Entrevista

Lirismo e metáforas sobre o estranho dia a dia

Tadeu Sarmento lança neste sábado (15), em Belo Horizonte, o premiado livro de poemas 'Um Carro Capota na Lua'

Por André di Bernardi
Publicado em 15 de dezembro de 2018 | 03:00
 
 
 
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O pernambucano Tadeu Sarmento, 41, radicado em Belo Horizonte há pouco mais de dois anos, lança neste sábado (15), na capital, “Um Carro Capota na Lua”, livro vencedor do Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura de 2016. O poeta falou ao jornal O TEMPO sobre seu processo criativo, o esgarçamento da democracia e o efêmero das premiações e alerta: os poetas transitam “no deserto da solidão e da escassez de leitores”.

De que forma você chegou ao formato da coletânea? Quanto tempo o livro demorou para ficar pronto?

O livro, como conceito, não existia antes. Existiam poemas esparsos; alguns umbilicalmente ligados por uma temática ou modo de desenvolvimento. Foi Adriane Garcia quem, com seu faro natural e inequívoco, montou o livro; enxergando uma unidade ali, onde eu só enxergava caos. Graças a ela que o livro tomou forma e acabou ganhando o Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura em 2016. O título foi extraído do verso de um dos poemas, que se chama Peter Pan: “Quando criança, disseram (...) que os carros não capotam na lua”. É uma pegadinha lógica, pois acredito que os carros não capotariam na lua devido à gravidade quase zero. Mas posso estar enganado. Nesse caso, minha ignorância sobre as leis da física criariam uma belíssima imagem. 

Qual a importância dos prêmios literários? Em que medida eles te ajudaram na sua trajetória?

Os prêmios costumam furar um bloqueio do mercado, na medida em que conduzem o escritor para situações que ele não viveria caso seu original estivesse mofando na gaveta de alguma editora. Porém, um prêmio literário é sempre uma onda e, quando ela vem, o melhor a se fazer é mergulhar e aproveitar o máximo possível, ainda que com a consciência de que, em breve, ela nos deixará no exato lugar onde nos apanhou. E que lugar é esse? O deserto da solidão e da escassez de leitores. 

Como é a sua rotina de trabalho com relação à poesia?

Falando dos poemas de “Um Carro Capota na Lua”, não é uma rotina, mas uma deriva entre um trabalho de prosa e outro. Muitas vezes, trata-se de uma ideia solta ou de um espanto sobre a realidade ou a linguagem. Considero a escrita de um poema mais lúdica que a produção de um texto em prosa. Por isso mesmo é o trabalho mais sério e mais sofisticado, porque é feito com alegria.

Quais são os desafios da literatura contemporânea?

São os mesmos desafios de qualquer pessoa que trabalhe com a inteligência em um país onde ela é cada vez mais rechaçada e a ignorância é cada vez mais enaltecida, o que, acredito, só vá piorar com o próximo governo, todo ele composto por ignorantes e ressentidos de toda sorte. 

Em que medida o absurdo, o surreal, o nonsense e o humor interferem na sua poética?

Interfere positivamente, na medida em que toda escrita é contaminada de realidade. E não há nada de mais absurdo, surreal e nonsense do que a realidade. Um exemplo: quando imaginaríamos que o país escolheria uma criatura tão descerebrada quanto o presidente eleito, que se cerca dos bobos da corte mais destrutivos e improváveis que jamais vimos? Aqui, o humor entra como expressão de nossa impotência. Porque é melhor rir do que chorar. 

Quais são seus próximos projetos?

Escrever para crianças e ajudar o meu país a atravessar os próximos quatro anos de escuridão e obscurantismo. Precisaremos criar redes de solidariedade para acolher um amigo negro ou homossexual que foi espancado; ou para ajudar financeiramente outro que foi demitido sem direito a nada, ou ainda para socorrer uma amiga que foi estuprada e precisa fazer um aborto. Teremos que voltar a pisar no chão desse primeiro cimento social. Isso se quisermos sobreviver.

 

Poesia que celebra o lúdico e o mistério de todos os sonhos

O poeta Tadeu Sarmento, 41, diz que prefere escrever para as crianças. “É quando eu me sinto útil, fazendo algo de bom e contribuindo para a formação de alguém e para que o mundo se torne um lugar melhor”, diz. Mas esse pernambucano também sabe escrever para um público mais complexo e, digamos, mais exigente. Ele acaba de lançar “Um Carro Capota na Lua”. É dele também “E se Deus For Um de Nós?” (Confraria do Vento, 2016) e “O Cometa É Um Sol que Não Deu Certo” (SM Edições, voltado para o público infantojuvenil), vencedor do 13º Prêmio Barco a Vapor, em 2017.

Os poemas de Tadeu transitam dentro de curtas tempestades e oferecem ao leitor metáforas diante de um jogo sem sentido lógico. Tadeu é dono de uma poesia sem a rigidez do correto, uma poesia suja, minimalista, mas constante, como são incertas, imprevisíveis, implacáveis as ventanias ou as tempestades.

Tadeu mostra uma poesia iluminada por flashes, inteira de relâmpagos. O que dizer de um poeta que delira e enxerga uma “Norma Jean nua, estacionando/carrosséis nos campos de Vênus”? Vemos uma poesia que tem muito de Roberto Piva e Mondrian, que é delirante como girândolas de um parque sem controle. Tadeu escreve sobre o que ele antevê, sobre o que cresce nos sonhos das sementes. Ele descreve o impossível.

Tadeu tem piedade das coisas que passam despercebidas. “É só um cometa. E o cometa é/um sol que não deu certo”. A poesia lança luzes sobre os absurdos. É que os poetas carregam sóis, uma espécie de “felicidade pesada”. A poesia de Tadeu é feita de sentimentos e desconjunturas. Uma poesia que dói e faz doer. Tadeu é sarcástico e lírico.

Certos poemas são como flechas atiradas diante de alvos inexistentes. Certos poemas carregam a dinâmica e o segredo, a chave que inicia todos os incêndios.

Existem atalhos naturais para a alegria. Tadeu prefere a práxis, no que esse termo traz de ação, de oposição diante do caos, da distopia e do desgoverno. Uma práxis poética que descortina um arsenal de possibilidades para açodar as engrenagens das coisas boas.

Tadeu é dono de uma poesia que sente raiva e fala de calibres de armas de fogo e de números de identificação de Auschwitz. Uma poesia heterodoxa, um tanto complexa, que aponta para putas, suicidas, onanistas e rabinos.

Certas poesias soam como oboés numa orquestra de cordas. Uma partitura de Vivaldi, nas mãos de um maestro, nas mãos de um poeta, não é apenas uma partitura de Vivaldi, é música que transcende a música. Tadeu dá a sua versão para diamantes, enxerga casais que ainda se beijam e adula com as palavras cães sem dono.

“UM CARRO CAPOTA NA LUA”

De Tadeu Sarmento.

Editora Tercetto, 82 páginas, R$ 35.

O livro será lançado neste sábado (15), no Guaja (av. Afonso Pena, 2881, Funcionários).

 

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