativa e as indústrias culturais. O setor cultural e artístico é de trabalhadores e trabalhadoras. Precisamos tirar essa desconfiança de cima do setor, dos artistas. O ativo maior da cultura e da arte é o ser humano. Quando investimos na cultura estamos investindo em qualidade de vida e em gente que vai comprar, que gera emprego e paga imposto.