O Centro de Referência da Juventude (CRJ) é caótico, polimorfo e relacional. Chega a ser impressionante que, em meio ao caos, tanta gente consiga conviver, ensaiar, trocar ideias e informações. Aliás, essa é uma característica marcante do centro: tudo que lá acontece é gratuito. Além disso, o espaço comprova sua vocação para uma política afirmativa, que se concentra em ações feitas e discutidas com seu público-alvo. “Temos algumas prerrogativas para abrigar os artistas e iniciativas aqui no espaço: primeiro, que ela seja feita por, com ou para jovens; segundo, que seja gratuita; que não fira o Estatuto da Juventude; e, em quarto, que não seja permanente, para manter a rotatividade e a democratização do acesso”, pontua Samira Ávila, gestora responsável.

Com uma equipe reduzida e orçamento baixo, o êxito do CRJ foi abrir suas portas para construir sua programação de modo compartilhado. “Aqui, diferentemente de outros espaços públicos, nós temos uma política do ‘sim’. De avaliar cada caso individualmente, sem regras predefinidas. Envolvemos as pessoas no cuidado com o espaço e na autogestão de seu evento. Assim, conseguimos acolher esse tanto de gente”, garante ela.

Para ocupar o CRJ formalmente, basta acessar um formulário simplificado que está disponível na página do Facebook. A iniciativa é tão bem-sucedida que, em 2017, mais de 7.000 inscrições foram recebidas. Samira estima que cerca de 10 mil pessoas passam pelo espaço mensalmente. “Hoje, 90% da nossa programação vem de fora”, atesta.

Já no final de 2017, o centro conseguiu formular um documento com suas diretrizes e também receber quatro técnicos da assistência social e da psicologia para prestar serviços junto aos jovens frequentadores do espaço. É notória a vocação artística do espaço, mas outras atividades também se dão: uma turma de EJA voltada para jovens em situação de vulnerabilidade, o ciclo “Pautas Silenciadas”, que trata temáticas sensíveis, como o racismo estrutural, o “Gestão da Correria”, que pensa em estratégias para empregar jovens, o projeto Brota, em parceria com a UFMG, que oferece cursos de teatro, dança, circo, arte visuais e gastronomia voltados para jovens em situação de risco.

Além deles, a Escola Livre de Artes tem turmas no espaço, e o centro passou a abrigar o Ballet Jovem, que foi desligado do Palácio das Artes. No fim de 2018, o Ballet Jovem deve unir os grupos de dança que frequentam o espaço para fazerem um apresentação conjunta.

História

A construção do prédio do CRJ foi finalizada em 2014, mas ele ficou dois anos fechado. Somente em 2016 – concomitantemente com a ocupação da Funarte, no protesto de artistas que se espalhou pelo país ante a ameaça de fechamento do Ministério da Cultura – o espaço foi tomado por um grupo de jovens, que lá ficaram, reivindicando seu uso. A abertura “forçada” do espaço foi um caminho sem volta. “Os governos tendem a pensar em uma juventude abstrata, sem dialogar com as juventudes. Deve-se partir do princípio que política de juventude deve ser feita com a juventude, e não só para a juventude. Nós, inclusive, falamos ‘juventudes’, porque partimos do princípio de diversidade e pluralidade”, destaca Samira.

Passado o furor e o êxito dos primeiros anos de CRJ, a gestora pontua que o futuro do centro pode ter políticas mais potentes e permanentes. Atualmente, o centro está atrelado à Secretária de Assistência, Segurança Alimentar e Cidadania. “A ocupação foi o que garantiu que o CRJ estivesse sendo construído dessa forma, partindo da juventude, e não de uma ideia preconcebida sobre o que é um espaço de juventude no centro. A ocupação é inovadora, democrática. De uma escassez veio uma potência. Mas temos que conseguir ofertar mais atividades, promover ações e políticas públicas. Precisamos disputar orçamento, pois a juventude é sempre tratada como pauta secundária”, assinala.