Literatura

Jorge Amado como nunca se viu

Biografia da jornalista Joselia Aguiar repara equívocos sobre a trajetória do escritor baiano

Por Carlos Andrei Siquara
Publicado em 10 de novembro de 2018 | 03:00
 
 
 
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Até 1956, Jorge Amado (1912-2001) era o único brasileiro publicado pela Gallimard, uma das mais importantes editoras francesas. Naquele ano, a ficção do alagoano Graciliano Ramos também despertou o interesse da renomada casa editorial, e, de acordo com Joselia Aguiar, jornalista e ex-curadora da Festa Literária Internacional de Paraty, “até o ano 2000, apenas mais três brasileiros chegariam ao catálogo”.

Em “Jorge Amado: Uma Biografia” (Todavia), que chega às livrarias na segunda-feira, dia 12, Joselia sublinha que o escritor baiano conquistou tal feito aos 26 anos, com seu quarto romance, “Jubiabá” (1935). Cinco anos depois, “Terras do Sem-Fim” saiu em Nova York, pela Alfred Knopf, e, em 1948, seus livros também passaram a circular na Rússia.

Esses dados, observa ela, ajudam a desfazer algumas crenças difundidas, como a de que a popularidade de Amado no exterior fora alavancada pela divulgação de suas obras pelo Partido Comunista, do qual ele foi um ativo integrante, mas depois afastou-se ainda na década de 50, antes de publicar o best-seller “Gabriela, Cravo e Canela” (1958).

“Jorge Amado tornou-se deputado pelo Partido Comunista e, em 1947 (após a cassação dos mandatos dos políticos vinculados a esse partido no Brasil), ele vai para o exílio em Paris. A partir daí, começa a ser mais conhecido como um quadro importante do comunismo internacional. Suas obras passaram a ter uma presença maior nos países da União Soviética, mas, quando ele se afasta da vida partidária, o sucesso dele só aumenta. ‘Gabriela’ vai parar na lista dos mais vendidos do ‘The New York Times’, e isso o ajuda a ser mais difundido em outros países”, pontua Joselia.

“Então, não se pode atribuir a grande projeção dele no exterior ao seu envolvimento com o Partido Comunista. É uma simplificação e um erro dizer que, por conta disso, Jorge Amado tornou-se um autor internacional”, afirma Joselia.

Ir na contramão do senso comum criado em torno da vida e da obra do autor foi o que motivou a jornalista a investir mais tempo na pesquisa destinada à produção da nova biografia. Ela recorda que esse trabalho, iniciado em 2011, surgiu com o propósito de produzir um perfil biográfico, em vista do centenário do nascimento do escritor, em 2012. “O que eu acabei desistindo de fazer, porque eu poderia acabar produzindo uma reportagem que, talvez até sem querer, poderia reproduzir algumas percepções que hoje me parecem muito equivocadas”, diz Joselia.

Dividida em 24 capítulos, a obra busca, portanto, apresentar um retrato mais amplo do autor, que é um dos nomes mais lidos no país e no exterior. Amado perdeu o posto de brasileiro com mais obras vendidas – cerca de 50 milhões –, apenas para o carioca Paulo Coelho, que já alcançou a marca aproximada de 140 milhões de livros vendidos.

Além de contextualizar melhor a trajetória literária e política de Amado, que teve um papel fundamental no século XX, Joselia traz a público fatos menos conhecidos, como o principal motivo de o autor de “Capitães da Areia” ter se mudado de Salvador para o Rio de Janeiro com 17 anos. Foi na capital carioca (e na época também capital do Brasil), de fato, que ele estreou como escritor, publicando seu primeiro romance, “O País do Carnaval” (1931).

“Jorge chegou a dizer que essa ida para o Rio foi decorrente do desejo do pai dele, que queria que ele concluísse um curso superior, mas eu descobri, por conta de uma carta trocada com sua primeira noiva (Mariá Sampaio), que, na verdade, ele foi para lá em busca de emprego, porque queria logo se casar. E, no Rio, as coisas começam a acontecer, e Jorge cada vez mais passa a ter uma relação de entrega total com a literatura”, recorda Joselia.

Elos da cultura afro-baiana

Um aspecto que a jornalista Joselia Aguiar defende em sua biografia é a afinidade de Jorge Amado com a cultura afro-baiana, que permeia suas obras, desde quando ele era colaborador em jornais e revistas de Salvador, antes mesmo de mudar-se para o Rio de Janeiro.

“Se diz muito que Jorge Amado teria se aproximado do candomblé, da cultura popular, depois de afastar-se do Partido Comunista, o que não é verdade. Você percebe que desde o começo ele teve uma inclinação para escrever sobre histórias relacionadas às tradições afro-baianas. Ele via nessas manifestações uma forma de posicionamento político. Ele enxergava o candomblé como uma forma de resistência política e cultural”, afirma Joselia.

“Jorge Amado: Uma Biografia”, de Joselia Aguiar. Editora Todavia, 
640 páginas.

R$ 79,90 (impresso).

R$ 39,90 (e-book).

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