Na trama da faixa-título “O Filho de José e Maria”, o casal se divorcia, e o filho, às voltas com dúvidas sobre sua sexualidade, passa “seis meses na casa da mãe/ seis meses na casa do pai”, como diz a letra. O álbum, lançado em 1977, gerou a excomunhão de Odair José, 70, da Igreja Católica. A mal fadada ópera-rock também levou o artista a ser perseguido pela censura de “uma sociedade hipócrita que ajudou a vetar o disco”, dispara. 

Decorridas mais de quatro décadas, o cantor concebeu uma continuação para a polêmica narrativa, que ele apresenta neste sábado (3) em BH. “Hibernar na Casa das Moças Ouvindo Rádio” enfileira 11 canções autorais e coloca em relevo temas comuns ao universo musical de Odair que, para surpresa dele próprio, continuam atuais. “É uma provocação à falsa moral e um convite à desobediência”, sintetiza o compositor. 

Além de executar o novo trabalho na íntegra, Odair resolveu incluir no roteiro canções que dialogam com a proposta, entre elas “Que Loucura” e “Nunca Mais”, de “O Filho de José e Maria”. “Moral e Moral”, do álbum “Gatos e Ratos” (2016); “Esta Noite Você Vai Ter Que Ser Minha”, de “Assim Sou Eu” (1972); e “A Noite Mais Linda do Mundo”, gravada em “Lembranças” (1974), também vão estar presentes.

Desta última, popularizada como “Felicidade”, ele pinça a frase “o que existe na vida são momentos felizes”, para dizer que “é preciso aproveitar o instante, porque o dia de amanhã pode ser pior”. “Ando preocupado com o excesso de preconceito no Brasil”, destaca. 

Habituado a falar com propriedade e intimidade sobre tudo aquilo que parte da sociedade brasileira prefere varrer para debaixo do tapete, Odair considera o cenário propício para se “discutir com clareza, e não baseado em moralismos”, diz. “O cara gosta de transar com a prostituta, mas fala mal dela e não respeita a profissão. Essa é uma luta e um alerta que eu faço há muitos anos”, salienta. 

A faixa “Na Casa das Moças” é o exemplo mais recente. “Na casa das moças/ Os homens esperam na fila da louça”, afirmam os versos, pois quem ajuda nas atividades domésticas dentro da famosa casa de tolerância tem direito a “repeteco de graça e até beijo na boca”. 

Mas Odair tem razão quando diz que seu brado contra os estigmas vem de longe. Garantida no show, “Eu Vou Tirar Você Desse Lugar” teve que conviver com o nariz torcido da crítica e o conservadorismo de costumes da população, até tornar-se um clássico. Sagaz, o compositor observa a permanência da música sob outro prisma. “Se ela continua fazendo sucesso, é porque esse tabu ainda não foi resolvido”, constata. 

Capital. Em julho, Odair foi uma das atrações da Virada Cultural de BH e dividiu o palco com Marcelo Veronez na rua Guaicurus, histórico ponto de prostituição da cidade. “Fiquei muito feliz de tocar ali, me senti acolhido. Percebo uma reverência da juventude pela minha música, até pessoas do funk foram assistir”, orgulha-se. 

Goiano, o cantor se mudou para o Rio de Janeiro durante a adolescência, em busca da futura fama e, há três décadas, escolheu São Paulo para viver. Ele, porém, não esconde o carinho que sente pela capital mineira. “Desde a década de 70 que eu tenho uma ótima relação com a cidade, eu moraria em BH facilmente”, garante. 

Serviço. Show de Odair José, neste sábado (3), às 22h, n'A Autêntica (rua Alagoas, 1.172, Savassi). De R$ 30 (meia) a R$ 80 (inteira)

Ouça o novo álbum de Odair José: