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Movimentos urbanos

Vanilton Lakka dirige o espetáculo Parcours, que estabelece o diálogo entre a arte de explorar a arquitetura das cidades com a dança contemporânea

Por SORAYA BELUSI
Publicado em 10 de outubro de 2007 | 19:05
 
 
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Os muros, grades e viadutos que compõem a paisagem urbana de Belo Horizonte não foram transportados para o palco. Mas a habilidade de explorar a arquitetura e ultrapassar os obstáculos de forma acrobática se impregnou no corpo dos intérpretes que ocupam a cena do Galpão Cine Horto em "Parcours", espetáculo dirigido por Vanilton Lakka, que marca a criação do grupo O Coletivo.

Os movimentos urbanos originários da cultura do parkour estabelecem diálogo com a dança contemporânea gerando, segundo o diretor, novas possibilidades corporais. "‘Parcours’ é o início de um trabalho, o começo de uma pesquisa no sentido de estabelecer um diálogo entre o parkour e a cena dentro de uma perspectiva presente na dança contemporânea. Tenho encarado o parkour como uma manifestação cultural contemporânea que, por isso, apresenta um universo amplo de investigação, não apenas de técnicas corporais mecânicas, mas também um jeito de estar no mundo, de sentir e ver, uma resposta desses indivíduos a questões da contemporaneidade", explica Lakka, em entrevista ao Magazine, do Peru, onde participa de um encontro regional promovido pela Rede Sudamericana de Danza.

David Belle, um dos criadores do parkour, compara a figura do praticante do esporte com a imagem de um samurai urbano, um guerreiro de nossos tempos, conceito que também impregnou os bailarinos na execução dos movimentos. "A imagem do samurai urbano é um elemento simbólico importante dentro dessa cultura. No espetáculo ela está presente na execução dos movimentos como uma imagem interna, uma espécie de anatomia simbólica que é ao mesmo tempo conteúdo e forma, pois molda os corpos dos praticantes e possibilita que eles sejam construídos", afirma o diretor, que tem em sua trajetória uma antiga relação com as manifestações oriundas da rua em sintonia com a pesquisa em dança contemporânea.

"O parkour surge na periferia das cidades francesas em um momento de grande imigração em direção aos países com melhor poder aquisitivo. A cultura hiphop é também um fenômeno de grandes centros e do fenômeno da imigração, principalmente de latinos para os Estados Unidos. Creio que de alguma maneira eles guardam muitas semelhanças: são manifestações recentes, existem muitos homens praticando, seus fundadores estão vivos e se utilizam dos meios de comunicação como a Internet e o vídeo para se propagar rapidamente pelo globo", contextualiza Lakka.

O interesse de Lakka em "Parcours" é trabalhar com as possibilidades corporais que surgem na prática dessas técnicas urbanas, mas também lidar com a energia e a força que elas possuem. "Creio que, de alguma maneira, a dança que crio se identifica muito com essas manifestações. Comecei minha pesquisa dançando break que, assim como a dança contemporânea, tem como umas das principais características ser autoral. Mantenho forte essa ligação com a cultura urbana", completa o diretor.

O grupo de praticantes de parkour em Belo Horizonte, o PKMAX, foi convidado para integrar o processo e promover essa troca com O Coletivo. "Os trauceurs (praticantes do parkour) têm um corpo moldado por essa cultura. Nesse sentido, conseguem realizar movimentos com um alto grau de dificuldade. Na montagem, utilizamos movimentos acrobáticos, mas procuramos estar atentos o tempo todo para não se transformar em um show de parkour, mas, sim, uma hipótese de relação com a dança contemporânea", garante.

"Parcours", espetáculo realizado com recursos do prêmio Estímulo às Artes, da Fundação Clóvis Salgado, foi estruturado em dois momentos. Na primeira parte, o público pode perceber uma estrutura nítida, com ação, risco e beleza estética. A primeira informação que Lakka absorveu dos praticantes de parkour foi a idéia de que eles têm um tempo e um jeito próprios de execução. Assim, a base de sua proposta foi a tentativa de criar uma linguagem própria e uma coreografia, ainda que os bailarinos não representem em cena. A segunda parte do espetáculo é mais um jogo que uma coreografia, no qual há regras para orientar os movimentos em cena.

O resultado dessa proposta foi uma reunião de movimentos corporais próprios do parkour, valorizada por projeção videográfica. Dentro da lógica da proposta filosófica do parkour, Lakka sugeriu uma inversão entre o início e o fim do espetáculo, deslocando seu clímax para o meio. A proposta é quebrar a seqüência natural de uma montagem cênica.

"Os trauceurs participantes do trabalho possuem uma concepção de dança assim como todos nós. Quando escutamos a palavra dança, imediatamente acionamos a nossa idéia de dança como algo coletivo. E, quando pensamos em dança cênica, pensamos não só em movimentos, mas também em estruturas de composição que são tradicionais e que politicamente têm vencido as guerras simbólicas e se estabelecido como estruturas hegemônicas. A montagem de ‘Parcours’ aciona essa estrutura comum, tradicional, para jogar com ela, pois tem o objetivo de subvertê-la. Nesse sentido, parece ser dois trabalhos distintos e incoerentes na sua ligação, mas é justamente essa incoerência que dá unidade", garante.

O fruto desse encontro entre duas técnicas corporais, segundo Lakka, é algo ainda em construção. "Por enquanto, podemos dizer apenas que é um trabalho de dança contemporânea em diálogo com a cultura parkour e também com as possibilidades corporais presentes nela. O que mais vai resultar só o tempo dirá, pois creio que uma criação não é apenas o que se projeta, mas o que se transforma na medida que vai tendo exposição", afirma.

AGENDA - "Parcours", de hoje a sábado, às 21h, e domingo, às 20h, no Galpão Cine Horto (rua Pitangui, 3.613, Horto. 3481-5580). Ingressos a R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia-entrada). Até 21/10.

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