Há quem diga que o melhor remédio para um coração partido é o tempo, somado (ou não) a boas sessões de terapia. Mas, bem, a comida também pode ser uma aliada. Foi justamente na culinária que o chef e confeiteiro Gui Poulain, 34, encontrou consolo após descobrir que o amor não é só para os dias bons. Relatos sobre amor e perdas, além de receitas e dicas para a confeitaria na cozinha diária, compõem “Desalinho”, o segundo livro do confeiteiro, que será lançado hoje, às 9h, nA Central. Na ocasião, Gui vai preparar cinco das 30 receitas doces inclusas na publicação.
Viabilizada por um financiamento coletivo, a obra foi totalmente produzida por Gui: da diagramação às fotos e desenhos que ilustram as receitas elaboradas por ele a partir de experiências pessoais.
Foi exatamente no aniversário de 24 anos que Gui amargou o fim de um relacionamento: à época, descobriu que o namorado tinha um caso com seu melhor amigo. “Numa das minhas primeiras sessões para tratar a depressão pós-término, ouvi do terapeuta que o meu conceito de amor era uma ilusão”, lembra. “Aí, comecei a pensar em histórias passadas – e o livro nasceu justamente desse processo, dos amores que perdi ao longo dos anos, incluindo meus avós”.
Unindo reflexões sobre relacionamentos a receitas, “Desalinho” também funciona como um guia descomplicado para o dia a dia na cozinha, com inserções escritas à mão pelo autor. Há, por exemplo, dicas de como lidar com massas grudentas de biscoitos ou de como fazer um brigadeiro no ponto correto. Ou a história da receita do bolo que ele fez para o ex-namorado, o arroz-doce preferido do avô e, ainda, o bolo de casamento que idealizou para ser o protagonista da sua cerimônia. “Este, doei para compor a mesa do casamento coletivo de mais de 40 casais LGBTQ, que aconteceu em BH, no fim de 2018. Foi maravilhoso transformar algo que sonhava para mim em um presente para tantas pessoas. É por isso que essa receita significa muito”, relata.
Tanto as histórias quanto as receitas têm potencial de atingir muita gente – principalmente quem, como o autor, não dissocia comida de afeto. “Eu prefiro receitas feitas com ingredientes que podem ser facilmente encontrados”, acrescenta ele, referindo-se a uma das escolhidas para compartilhar. “E também pensar na lembrança e na questão da memória afetiva em todas, dos doces simples aos mais complexos, com técnicas de confeitaria mais apuradas”, contou.
Trajetória. Na época do término do seu relacionamento, Gui foi demitido da agência onde atuava como designer. Não bastasse, sua mãe lhe pediu que saísse de casa, por ter se assumido gay. “Senti um desespero gigantesco ali. Pensava que tudo tinha dado errado e no que iria fazer da minha vida”. Foi quando optou por morar na Argentina e estudar culinária, por seis meses. Assim, em 2010, criou o Moldando Afeto, blog que o projetou na web. “Entendi aquilo como uma forma de marketing para divulgar minhas receitas e vender massas caseiras”, rememora.
Na sequência, foi estudar pâtisserie em Paris, na renomada Ferrandi, onde aprimorou técnicas. Em 2015, lançou “Cartas Amarelas”, livro também feito por meio de um financiamento coletivo e que conquistou a chef Rita Lobo. Ele também manteu um programa no YouTube, no qual ele dividia os louros com a influenciadora digital Lu Ferreira: “O Chef e a Chata”, que durou cinco anos.
Além dos livros, o trabalho de Gui é forte nas redes sociais: são quase 70 mil seguidores no Instagram, no qual, claro, publica receitas, sempre com textos profundos, que comprovam que o objetivo ali é mais do que simplesmente matar a fome. Detalhe: cada post é compartilhado por centenas de usuários. Quanto à autoralidade, ele diz: “Talvez outra pessoa, do outro lado do mundo, tenha pensado em uma receita similar à que está no meu livro e eu nem saiba. Assim, essa receita é minha? Digo que sim, mas, bem, também é de todo mundo. Na verdade, tudo o que criamos vem de uma somatória de inspirações. O que sinto é que compartilhar é como um bem feito – e é isso que importa”, finaliza.
Desalinho. Lançamento neste domingo (24), das 9h às 13h, nA Central (praça Rui Barbosa, 104, centro). Entrada gratuita. Há também um bufê livre de café da manhã por R$ 40. O livro custa R$ 120 (84 páginas).
Receita: barrinhas de coco e caramelo
Ingredientes-base:
180 g (1 e 1/2 xícara) de farinha de trigo
80 g (1 xícara) de coco ralado
30 g (3 colheres de sopa) de açúcar mascavo
120 g de manteiga sem sal
1 gema
3 colheres (sopa) de água
Ingredientes do caramelo:
1 lata de leite condensado
3 colheres (sopa) de manteiga 75 g
(1/2 xícara) de açúcar mascavo</MC>
Modo de preparo:
Comece pela massa: misture a farinha de trigo, o coco ralado e o açúcar numa tigela. Acrescente a manteiga gelada cortada em cubos. Com a ponta dos dedos, adicione a manteiga na mistura de sólidos. Misture até formar uma espécie de farofa úmida. Adicione a gema e a água e mexa rapidamente, só para dar liga. Esparrame a massa com os dedos sobre uma assadeira coberta com papel-manteiga no fundo e nas laterais. Espalhe até que fique uma camada fina como um biscoito. Faça furos com um garfo e leve ao forno preaquecido a 180°C por 15 a 20 minutos ou até que as beiradinhas da massa fiquem douradas. Retire e deixe esfriar. Enquanto isso, faça o caramelo: coloque o leite condensado, a manteiga e o açúcar numa panela e leve ao fogo baixo, mexendo como se estivesse fazendo um brigadeiro. Mexa sempre para não empelotar. Quando começar a soltar do fundo da panela, aguarde dois minutos, ainda mexendo, e depois retire do fogo. Esparrame ainda quente sobre a base de biscoito. Deixe esfriar um pouco, cubra com filme plástico e leve à geladeira para firmar por cerca de 30 minutos. Retire e corte em pedaços. Sirva em temperatura ambiente. Rende cerca de 18 barrinhas.