Leo Jaime, 59, lembra que o compositor erudito predileto de Tom Jobim (1927-1994) era o francês Claude Debussy (1862-1918). Apesar de não se considerar “um conhecedor do assunto”, o cantor admite que, desde a adolescência, se sentia atraído pelas trilhas sonoras criadas para filmes de faroeste por Ennio Morricone e pelas aventuras cinematográficas que ganharam os tons do maestro John Williams. “A minha relação com a música é ampla, embora eu tenha decidido, na juventude, tocar e compor rock, mas, originalmente, na infância, eu escutava jazz nos desenhos de ‘Tom e Jerry’”, observa.
Nesta sexta (20), Jaime parte da habitual posição de espectador para a de protagonista. Ele é o convidado do concerto que a Orquestra de Câmara Opus realiza na capital mineira. A experiência será inédita para o intérprete. “É uma novidade na minha vida e estou achando fascinante, adoro o colorido dos arranjos feitos pelo Léo Cunha”, elogia, em referência ao xará, que também é regente da orquestra.
Para selecionar as canções que serão levadas ao público, Jaime pensou em dois critérios. “Escolhi músicas que as pessoas querem ouvir e que possam acrescentar alguma surpresa”, explica. “Em essência, as canções guardam as mesmas emoções, o que muda é a roupa, que está mais sofisticada”, metaforiza.
Propositalmente ou não, ele deixa escapar duas dessas surpresas, que, inclusive, costumam confundir as pessoas quanto à autoria: “Gatinha Manhosa”, de Erasmo e Roberto Carlos; e “Rock da Cachorra”, composta por Jaime e lançada por Eduardo Dussek em 1982. “Eu adotei a música do Erasmo da mesma forma que o Dussek adotou a minha”, diverte-se.
Foi na época em que pertencia ao grupo João Penca e Seus Miquinhos Amestrados que o entrevistado criou um dos maiores hits da carreira de Dussek. “Escrevi a música pensando na banda, que tinha um repertório de rockabilly dos anos 50, para um trabalho que a gente ia fazer com o Dussek, mas que acabou não rolando porque a gravadora dele não topou”, relembra.
Mesmo assim, para registrar a parceria, Dussek gravou a música acompanhado pelo conjunto. O resultado foi “um grande estouro em todo o Brasil, com a música nos primeiros lugares das paradas”, conta Jaime. “O fato de ter uma música de rock no topo das rádios abriu as portas para toda a minha geração. Entendo que o êxito dessa música se deve ao Dussek, que a transformou em parte do repertório dele, algo que eu sempre respeitei. Mas, afinal de contas, sou o autor da música e resolvi cantá-la agora”, informa.
Tempo. Embora a fama do pródigo filho musical tenha trazido satisfação ao cantor, sua atemporalidade não deixa de refletir, para ele, “problemas estruturais do país”. Os versos de abertura da canção provocam: “Troque seu cachorro por uma criança pobre/ Sem parente, sem carinho, sem rango, sem cobre/ Deixe na história de sua vida uma notícia nobre”.
“Era um chamado para a humanidade, existe muita criança abandonada no Brasil, sem o nome do pai na certidão. A gente se acostumou com isso, a vê-las na rua, na chuva, pedindo dinheiro. Criança tem que estar na escola, brincando ou em casa com os pais”, diz. Na opinião do cantor, “o Brasil melhorou, mudou muita coisa, mas não tanto na essência”. “Continuamos tendo uma das piores distribuições de renda do mundo, com saneamento básico deficiente e más avaliações nos índices de educação”, lamenta.
Dançarino. Com um repertório de sucessos construído prioritariamente nos anos 80, casos de “A Fórmula do Amor”, “A Vida Não Presta” e “Conquistador Barato”, Jaime considera que “as canções têm a obrigação de revelar o espírito do seu tempo, daquele momento histórico em que foram escritas”. Nessa lavra ainda se destacam “As Sete Vampiras” e “Rock Estrela”, que, aliás, se transformaram em longas-metragens. Por sinal, tanto o lado ator quanto o de cantor prometem dar as caras no espetáculo.
“Tenho três DRTs (documento que atesta a capacidade profissional), que são a de jornalista, músico e ator. Uma coisa ajuda a outra, mas creio que, no fim das contas, o que eu faço é criar e interpretar. E acrescentaria que sou dançarino amador”, destaca Jaime, cuja participação no quadro “Dança dos Famosos”, do programa “Domingão do Faustão”, o incentivou a convidar a dançarina Larissa Parison, que fazia dupla com ele na atração, para seu novo show, intitulado “Dance Comigo”.
“A coisa que mais ouvi na vida foi: ‘Dancei muito com suas músicas’. E eu respondia: ‘Continue dançando’. Ter músicas consideradas boas para celebração sempre foi uma grande alegria”, destaca. A canção que Jaime interpreta com Larissa é “Hot Dog”, lançada por Angela Ro Ro em 1984. Em 1988, o autor convidou Cazuza (1958-1990), outro fã declarado de Ro Ro, para registrar uma nova versão da faixa.
Descontraída, a gravação captou a amizade da dupla, com momentos impagáveis, como Cazuza gritando “pega Wanderley”, em referência ao cachorro que tinha, cujo nome era uma homenagem ao cantor Wanderley Cardoso, galã da Jovem Guarda.
No mesmo ano, os dois se deixaram filmar cantando os versos desaforados de uma parceria feita na intimidade, apenas de brincadeira. “Me chamam pobre, mas meu nome é pobreza/ Só porque eu ando por aí/ Bebendo pinga de macumba/ Só porque eu canto rock'n'roll/ Balanço o pau e mostro a bunda”, dispara a dupla no vídeo. “Era uma piada nossa, eu vivia duro de grana, no perrengue, e o Cazuza me chamava de pobre, porque ele sempre me salvava”, conclui.
Serviço.